Momentos económicos… e não só

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Entrevista do Ministro da Saúde – um comentário

No fim de semana que passou, houve uma primeira grande entrevista do Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. Como é natural, além de responder às perguntas, há mensagens que procura passar. O tom geral é de prudente firmeza nas ideias. Há uma continuidade em várias matérias (tal como em muitos aspectos os governos anteriores continuaram medidas dos seus antecessores, no campo da saúde há uma maior continuidade de visão e de políticas do que noutras áreas da governação).

O que retirei do que foi afirmado, juntando algumas das afirmações (e comentário quando houver algo a comentar):

  • desmaterialização de processos e receita sem papel
  • centralização das compras e negociação com fornecedores
  • luta contra a fraude
  • reforço da quota de mercado dos genéricos – o comentário aqui é que não é só a quota que conta, se um medicamento original tiver preço similar ao dos genéricos deve contar como genérico (pseudo-genérico, numa proposta de terminologia) para efeitos de impacto sobre o mercado; num inquérito realizado em 2015, um número substancial de pessoas já pedia substituição por genérico na farmácia – acima de 40% nos grupos sócio-económicos mais elevado e mais baixos, sendo menor esse pedido para quem se encontrava no meio da classificação sócio-económica
  • tornar as farmácias menos dependentes dos preços dos medicamentos para ter margem – embora seja certo que os tempos de grandes lucros nas farmácias não retornarão, é correcto procurar este caminho para que não se perca a rede de farmácias (sabendo que inevitavelmente a dinâmica normal leva a que umas fechem e outras abram em substituição; a preocupação deve ser com a rede em geral)
  • Dividas dos hospitais do SNS – parte será uma questão de dotação orçamental, mas parte é uma questão de gestão; não há uma resposta clara, veremos o que se conseguirá fazer.
  • Reforço dos cuidados de saúde primários e linha saúde24 – é consensual que as urgências, nomeadamente as hospitalares, não deverão ser o primeiro ponto de contacto do cidadão com o Serviço Nacional de Saúde. É continuar um movimento que já se notou entre 2013 e 2015 de maior recurso dos cidadãos a situações de consultas programadas. O papel da linha saúde24 tem sido menor do que devia.
  • Redes de referenciação e competição pela qualidade – a qualidade da intervenção pode exigir prática em muitos casos que só se consegue com concentração de actividade (sobretudo nas situações mais raras), mas mais qualidade vai ser também argumento para maior pagamento (e logo maior despesa), será uma tensão a ter em conta certamente.
  • Liberdade de escolha de hospitais – o exercício de liberdade de escolha é mais delicado do que possa parecer em termos de equilíbrio do sistema. O ponto de vista do doente é o mais fácil. Mais complicado será gerir o que sucede se houver um desvio de procura muito significativo de uns hospitais para outros – os que perdem procura, perdem orçamento? os que ganham procura, ganham o orçamento dos que perdem procura? É dito que haverá liberdade de escolha, mas não como se organizam os fluxos financeiros associados (“money follow the patient?”) E se houver excesso de procura num hospital, como são geridos os diversos pedidos?
  • A equidade trata-se na contribuição não no momento de necessidade – de acordo.
  • Relação público – privado – é expresso o receio da relação “predadora do SNS” por parte do sector privado. Aqui creio que será relevante ter em conta que parte do crescimento do sector privado organizado em grupos com hospitais de grande dimensão se deveu também (e em grande medida?) à redução da actividade privada de pequeno consultório privado. Pelo menos, em termos agregados, esse reajuste dentro da esfera privada pareceu estar bastante presente.
  • Parcerias público – privadas – à espera da avaliação da Entidade Reguladora da Saúde. Vale a pena notar aqui que o modelo de parcerias adoptado em Portugal não gerou os problemas que foram encontrados noutros países (incluindo Inglaterra).
  • Papel dos cuidados informais – a concretizar-se as intenções será uma mudança importante no Serviço Nacional de Saúde, no caminho de uma nova visão, que irá ser sobretudo desafiadora no campo de organização (mais do que no campo financeiro).
  • Prevenção e estilos de vida saudável – na linha do ponto anterior, será uma mudança relevante, em termos de filosofia, e na linha do que era proposto no Relatório Gulbenkian liderado por Nigel Crisp.
  • ADSE – não me pronuncio (fica lá para o Verão).

Globalmente, sem anúncios dramáticos, com uma visão (adequada) de evolução em algumas áreas. Dos problemas complicados, como os recursos humanos, a referência à necessidade de reforço de equipas quando os horários voltarem às 35horas, o que também significará, subentende-se, reforço orçamental. A exigência sobre capacidade de entendimento das oscilações de orçamentos para o Serviço Nacional de Saúde daqui a uns anos quando se olhar para esta década vai ser grande.

 

 

Declaração de interesses: Nomeado para a comissão que olha para a situação da ADSE a pedido do atual Ministro da Saúde.


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Gastos na saúde, desperdício e fraude

Numa recente notícia, aqui, são atribuídos 800 milhões de euros/ano a despesa em saúde desnecessária, por desperdício e fraude. Lendo a noticia percebe-se que houve uma referência a 10% como valor genérico e depois a extrapolação do valor absoluto com base no valor global de transferência do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde.

A preocupação com a fraude foi iniciada de uma forma mais acentuada a partir de 2011, enquanto a discussão sobre o desperdício vem de mais longe. Em qualquer caso, convém desde logo distinguir as duas situações, fraude e desperdício.

No caso da fraude, há um comportamento deliberado de prejudicar o “outro lado” (o Serviço Nacional de Saúde, que paga), e como tal há uma dimensão legal importante, sendo necessário detectar a situação de fraude, corrigir e coligir os elementos que permitam uma intervenção legal apropriada.

No caso do desperdício, é menos simples. Pode surgir apenas de forma involuntária, resultado de más decisões de organização e gestão, sem haver necessariamente uma intenção de prejudicar. E as situações de ineficiência não se limitam à noção de desperdício. O tipo de intervenção para “combater o desperdício” (frase habitual nestas circunstâncias) deve tocar também nos restantes aspectos de ineficiência.

A relevância da distinção não é semântica. Obriga a pensar no tipo de intervenção. Uma tradução simples de desperdício será ter situações em que com menos recursos usados se conseguem obter os mesmos resultados. E os recursos então poupados podem ser utilizados para conseguir melhores resultados, ou serem usados noutras áreas de intervenção. Mas esta é apenas uma noção de eficiência. Na realidade podem existir, para se alcançar o mesmo objectivo assistencial, várias formas de combinar recursos, várias maneiras de organizar o que seja preciso fazer. Para reduzir (eliminar totalmente será bem mais difícil) o desperdício, basta analisar os recursos e os processos usados.

Havendo diversas alternativas de organização que tenham a característica de não terem desperdício, há que proceder a uma escolha entre elas. E para fazer essa escolha entra necessariamente em campo a ideia de custos – para obter um certo resultado assistencial, deve-se procurar a que tem menor custo. Este princípio é mais forte do que apenas “combater o desperdício”, pois eliminar ou reduzir o desperdício reduz custos, mas não leva necessariamente à situação de menor custo possível para o objectivo pretendido. A dificuldade de passar a este segundo plano tem levado à apresentação e divulgação de conceitos como “value for money”, “value-added healthcare” (à la Porter e amigos), ou “custo-efectividade” (numa aplicação mais ampla do que apenas no campo da avaliação económica de medicamentos).

E há depois ainda um terceiro plano. Se o “combate ao desperdício” e o escolher a opção de menores custos para alcançar objectivos são dois passos de melhorar a despesa do Serviço Nacional de Saúde, o plano seguinte é saber quais os objectivos assistenciais que se tem. E tendo formas mais eficientes de prestar cuidados poderá ser bom fazer-se mais, mesmo que no final a despesa acabe por subir. Ou seja, ganhar eficiência pode resultar em ter mais despesas, apenas porque vale a pena fazer mais (no sentido em que o benefício gerado, digamos medido em ganhos em saúde, compensa o custo associado, que agora será menor por unidade de ganho em saúde).

Estes diferentes planos acabam por estar presentes nos diferentes anúncios que têm sido feitos sobre as intervenções que a actual equipa do Ministério da Saúde pretende fazer. E a avaliação do que forem os resultados dessas intervenções terá de o ter em conta. Desde o início se deve ter em conta que a despesa em saúde não poderá ser a única métrica de avaliação, sendo necessário desde já definir o que será ou não sucesso, como pode ser medido e montar desde o início da intervenção os mecanismos de recolha de informação que serão necessários para saber no final.

Vejamos com um exemplo, o dos cuidados de saúde primários – se conseguirem mais eficiência, menor desperdício, etc., o resultado de sucesso poderá ser, desejavelmente, cada residente em Portugal ter médico de família atribuído. O que poderá no final significar mais despesas em saúde nos cuidados de saúde primários. E até maior despesa total em saúde. Ou menor despesa total em saúde, por compensação de menor despesa em saúde noutras áreas do Serviço Nacional de Saúde (por exemplo, evitando o recurso aos serviços de urgência hospitalar).

Não creio que se venham a conseguir reduzir em 800 milhões de euros a despesa do Serviço Nacional de Saúde, nem creio que o Ministério da Saúde se tenha colocado perante esse objectivo em termos de despesa. Mas o “combate ao desperdício” e à fraude deve ser enquadrado num objectivo mais genérico de eficiência, obrigando a que a sua avaliação venha a ser feita em termos de benefícios gerados e de custos tidos, olhando para nível de actividade assistencial, custos gerados e utilização desnecessária de recursos.


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 22 – Fevereiro 2016)

Para subtítulo do observatório mensal da dívida dos hospitais deste mês, hesitei entre “Ano Novo, Vida Nova”, ou “Uma herança renovada”. O motivo está em que o valor de Janeiro de 2016 para a dívida dos hospitais EPE, tal como publicado na execução orçamental (disponível publicamente como usual no site da Direcção-Geral do Orçamento) apresenta uma subida face ao mês anterior, e mais importante segue uma tendência de subida desde Setembro/Outubro de 2015. O final do ano, com regularizações várias e descontos de preços, acaba por fazer baixar a dívida mas de uma forma temporária.

Olhando para o gráfico contendo os valores da dívida, constata-se que os sinais de uma inversão de tendência podem já ser encontrados no final do Verão, possivelmente numa antecipação de menor pressão sobre o controle da despesa hospitalar com o aproximar das eleições (que tiveram lugar no início de Outubro de 2015). Desde Outubro até Janeiro, o crescimento médio das dívidas hospitalares foi de 18 milhões de euros/mês (se colocarmos o início da inversão de tendência de descida em Setembro, o aumento médio mensal é de cerca de 15 milhões de euros/mês).

A ser confirmada esta situação, significa que o alívio da pressão política para controle da despesa se faz sentir de forma quase imediata num aumento desta, mesmo que temporariamente ocultada pelos efeitos de fim de ano. Significa também que a menos que essa pressão política seja internamente resposta no Ministério da Saúde, a proposta de Orçamento do Estado terá que vir a lidar com esta pressão (inesperada?).

Os valores agregados da DGO não permitem saber se este aumento está concentrado num conjunto pequeno de hospitais, ou se é generalizado, mas claramente deverá ter lugar uma intervenção de gestão entender este efeito.

O gráfico seguinte apresenta os valores observados e com tendências admitindo que a tendência desde Janeiro de 2015 se mantém. Torna-se claro que Janeiro de 2016 está acima dessa linha de tendência (o que daria lugar ao subtítulo “Ano Novo, Vida Nova”, com mais dívida). O segundo gráfico coloca o início da nova tendência em Outubro de 2015, e daí se observa como tem sido crescente, descontando o mês de Dezembro de 2015, logo “uma herança renovada”.

E os tempos voltam a ter novidades no seguimento da dívida dos hospitais EPE.

graf1

Sem considerar inversão de tendência desde Fevereiro de 2015

 

graf2

Com inversão de tendência a partir de Outubro de 2015


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Duas resoluções

da Assembleia da República:

“Resolução da Assembleia da República n.º 28/2016

Recomenda ao Governo a identificação das consequências dos cortes orçamentais no Serviço Nacional de Saúde

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que proceda à identificação, em todas as áreas, das consequências das políticas de desinvestimento público e de sucessivos cortes orçamentais, no financiamento e no investimento público, no funcionamento dos estabelecimentos públicos de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde, nos profissionais de saúde e na prestação de cuidados de saúde aos utentes.

Aprovada em 29 de janeiro de 2016.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.”

 

“Resolução da Assembleia da República n.º 29/2016

Levantamento de necessidades no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e intervenção urgente em serviços com falhas graves ou em situação de potencial rutura

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:

1 — Proceda ao levantamento de todas as necessidades existentes no SNS, em particular nos hospitais e serviços onde existam falhas na capacidade de resposta ou onde se esteja a operar no limite da capacidade.

2 — Atue de imediato sobre essas falhas — com prioridade para aquelas que impossibilitam respostas em casos urgentes, permitindo o reforço de equipas e criando condições para a fixação dos profissionais no SNS.

Aprovada em 29 de janeiro de 2016.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.”

Estas duas recomendações são interessantes se expurgadas do jargão própria da luta política que está claramente envolvido. Sendo muito genéricas permitem respostas muito amplas também. Mas não deixará de ser útil saber as consequências, boas e más, da despesa pública realizada (claro que não terá sido dessa forma que os proponentes destas recomendações pensaram). Há vários exemplos de aspectos que deveriam ser focados em qualquer relatório que queira dar resposta a estas duas recomendações que devem ser vistas em conjunto. Por exemplo, foi todo o investimento realizado nos últimos 10 ou 15 anos em equipamentos de saúde útil? qual a taxa de retorno social do movimento assistencial à população que daí resultou? Este aspecto torna-se relevante quando se volta a falar na construção de novos hospitais. Outro exemplo é conhecer o que sucedeu à manutenção e operacionalidade de equipamentos que existam, o que resulta da sua falta de operacionalidade em termos de saúde de população. E há que evitar uma armadilha – se houvesse mais recursos ter-se-ia feito mais? claro, mas isso é sempre verdade. Logo, as perguntas interessantes não são as que questionam se com mais dinheiro, mais fundos, mais profissionais, mais equipamentos se teria podido fazer mais.

Alguns dos efeitos são triviais de adivinhar. Os cortes nos salários não deixaram os profissionais de saúde mais satisfeitos. Mas menos óbvio será saber se a necessidade de gastar menos em pessoal levou a reorganizações do trabalho dos profissionais de saúde que permitiram atingir os mesmos objetivos assistenciais com menores custos.

Por outro lado cortes nos preços dos medicamentos podem permitir maior consumo com menor despesa. O que significa que o SNS e os cidadãos gastam menos para mais resultados, e a fileira farmacêutica recebe menos.

Note-se que sempre que se gasta menos por redução de preços ou custos, para um mesmo movimento assistencial, se tem algum prestador que recebe menos, mesmo que os cidadãos recebam os mesmos cuidados de saúde. Estas recomendações não podem servir apenas para dar voz a quem recebeu menos por se ter gasto menos em despesas públicas com saúde.

Numa interpretação possível, estas recomendações deveriam levar à identificação das situações de “value for money” no sistema de saúde português, e no Serviço Nacional de Saúde. Ter esse conhecimento permitiria dizer que cortes orçamentais, e em que medida, tiveram efeitos negativos sobre a capacidade de assistência à população, e qual o espaço que agora existe para que com os mesmos recursos o Governo possa fazer diferente (creio que tem sido esta a ideia transmitida pelo Ministério da Saúde, ver aqui). Aguardemos então se o trabalho de resposta a estas recomendações vai ser de teor técnico ou de retórica de combate político.


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (11 e 12)

Tempo de olhar para os dois últimos trabalhos da reforma hospitalar. Como penúltimo na lista dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” surge “Promover uma utilização racional dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica”. Este é um trabalho que surge com recorrência nas várias propostas de reforma hospitalar ao longo dos anos, e que na verdade está mais na mão do que cada hospital fizer do que na criação de quadros normativos. O primeiro passo poderá ser mesmo um “mapa” das variações de utilização de meios de complementar de diagnóstico e terapêutica, para se perceber em que áreas há maior variação, e que diferenças existem. E note-se que tanto pode haver sub como sobre utilização.

Por fim, o último na lista dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” é “Analisar a estratégia de contratualização e financiamento hospitalar, propondo alterações que promovam uma orientação eficiente dos recursos às necessidades.” Neste campo abre-se a possibilidade de pensar de uma forma diferente o financiamento hospitalar, sendo três elementos especialmente importantes: a) as instituições terem um plano estratégico plurianual; b) o respectivo orçamento ter uma natureza plurianual coincidente com o seu plano estratégico; c) serem definidas de forma apropriada a que necessidades deve acorrer cada hospital. Estes elementos são o ponto de partida, e devem estar definidos antes do período correspondente se iniciar (isto é, em 2016 “fechar” as regras para 2017 – 2019).

No ponto de chegada, será necessário avaliar em que medida os resultados obtidos correspondem a uma utilização eficiente dos recursos, o que significa conseguir distinguir o que são resultados consequência da acção da gestão e o que são resultados decorrentes de factores aleatórios e fortuitos (que no campo da saúde é natural que existam). Por fim, para o exercício de contratualização fazer sentido, é necessário que haja recompensas e penalizações de acordo com o desempenho obtido por cada hospital.

Não serão aspectos fáceis de definir adequadamente, nem é certo que possam ser feitos de igual modo em todos os hospitais – basta pensar que há hospitais inseridos em Unidades Locais de Saúde pagas por capitação (ajustada), o que desde logo significa uma situação diferente de hospitais que não são parte de qualquer ULS. Até mesmo aspectos simples como pagar um preço igual por um mesmo serviço em todo o país pode não ser adequado, apesar do apelo intuitivo que tal possa ter – se houver economias de escala, e se for exigido que o serviço seja prestado sempre que solicitado, então hospitais em zonas com menos casos terão custos médios superiores, e uma regra que faça preço igual a custo médio do serviço (ou similar) implica preços diferentes (ou então que um hospital esteja sobrefinanciado se o preço for elevado para cobrir o custo médio do que tenha menor actividade, ou que esteja subfinanciado, se o preço for aferido pelo custo médio mais baixo, que o é apenas por motivos de escala). Aqui a discussão entra num campo mais técnico, e não é possível explorar completamente neste texto, mas fica a nota de nem sempre o que parece ser a solução fácil e intuitiva ser a mais apropriada tecnicamente.

Nota final: já depois de ter escrito este post, tomei conhecimento de que afinal não serão os 12 trabalhos de António Ferreira, que sai depois de 2 meses de trabalho (notícia aqui)


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (10)

Em décimo lugar nos “12 trabalhos da reforma hospitalar” encontra-se “Desenhar políticas de medicamentos e dispositivos médicos eficazes, que consigam acomodar a inovação com o controlo da despesa;”.

Este “trabalho” tem um aspecto de curto prazo, acomodar a inovação no imediato, sendo que essa inovação quer ter um preço elevado. Tem também um aspecto de longo prazo, saber se os mecanismos utilizados para determinar os preços da inovação têm sido os adequados.

Neste campo, tenho actualmente uma apreciação que é negativa para os mecanismos que internacionalmente têm sido utilizados, ou melhor para uma utilização errada de mecanismos que foram criados para um fim e estão a ser utilizados para outro fim, por falta de visão das entidades reguladoras e pagadoras de medicamentos e dispositivos médicos.

Em particular, é necessário encontrar mecanismos de determinação de preços que sejam independentes da avaliação do valor social gerado, e que façam a divisão desse valor gerado, em lugar de se aceitar acriticamente que o preço de qualquer inovação é o preço mais elevado que a sociedade esteja disposta a pagar. Será nessa tensão entre contribuir para a remuneração da inovação e preços que se aproximem dos custos de oportunidade de produção (entendidos de forma lata, de modo a incluírem todos os custos relevantes) que se jogará o “acomodar a inovação com controlo da despesa”. Deve-se procurar seguir aqui os mesmos princípios que estão presentes quer no mercados em concorrência quer nos mercados regulados em diferentes áreas.

Não será um processo fácil, mas é desejável que seja pensado em todos os incentivos que cria (e no caso de Portugal será mais relevante o incentivo para a comercialização do medicamento no país do que o incentivo à inovação – não creio que haja qualquer inovação em medicamentos e/ou dispositivos médicos que seja desenvolvida tendo como referência o retorno obtido no mercado português), nos vários intervenientes (quem desenvolve e comercializa os novos produtos, quem paga, quem decide os consumos, quem beneficia da utilização destes produtos, quem aprecia e avalia as vantagens desses novos produtos).

Mas este trabalho extravasa em grande medida o campo da reforma hospitalar, por isso não é claro qual é mandato neste âmbito mais preciso. Retomando só o âmbito da reforma hospitalar e da despesa com medicamentos realizada nos hospitais, juntar inovação com controlo da despesa significa uma de três coisas forçosamente: reduzir o preço, reduzir a quantidade ou reduzir outra despesa para acomodar mais despesa vinda do campo de novos medicamentos e/ou novos dispositivos. Não é claro qual o caminho que virá a ser escolhido, nem qual é o melhor caminho.

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (9)

O trabalho 9 dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” é “Desenvolver um plano para o acompanhamento dos doentes crónicos em articulação com os restantes níveis de cuidados”. Este é um objectivo importante, e implica transformações mais profundas do que possa parecer à primeira vista. Como primeiro passo será relevante conhecer qual a visão que preside ao plano que seja apresentado. E utilizo o termo “visão” para ligar ao que está apresentado no relatório Gulbenkian, que tem precisamente o titulo de “Uma visão para o futuro”. Em lugar de ser mais um plano que se traduz em dizer que os diferentes níveis de cuidados se têm que articular, é necessário pensar mais longe, e antever como se pretende que seja a vida dos doentes crónicos no futuro, e partir dessa “visão” para o que sistema de saúde, e o Serviço Nacional de Saúde como sua parte central, deve ter como organização e prestação de serviços. Dessa “visão” apresentada no Relatório Gulbenkian, um aspecto central é o papel dos cidadãos com condições crónicas no acompanhamento e gestão da sua doença, sendo papel dos serviços de saúde ajudar a construir e a apoiar esse papel. Não é um papel de responsabilidade financeira e sim um papel de melhor ajustamento do sistema de saúde às necessidades e às preferências de cada pessoa.

Desenvolver um plano obriga a ter uma visão clara do que se pretende alcançar, e que instrumentos se podem usar. Em termos de acompanhamento e articulação, há instrumentos organizacionais, instrumentos normativos e instrumentos financeiros. Quais vão ser considerados, como vão ser usados e em que intensidade, são três questões essenciais a ser analisadas quando o plano for disponibilizado, em comparação com a visão que seja estabelecida para orientar o plano.


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hoje, na visão online,

uma entrevista rápida sobre os desafios no campo da saúde (original aqui), que reproduzo (obrigado à Ana Margarida Carvalho pelas perguntas :D):

Screen Shot 2016-02-02 at 23.15.16Para o professor Pedro Pita Barros, as medidas anunciadas pelo novo Ministério da Saúde que mais suscitam o agrado mediático são também «as mais voláteis». A manutenção da Maternidade Alfredo da Costa provoca o aplauso da comunidade, mas não é, segundo o professor, a melhor solução a longo prazo. E a permanência de equipas de urgência que evitem os aneurismas não impedirá, avisa, o «evento adverso».

O anúncio de que quatro grandes centros hospitalares da Área Metropolitana de Lisboa irão passar a assegurar, ao fim de semana, as urgências de aneurismas e AVC através de escalas rotativas repõe os níveis de confiança dos utentes nos hospitais públicos?

Há uma diferença entre erro e evento adverso. Nunca será possível em medicina ter 100% de certezas e segurança, e mesmo com equipas em vigilância podem surgir situações extremas. Por exemplo, se houver uma equipa disponível mas surgirem dois casos, como resolver? Por outro lado, em média, há tempos de espera clinicamente aceitáveis para muitas intervenções, mas sempre que se espera pode acontecer algo. Estatisticamente irá sempre acontecer o acidental, nalgum momento.

E como comenta a decisão de o ministro Adalberto Campos Fernandes de não avançar com o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa?

No caso da MAC, estando inserida no centro hospitalar de Lisboa central, e como se planeia construir um novo hospital, associado à circunstância da redução do número de partos na zona de Lisboa, a prazo, o que provavelmente fará sentido é ter uma maternidade moderna no novo hospital. E as equipas atuais da MAC terão toda a vantagem em irem para lá. Logo, não acredito que, a 10 anos, a melhor solução seja manter a MAC como está hoje

Numa perspetiva de política de saúde, já é possível fazer-se uma primeira avaliação das medidas do novo ministério?

O início de novos ciclos políticos leva sempre a uma apreciação dos desafios que se colocam a quem entra. No caso do Ministério da Saúde do XXI Governo, o programa eleitoral foi praticamente todo transportado para o programa do Governo, com ligeiras modificações. E no essencial o programa eleitoral tinha já um perfil relativamente completo. Em termos programáticos, o programa do Governo no campo da saúde segue uma linha geral de desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde, que, com maior ou menor retórica sobre políticas passadas, surge numa continuidade de décadas.

Mas quais os grandes desafios que este novo ministro vai enfrentar?

Desde os anos 2002 a 2005 há três desafios permanentes para o Ministério da Saúde, cuja evolução tem sido mais lenta do que o desejável. E esses desafios são reconhecidos e assumidos pela atual equipa do Ministério da Saúde: finalizar a reforma dos cuidados de saúde primários, com o aumento das unidades de saúde familiar (e simbolizada no objetivo de ter todos os residentes seguidos por um médico de família), finalizar a criação de uma rede dos cuidados continuados, e terminar a reforma hospitalar, iniciada com os hospitais SA, hoje EPE (Entidade Pública Empresarial).

Isso significa abrir mais hospitais?

Não, isso deverá significar muito mais do que apenas abrir ou fechar hospitais: deverão ser criados mecanismos automáticos de melhoria permanente. Não há aqui novidade conceptual, mas terá que haver a arte de encontrar as soluções e os meios necessários para a sua concretização.

Qual o problema mais constante, e ao longo dos vários governos, no nosso Sistema Nacional de Saúde?

Um problema permanente, em muitos lados e também em Portugal, é a existência de áreas menos atrativas para os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, etc). A aposta em mecanismos de mobilidade terá muito provavelmente de ir além de meros complementos salariais, e valerá a pena pensar em ideias diferentes.

Mas se os aumentos salariais não forem incentivos…

Neste ponto, um dos desafios para os novos responsáveis do Ministério da Saúde é conseguir precisamente encontrar modos inovadores de procurar levar profissionais de saúde para áreas geográficas mais desprotegidas. Criatividade na diversidade, dado que o local poderá exigir atuações diferentes, terá de ser parte da solução.

Por várias vezes o Partido Socialista disse que o Sistema Nacional de Saúde estava subfinanciado. Onde se vai buscar o dinheiro?

É um aspeto que a meu ver merece atenção especial, e sobre o qual ainda pouco foi dito. Como se assegurará o equilíbrio financeiro nas diferentes unidades que formam a prestação de cuidados de saúde do SNS? As reposições de cortes salariais vão exigir reforço de verbas, e é verdade que o PS frequentemente argumentou que o SNS estava subfinanciado. Com o novo Governo é de esperar que as organizações de profissionais de saúde venham reclamar novas condições remuneratórias. Quem teve reduções de preços nos bens e serviços de saúde que vende ao SNS durante os últimos anos também procurará algum alívio. Por outro lado, a criação de dívidas em atraso no SNS tem vindo a diminuir desde há praticamente um ano, o que é essencial para uma boa gestão. O equilíbrio na componente orçamental é, por isso, um elemento a seguir com atenção, e quais os mecanismos irão ser utilizados pelo Governo para assegurar esse equilíbrio.


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (8)

O ponto seguinte dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” é “Reforçar a ambulatorização dos cuidados a todos os níveis, nomeadamente pelo aumento da cirurgia de ambulatório”. Neste ponto há essencialmente o retomar de uma política e trajectória anteriores. O valor da taxa de ambulatório é já relativamente elevado em muitos hospitais, e margem de progressão vai sendo menor à medida que se atingem valores elevados.

 

O capítulo 8 do volume “Políticas Públicas em Saúde 2011-2014: avaliação do impacto” apresenta uma visão do que sucedeu nos últimos anos, e basicamente aqui não será preciso grande esforço para se manter a tendência prévia. Resta saber que objectivos serão estabelecido e que instrumentos serão considerados. Até porque da experiência recente, não há uma identificação clara de quais são os instrumentos que são eficazes e dentro destes quais são os eficientes, dado que o que funciona num hospital não é o que funciona noutro hospital. As soluções terão que ser encontradas caso a caso, ou descoberta a regularidade que faz um instrumento funcionar.


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 21 – Janeiro 2016)

Tendo sido divulgada a execução orçamental referente a Dezembro de 2015, é tempo de actualizar o observatório mensal da dívida dos hospitais EPE. Os valores divulgados agora mantêm no essencial a tendência passada recente. Se em novembro de 2015 ocorreu uma ligeira subida na dívida, essa valor desceu em dezembro face a novembro. Dado que há acertos de fim de ano, nomeadamente descontos de preços, não é surpreendente que tenha ocorrido esta ligeira descida. As figuras usuais ilustram a manutenção da tendência de descida, que em ritmo médio tem sido de 11 milhões de euros por mês desde há praticamente um ano, mesmo se houve algumas oscilações intra-anuais. Esta evolução de descida é corroborada pelos valores coligidos pela APIFARMA (no respectivo site ainda não constava no dia 26.01.2016 a actualização referente a Dezembro de 2015).

Esperemos que os próximos meses confirmem a manutenção da tendência do último ano, uma vez que a reposição de salários poderá levar a alguma perturbação nas contas dos hospitais EPE com o risco de aumento das dívidas em atraso a terceiros.

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