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Projeto de programa eleitoral do PS – versão para debate público (2)

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A primeira proposta do PS é dedicada a procurar garantir um melhor acesso dos cidadãos ao SNS no seu primeiro contacto quando se sentem doentes, “ampliando a capacidade de, num só local, o cidadão obter consulta, meios de diagnóstico e terapêutica que ali possam ser concentrados, evitando o constante reenvio para unidades dispersas e longínquas”. Embora não o seja dito neste ponto, o pensamento é de reforço de cuidados de saúde primários, procurando também ao mesmo tempo resolver um problema crónico de utilização excessiva de urgências (que é um problema por resolver de uma forma que desperdiça recursos escassos situações clínicas que podem ser igualmente resolvidas com mais proximidade nos cuidados de saúde primários). Esta é também uma proposta que surge no mais recente relatório sobre Portugal pela OCDE, e que vai de encontro ao que tem sido encontrado como factor relevante para a procura do primeiro ponto de contacto com o Serviço Nacional de Saúde – conveniência de atendimento e realização de exames num único momento e local.

A transição do actual uso da urgência hospitalar como ponto privilegiado de acesso não programado dos cidadãos (onde vão quando se sentem doentes e querem resolver rapidamente a sua situação) para esses outros locais é algo que precisa de ser pensado com cuidado, não sendo de excluir que nalguns casos a própria urgência hospitalar possa ser a melhor solução (no relatório OCDE, é apontado que ter especialistas de medicina geral e familiar nas urgências hospitalares pode também ser uma solução nalgumas zonas).

A segunda proposta muda de plano, e em vez de acesso centra-se na protecção financeira das famílias. A proposta é que os “32% [de pagamentos das famílias] têm que ser progressivamente revertidos para valores que não discriminem o acesso, nem tornem insolventes as famílias.”

Há aqui algumas observações relevantes. Segundo a Conta Satélite da Saúde (cujo ano mais recente nesta data de consulta é 2013), as despesas directas das famílias com saúde são 27,58% das despesas totais em saúde. Houve uma subida deste valor desde 2010, inevitável face à redução dos benefícios fiscais que transformavam despesa privada em despesa pública em saúde através do sistema de impostos.

Mais importante do que esta percentagem, numa lógica de protecção das famílias que parece estar aqui presente, é o peso das despesas com a saúde nos orçamentos familiares. Esta preocupação tem sido formalizada no conceito de despesas catastróficas em saúde, isto é, despesas que provocam uma redução no rendimento disponível do agregado familiar suficientemente forte para que haja um efeito empobrecedor ou de redução substancial de outros consumos essenciais das famílias.

Da análise mais detalhada deste conceito de despesas catastróficas, e que pode ser feita de várias formas, infere-se que em Portugal os copagamentos com medicamentos são especialmente relevantes para os agregados familiares de menores rendimentos, enquanto a utilização de serviços privados (incluindo no parte relevante cuidados de saúde oral / medicina dentária) é relevante nos escalões de rendimento mais elevados. A evidência mais recente para Portugal é de 2010/2011, do último inquérito às despesas das famílias realizado (este ano deverá iniciar-se outro). Duas análises de despesas catastróficas podem ser consultadas aqui e aqui.

Infelizmente, não há um detalhar de como o programa do PS pretende proceder a este re-equilibrio, que será mais uma questão de que protecção financeira se quer dar. O que obriga a conhecer o perfil de despesas catastróficas, por um lado, e o custo do “risco” destas despesas para as famílias (se não é despesa privada, terá que ser despesa pública).

Admitindo que estas despesas privadas directas são demasiado elevadas, então a consequência imediata é a redução dos copagamentos nos medicamentos, aumentando a parte comparticipada pelo Estado. Se não for este o “mecanismo”, interessa saber qual possa ser. Repor deduções fiscais, por exemplo, é outra possibilidade, mas que terá como consequência beneficiar mais os níveis de rendimento médio e alto (os rendimentos baixos que não chegam a pagar impostos não beneficiam por definição de uma dedução fiscal).

Note-se que os valores de 2011(26,35%), 2012 (28,36%) e 2013 (27,58%)  incluem o efeito de redução de preços de medicamentos que se fez sentir nesses anos e que exerceu um efeito protector das famílias (os casos de despesas ditas catastróficas de saúde teriam certamente sido mais se não tivesse ocorrido a redução dos preços dos medicamentos).

Assim, para debate fica a forma pela qual se podem reduzir as despesas directas das famílias. Os medicamentos parecem ser um ponto de análise relativamente óbvio, nas três componentes – nível de consumo (prescrição), preço (pressão para redução), e cobertura dada pelo Serviço Nacional de Saúde (eventual aumento da proporção do preço paga pelo SNS).

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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