Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


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Blog: 2014 in review, by courtesy of WordPress

Com um obrigado aos leitores e comentadores deste blog, a informação coligida pelo WordPress.

The WordPress.com stats helper monkeys prepared a 2014 annual report for this blog.

Here’s an excerpt:

The Louvre Museum has 8.5 million visitors per year. This blog was viewed about 99,000 times in 2014. If it were an exhibit at the Louvre Museum, it would take about 4 days for that many people to see it.

Click here to see the complete report.


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1000 posts, agora 1001 posts…

Objectivo para 2014 alcançado, mesmo no final do ano, e o que diz a internet?

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Prevenção em oncologia – algumas ideias

Os aspectos de prevenção da doença e promoção da saúde são frequentemente destacados enquanto centrais para as políticas de saúde, embora depois frequentemente as acções tomadas não acabam por reflectir essa importância na discussão de ideias.

O Conselho da Diáspora Portuguesa elegeu como um dos temas da sua discussão anual a prevenção em oncologia. A propósito desse tema fui desafiado a elaborar um pequeno texto sobre as vantagens e o valor económico da prevenção em oncologia. Numa primeira impressão, parece que bastaria fazer um cálculo de custos presentes versus benefícios futuros (nomeadamente custos evitados e valor de não perder saúde). Avançar com um número de casos evitados, incluindo mortalidade evitada, valorizada aos custos actuais de tratamento não é muito complicado de realizar. E adicionando os custos indirectos, ainda mais simples se torna dizer que a prevenção vale a pena (ver aqui alguma quantificação).

Mais desafiante é perceber porque nesta área, como noutras áreas da medicina, onde se intui facilmente que maior prevenção é desejável, se fica tão aquém da que estas discussões apontam. Acabou por ser este o ponto de partida que me pareceu mais interessante para discutir, e o documento que preparei está disponível aqui, para os comentários, sugestões e desenvolvimentos que entenderem.


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 9 – Dezembro 2014)

Foi publicada imediatamente antes do Natal a execução orçamental referente a Novembro de 2014, contendo os valores actualizados para a dívida dos hospitais EPE, tema deste “observatório mensal”.

Os valores agora divulgados surgem num contexto de anúncio de verbas para regularização de dívidas (ver comunicado do Ministério da Saúde aqui, incluindo discriminação da verba atribuída por hospital), ao mesmo tempo é dito “Reforça-se em simultâneo a responsabilização das entidades que, após estes aumentos de capital, não poderão acumular novos pagamentos em atraso.” Os valores transferidos em 2014 correspondem a 950,7 milhões de euros, o que é superior ao crescimento anual das dívidas em atraso nos últimos dois anos. Esta transferência deverá permitir por isso fazer baixar no início de 2015 a dívida total em atraso pelos hospitais EPE. Acresce que o ritmo de crescimento da dívida tem sido negativo desde Setembro de 2014, o que poderá já sinalizar uma alteração de tendência. De acordo com os gráficos de acompanhamento da dívida em atraso, o valor de Novembro de 2014 acentua a mudança de tendência por referência ao que se passou desde o início do ano de 2014 (gráficos 1 a 3 abaixo).

Apesar dos vários sinais positivos, para que realmente se tenha alterado a situação é necessário que

a) os orçamentos iniciais dos hospitais tenham compromissos financeiros e de actividade a realizar realistas (para que o crescimento da dívida à indústria farmacêutica não retome o seu papel de válvula de escape de má gestão justificada por orçamento insuficiente);

b) seja claro o que constitui a “responsabilidade reforçada” para que não haja novos pagamentos em atraso. Esta responsabilidade reforçada deverá a meu ver ter três elementos centrais, apresentados noutros posts e que convém aqui recuperar: 1) acompanhamento mensal pelas estruturas centrais do Ministério da Saúde dos hospitais com menor capacidade de controle da dívida (autonomia conquista-se pelo mérito de gestão demonstrado); 2) se as equipas de gestão forem manifestamente incapazes devem ser destituídas; 3) contemplar a possibilidade de áreas de actividade programada serem fechadas nos hospitais com menor capacidade de gestão, sendo transferidas para outros hospitais que tenham comprovadamente melhor capacidade de gestão (nomeadamente, quando a melhor gestão conseguir originar melhores níveis assistenciais com menores custos, incluindo custos com transporte de doentes se for o caso).

Evolução da dívida dos hospitais EPE

Evolução da dívida dos hospitais EPE

Tendência dos últimos meses fora do intervalo de confiança dos valores dos meses anteriores (desde final de 2013)

Tendência dos últimos meses fora do intervalo de confiança dos valores dos meses anteriores (desde final de 2013)

Valores de regressão que ainda não identificam uma tendência decrescente estatisticamente significativa nos últimos meses (apenas 3 observações), embora tendencialmente se vá nesse sentido.

Valores de regressão que ainda não identificam uma tendência decrescente estatisticamente significativa nos últimos meses (apenas 3 observações), embora tendencialmente se vá nesse sentido.


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um conto de Natal, da Twilight Zone,

The night of the meek, com os cumprimentos da internet.

Feliz Natal! (é só cantar com José Feliciano, em caso de dúvida)

 

 


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direitos de autor e fisco, Astérix e Rui Zink

Leitura recomendada na manhã de hoje: Asterix au Portugal, por Rui Zink. Na essência do problema, como os rendimentos de direitos de autor são tributados a uma taxa efectiva mais baixa (só metade dos rendimentos são englobados), os serviços do fisco decidiram passar a verificar com “muito empenho” o que é classificado como tal. No caso que Rui Zink  menciona, realizar uma conferência não é contemplado.
Nesta questão, como em muitas outras, o zelo tributário de combate aos excessos (que os haverá) implica um custo sobre o que é a prestação de boa vontade – os convites gratuitos para falar e participar aqui e ali, incluindo escolas, igualmente referidos por Rui Zink (e que relembra algo de similar que se passou com Ruy de Carvalho há um ano e tal; também João Miguel Tavares anda às voltas com o mesmo problema).

A actividade criativa, pelo que tem de intangível, é difícil de “contabilizar” para efeitos fiscais. Mas mais do que isso, o desenvolvimento da actividade criativa depende muito de aspectos pessoais de empenho – uma conferência tanto pode ter uma componente criativa, de empenho em apresentar algo de novo, como ser simplesmente uma reprodução de algo existente.

Compreendendo a necessidade de monitorização das situações de direitos de autor, a mesma deverá ter a capacidade de atender ao que é a natureza dessa actividade criativa.

Ou então levar à solução “Asterix”, com duas sugestões: primeiro, para cada conferência o fisco passar a ser consultado sobre se configura situação criativa ou não, com oito dias para emitir parecer de oposição a que seja o caso, com fundamento do parecer de oposição, caso contrário considera-se que seja direitos de autor. Ou seja, um sistema de notificação prévia, a cargo de quem convida para dar uma conferência, à qual o fisco tem um prazo curto após o qual há deferimento tácito; segunda sugestão, para os convites gratuitos a “escritores, músicos, actores”, ser imputado um valor de donativo, ou mecenato, dos mesmos, a ser deduzido contra o rendimento tributável. Se grandes empresas podem fazer mecenato e reduzir os seus impostos, se os donativos monetários individuais a instituições podem ser deduzidos ao rendimento tributável, não há razão para que os donativos em espécie não o possam também ser (haverá um problema de verificação, mas tenha-se um registo electrónico de cada convite e evento para verificação pelo fisco).

Complicado? sim, mas a presunção de que qualquer actividade criativa é um acto de evasão fiscal é injusta, mesmo que existam casos de abuso que sejam encontrados.

E para 10 minutos de entretenimento, Asterix and the place that sends you mad.

PS. Declaração de interesses – recebo direitos de autor por livros publicados, e tenho por isso simpatia para com as actividades criativas.

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Pacto para a saúde (4)

Saltando alguns dos tópicos, que virão a ser tratados nos próximos dias, é interessante pegar no ponto “Que liberdade de escolha?”. O ponto de liberdade de escolha é diferente de concorrência que é diferente de privatização. Pode-se ter liberdade de escolha para o cidadão (para o doente) dentro do sector público e sem ter concorrência (e sem ter privatização). Importante é saber o que são as consequências da liberdade de escolha, e como é que as instituições do Serviço Nacional de Saúde reagem a essa liberdade de escolha, e que instrumentos têm para essa reacção.

Contudo, antes de passar a essa discussão, e como o que parece ser o grande fantasma é a questão de concorrência com o sector privado, será útil conhecer um pouco mais das percepções das pessoas sobre este aspecto, pelo que proponho um rápido questionário (adaptado de outro contexto, e em inglês): aqui

Analisarei os resultados daqui a uns dias.


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O tumulto da privatização da TAP

A greve da TAP para o final do ano relançou a discussão sobre a privatização da TAP, defendida por uns, e a sua manutenção como empresa pública, defendida por outros. Cada lado procurando encontrar as contradições do outro lado.

Nesta discussão, muitos têm partido de uma das duas seguintes posições:

a) as empresas devem ser públicas, até argumento suficiente em contrário (talvez com a nuance de “as grandes empresas devem ser públicas, até prova em contrário”).

b) as empresas devem ser privadas, até argumento suficiente em contrário.

Ora, nesta discussão, tenho sentido a falta de clarificação num ponto fundamental, embora alguns dos comentários o tenham aflorado – o que se pretende do sector de transporte aéreo?  – para depois então se ter a capacidade de discutir a melhor forma de atingir esse objectivo.

Em particular, e vivendo-se numa economia de mercado, interessa identificar que factores fazem com que o funcionamento do sector privado neste campo tenha “falhas” que justifiquem a intervenção pública, e esses têm sido pouco claros, sobretudo no aspecto de terem alternativas de actuação que atinjam os mesmos objectivos (por exemplo, ligações às ilhas podem ser feitas subsidiando directamente os passageiros qualquer que seja a companhia; ou fazendo uma concessão temporária de serviço, sem necessidade de operar uma companhia). A escala que dantes era necessária atingir e que poderia gerar a necessidade de ter uma empresa pública já não é necessária hoje, e há claramente alternativas, concorrentes, que o podem fazer.

Apenas o “prazer” de ter uma empresa pública de aviação o poderia justificar, mas está-se realmente disposto a pagar por isso?


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“Hepatite C e o meganegócio farmacêutico”, por António Ferreira

Nem de propósito, depois de três textos sobre o livro de António Ferreira, surge um artigo no Jornal de Notícias, aqui, no seguimento de outras declarações recentes duras, e que de caminho trazem um exemplo de avaliação económica extrema, para caricaturar a utilização desse instrumento, o leite em pó que salva a vida de recém-nascidos.

Passando além do estilo, próprio para captar a atenção, e a verdade é que captou na medida em que de várias pessoas recebi mensagens sobre o artigo, há que olhar para os vários aspectos em que toca.

Primeiro, embora não dito dessa forma, há a diferença entre preço e valor, neste caso de um medicamento. Os dois conceitos não são a mesma coisa. Tomando uma qualquer transacção em abstracto, esta gera valor sempre que a valorização ganhar por quem adquire o produto ou serviço é maior que a valorização de quem cede (ou produz) o bem ou serviço. Isto é verdade para medicamentos como é verdade para uma “bica” ao balcão ou um jantar, sempre que a transacção for voluntária.

O preço tem o papel de dividir este valor entre os dois lados da transacção. Se o preço for mais próximo do valor atribuído de quem recebe o bem ou serviço, quem cede fica com quase todo o valor. Se, de forma oposta, o preço for mais próximo do valor atribuído de quem vende o bem ou serviço, é comprador (beneficiário do serviço) que fica com a maior parte do valor.

Assim, em qualquer transacção, há estes dois elementos: qual o valor gerado, qual a forma como esse valor é dividido entre as partes.

Normalmente, numa grande parte dos produtos e serviços, são as decisões voluntárias que determinam a existência de transacções, e a forma como esse valor se distribui. Quando quem vende (ou presta o serviço) possui o que se denomina poder de mercado, tende a estabelecer preços elevados, e mesmo que passem a haver transações com valor criado positivo que deixam ser realizadas, como a transferência de valor compensa à empresa, tem-se uma perda social de valor. Há, normalmente, maior valor social total quando os preços se aproximam dos custos de produção (em rigor, quando se aproximam do custo adicional da última unidade produzida do bem ou serviço), e, também normalmente, a existência de pressão concorrencial é uma forma de com pouca informação sobre as estruturas de custos de quem produz o bem ou serviço e de forma descentralizada alcançar essa situação.

Chegado aqui o leitor começa-se a perguntar o que tem isto a ver com o artigo de António Ferreira, e com os preços do medicamento para a Hepatite C.

O primeiro ponto é simples. Os novos medicamentos para a Hepatite C são (a crer no que é dito pela classe médica) são uma inovação importante, permitindo taxas de cura de um problema que não existiam antes e que tinham muitos mais efeitos secundários adversos. Ou seja, é uma nova opção terapêutica que cria valor social.

Para este aspecto, a avaliação económica do medicamento, com uma perspectiva de valor social gerado, tem a utilidade de vir dizer que este novo medicamento traz algo de novo e com valor elevado. A avaliação económica do medicamento, a análise custo-efectividade, é um instrumento útil para determinar o valor. Note-se que se dissesse que o medicamento não trazia valor social, não haveria discussão sobre a sua utilização.

Até aqui tudo bem, e não creio que tenha sido disputado o valor gerado.

O passo seguinte é a determinação do preço. E é aqui que os problemas surgem. Idealmente, na ausência de outras considerações, o melhor preço seria determinado pelos custos de produção. Contudo, um preço que fosse igual ao custo de produção não consegue pagar os custos de desenvolvimento do produto, que inclui também as tentativas falhadas de inovação. Aceita-se assim um mecanismo que permite à empresa que tem uma inovação recuperar esses custos – é a protecção de patente, atribuída de forma genérica para todos os sectores com uma certa duração temporal.  A existência de patente impede concorrência muito directa (impede que outros produzam o mesmo produto) embora não impeça toda a concorrência (outros medicamentos que tenham o mesmo fim terapêutico podem, e estão no caso da Hepatite C, presentes no mercado). Quanto mais diferenciado for o produto, menos essa pressão adicional se faz sentir.

Em qualquer caso, para medicamentos que são salvadores de vidas, deixar à livre decisão das empresas o preço praticado é susceptível de gerar preços elevados, pois à situação de protecção de patente junta-se a pressão dos doentes para serem tratados, qualquer que seja o custo (embora na verdade cada vez mais o cidadão sente que a despesa pública, num sistema como o Serviço Nacional de Saúde, também é paga por ele, mas ainda não é uma sensibilidade muito forte).

É aqui que neste momento se joga a discussão dos medicamentos para a hepatite C. Não havendo livre funcionamento do mercado para a determinação do preço, têm que ser encontrados outros mecanismos. E para isso existem diversas alternativas – a primeira é desde logo procurar o preço mais baixo que vigore internacionalmente. Mas a utilização desta regra leva a que as empresas farmacêuticas em geral tenham interesse em estabelecer acordos que levem a que o preço efectivo seja diferente do preço publicamente conhecido, como forma de evitar que um preço mais baixo num mercado seja usado como referência noutro mercado.

Para a solução de negociação, que acaba então por ser utilizada, a questão central é qual a âncora usada – e é aqui que entra novamente em  campo a avaliação económica como forma de determinar o valor. A implicação que se procura retirar é que o preço deve reflectir o valor do medicamento. Porém esta afirmação aparentemente simples e aparentemente razoável tem a implicação de fazer com que o preço tenda a transferir o valor gerado, ou seja, é um preço muito diferente do que surgiria num mercado concorrencial, em que o preço tende a aproximar o custo de produção (em que o preço tende a aproximar o valor mínimo que o produtor está disposto a aceitar e não o preço máximo que beneficiário está disposto a pagar).

Ou seja, utilizar os estudos de custo-efectividade para justificar preços alinhados pelo valor gerado tem como consequência preços elevados quando o benefício é elevado.

E como o preço é elevado então haverá menos casos tratados do que se o preço fosse próximo do custo de produção. A indignação (?) de António Ferreira deverá ser dirigida contra a decisão de usar os estudos de avaliação económica para este fim, determinação de preços, e não para o seu papel de determinação do valor gerado.

O segundo aspecto relacionado com a fixação de preço é a utilização de mecanismos de “pay for performance”. Ou seja, em vez de pagar sempre o medicamento, é apenas pago o preço quando o tratamento dá resultado. Este é um sentido de “pay for performance” também conhecido como “risk sharing” (embora também seja um mau nome porque o que faz é transferir risco, não partilhar, mas isso será outra discussão). A lógica de pagar apenas quando funciona, apesar de atractiva, não é ela própria tão adequada como parece. Em particular, pode levar a que possam ser tratados casos em que apesar de se esperar que o medicamento não tenha resultados, se essa decisão for tomada de forma totalmente independente pelo pagador, o que é apenas custo desnecessário. Claro que há um “pay for performance” noutros contextos que é mais interessante – se conseguir produzir ou prestar um mesmo tratamento com igual resultado e menor custo, então essa poupança é partilhada entre as partes. Mas não desse aspecto que se está aqui a tratar.

Dito isto, o que é desejável que suceda? em primeiro lugar, se o medicamento tem valor social, então deverá conseguir-se encontrar um acordo razoável para ambas as partes; e quanto mais depressa melhor. Em segundo lugar, o referencial para estabelecer o preço não pode ser o valor máximo que a sociedade esteja disposta a pagar. Terceiro elemento desejável, de uma forma genérica, o preço pago deve remunerar o custo do processo de inovação, embora aqui Portugal esteja numa posição ligeiramente mais confortável – o que quer se que se passe aqui não afectará as decisões de inovação das companhias farmacêuticas (a repartição mundial do custo da inovação é também ela uma outra discussão – por exemplo, se houvesse coordenação internacional, uma vez que o lucro consolidado da empresa cubra os custos de investimentos acrescidos de uma remuneração de 4 ou 5%, então a patente cai). Quarto, o preço que seja praticado provavelmente terá que possuir um elemento de desconto “secreto” para que um preço baixo não seja usado como referencial para outros países de maior importância e que tenham estabelecidos preços mais elevados (é uma espécie de condição de participação para as empresas farmacêuticas).

Claro que uma regulação agressiva do preço deveria simplesmente determinar o custo de produção do medicamento, adicionar uma margem ou melhor fazer um pagamento fixo extraordinário à empresa, e aproximar o preço desse custo de produção.

A indignação de António Ferreira se dirigida contra preços que reflectem exercício de poder de mercado é perfeitamente justificada, mas a culpa não está na dita avaliação económica como instrumento, e sim na forma de determinação do preço. Nos Estados Unidos, onde a tradição é de ter preços livremente determinados, mas com acção das autoridades de defesa da concorrência em geral, surgiu a notícia de uma queixa contra uma das empresas que tem medicamento para a hepatite C, ver aqui, precisamente por causa do preço elevado.

Até aqui não houve qualquer referência à questão de onde surgem os fundos para fazer estes pagamentos. E é claro que essa questão terá que ser colocada, mas apenas depois de estabelecido o mecanismo de determinação do preço, pois este não pode ser pensado em termos de quanto é o orçamento permite. Há duas razões para isso: por um lado, esgotar o orçamento se houver folga não é propriamente boa ideia. Por outro lado, se perante preços que reflictam o custo “adequado” se excede o orçamento, então deverá reduzir-se a despesa noutro qualquer ponto do Serviço Nacional de Saúde (ou eventualmente mesmo fora do Serviço Nacional de Saúde, olhando para toda a esfera pública). E nesse caso, a lógica de custo – efectividade volta a ser útil numa comparação entre utilizações alternativas de fundos disponíveis.

Estabelecido este ponto, há, num ponto de vista global, o aspecto de incentivo ao desenvolvimento da inovação, quanto se deve pagar por essa inovação, quando, e qual o aproveitamento de investimento público em conhecimento que é apropriado depois de forma privada por parte da indústria, num conjunto de problemas que não é apenas específico da indústria farmacêutica, mas sendo neste especialmente sentido.

Ficou um texto longo, talvez demasiado longo, mas o problema não é simples, e soluções aparentemente simples e apelativas na sua formulação podem ter consequências inesperadas e não desejadas.

 

 


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António Ferreira: Reforma do sistema de saúde (3)

E por fim, na leitura do livro, ficam as propostas de reforma do sistema, no que António Ferreira chama de reforma do modelo assistencial:

  • extinção da ADSE – bom, de alguma forma já foi feito, com o aumento das contribuições de tal forma que as receitas da ADSE são já contribuintes líquidas do orçamento do estado;
  • financiamento – há algum saltar de financiamento no sentido de obter fundos da sociedade e financiamento da instituições – a passagem para capitação, e para cuidados de saúde primários como compradores de serviços, é pelo menos algo que deverá ser testado – por exemplo, começando com as urgências, para ver que comportamentos se alteram; e conhecer mais da realidade das ULS. Note-se que a capitação favorece ainda mais a selecção de casos, ou melhor a exportação dos piores casos. receber por capitação significa suportar riscos, qual a solução? encerrar mesmo? mas depois como se processa abertura? questões de economias de escala e comparações para determinação de preços?
  • abertura ao sector privado – o que significa exactamente e onde? (pior que um monopólio público é um monopólio privado com direito de saque sobre o orçamento público)
  • redefinição das políticas de recursos humanos – carreiras, sim, mas pensar de uma forma mais estruturada toda a política, incluindo a localização, para evitar desertos médicos – por exemplo, pontos como condição necessária mas não suficiente em que diferentes localizações se traduzem em diferentes pontuações?
  • medicamento – ter avaliação económica, mas depois ter mecanismos descentralizados de aquisição – qual o grau de fragmentação óptimo? como é que as negociações e concursos são afectados? Formulário fechado seguido de negociação.
  • dispositivos e MCDTs – devem ser tratados essencialmente da mesma forma que o medicamento – avaliação económica, regras claras e deixar depois funcionar os prestadores privados (note-se que esta é a característica comum das três áreas). Obrigatoriedade de ter reprocessamento e reutilização de dispositivos de uso único, também por motivos ecológicos.
  • Reforma do modelo de gestão – autonomia e responsabilização, gostava de ver mais claros quais os paus e quais as cenouras a usar, com que consequências

 

É uma proposta, ou conjunto de propostas, que actua sobretudo do lado da oferta. Falta trabalhar todo o lado da procura, que a prazo será o que determina as necessidades que a oferta terá de satisfazer. Aspectos cruciais:

  • papel do doente e como lidar com a heterogeneidade das suas preferências
  • como tornar o sistema de saúde (ou só o SNS) mais amigável do cidadão numa fase mais precoce das decisões sobre cuidados de saúde e prevenção e tratamento? (por exemplo, papel da linha saúde 24?)
  • até porque mudando a forma de ver do cidadão se muda a pressão política por via dos votos – enquanto abrir equipamentos der votos teremos uma situação diferente de ter uma população a valorizar a sua saúde e não a resposta à doença
  • que processo de escolha colectiva para lidar com alguns dos desafios (por exemplo, o encarniçamento terapêutico mencionado)

Ainda do lado da oferta, outras temas que me parece lícito discutir:

  • como assegurar orçamentos estáveis às unidades do SNS?
  • importância da produção de evidência permanente?
  • que motor para uma procura permanente da eficiência e da sustentabilidade?
  • que mecanismos de abertura e encerramento de unidades?
  • qual o papel das ARS?
  • como assegurar o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários? USF B terão a dimensão para comprar serviços de forma adequada?
  • que opções para toda a cadeia do medicamento?
  • Sobre as PPP, bom ou mau modelo?
  • como reproduzir as boas lideranças?
  • que visão sobre o papel dos benefícios fiscais e estrutura tributaria?
  • que papel para os mecanismos de pay-for-performance, partilha de risco, etc.?