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10 anos do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental – parabéns!, e algumas ideias sobre Centros de Responsabilidade Integrada

Decorreu ontem a sessão pública comemorativa dos 10 anos do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental  – CHLO (informação aqui), com uma sessão sobre centros de responsabilidade integrada. Nessa sessão foi apresentada uma proposta de criação de um centro de responsabilidade integrada (CRI), com um trabalho prévio profundo em termos do que possa vir a ser um CRI do CHLO.

Num sentido mais geral, creio ser merecedor de discussão a ideia de CRI.

A primeira observação é que os CRI inserem-se numa perspectiva mais geral de procura de mecanismos de credibilidade para uma gestão mais descentralizada dentro de organizações complexas como são os grandes hospitais. É por isso um instrumento à disposição das instituições, não um fim em si mesmo.

Um aspecto central será então qual a relação que se estabelece entre o CRI e o resto da organização (hospital, neste caso). Parte dos factores de sucesso de um CRI está também no que se passa fora do CRI mas dentro da organização – qual o grau de compromisso do resto da organização com o sucesso do CRI? – é uma questão para a qual é preciso ter resposta.

Normalmente associado ao CRI estão as ideias de aumentar a eficiência e as ideias de utilização de sistemas de incentivos como parte dos instrumentos disponíveis. Ora, alcançar maior eficiência depende dos detalhes que sejam instituídos para o funcionamento do CRI (não é automático que apenas a criação jurídica do CRI traga mais eficiência). E sistemas de incentivos não são sinónimo de aumento salarial automático e sem condições. Compreender bem o papel dos novos instrumentos é crucial, para todos os agentes económicos envolvidos – organização em que se insere o CRI, o CRI e os profissionais de saúde. Em particular, é importante que as regras definidas sejam claras e estáveis (a estabilidade de regras é um dos principais problemas da gestão pública em Portugal em geral, pois há sempre a possibilidade de aparecer uma nova lei ou regra que altera compromissos anteriores, sem ter sido pensada em toda a extensão das suas implicações).

Nesse sentido, é também relevante em cada momento ter uma clara noção do que é o cruzamento entre instrumentos e objectivos. Por exemplo, se um dos objectivos do CRI for ter uma melhor articulação com outros serviços ou outras instituições então o sistema de incentivos deve ter sensibilidade a esse factor; se outro objectivo do CRI for ter mais eficiência, então o sistema de incentivos não deve premiar apenas fazer mais actos (fazer mais não é sinónimo de maior eficiência), e por aí fora.

Deve-se ter também consciência que ter CRI é mais perto do “trabalho de alfaiate”, com fato à medida de cada situação, e não de “pronto-a-vestir” (igual solução para todos, mesmo dentro de uma só organização).

Note-se que vários dos instrumentos  não são exclusivos de se ter CRI, pelo que não é forçoso que a criação de CRI crie duas (ou mais) “velocidades” de funcionamento dentro da mesma organização. Aliás, é bom que se saiba a resposta à pergunta de porque é que o CRI irá aumentar a eficiência de forma mais simples (e com menos custos) do que outras intervenções alternativas. Uma das razões para que tal possa suceder é o CRI levar a maior capacidade de decisão usando informação “local” (embora seja sempre de perguntar porque não pode ser usada essa mesma informação de forma centralizada) e a possibilidade de ter sistemas de incentivos ajustados a cada realidade, bem como usar  maior autonomia profissional como factor motivacional.

Assim, regras de criação dos CRI terão que ser suficiente gerais para que cada organização o possa fazer de forma adequada, sendo que o risco de regras únicas de criação é o de criar organizações (quase empresas mesmo) dentro de organizações, provavelmente a melhor forma de perder eficiência (em vez de a ganhar, se for esse o propósito inicial da criação do CRI).

 

 

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (11 e 12)

Tempo de olhar para os dois últimos trabalhos da reforma hospitalar. Como penúltimo na lista dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” surge “Promover uma utilização racional dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica”. Este é um trabalho que surge com recorrência nas várias propostas de reforma hospitalar ao longo dos anos, e que na verdade está mais na mão do que cada hospital fizer do que na criação de quadros normativos. O primeiro passo poderá ser mesmo um “mapa” das variações de utilização de meios de complementar de diagnóstico e terapêutica, para se perceber em que áreas há maior variação, e que diferenças existem. E note-se que tanto pode haver sub como sobre utilização.

Por fim, o último na lista dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” é “Analisar a estratégia de contratualização e financiamento hospitalar, propondo alterações que promovam uma orientação eficiente dos recursos às necessidades.” Neste campo abre-se a possibilidade de pensar de uma forma diferente o financiamento hospitalar, sendo três elementos especialmente importantes: a) as instituições terem um plano estratégico plurianual; b) o respectivo orçamento ter uma natureza plurianual coincidente com o seu plano estratégico; c) serem definidas de forma apropriada a que necessidades deve acorrer cada hospital. Estes elementos são o ponto de partida, e devem estar definidos antes do período correspondente se iniciar (isto é, em 2016 “fechar” as regras para 2017 – 2019).

No ponto de chegada, será necessário avaliar em que medida os resultados obtidos correspondem a uma utilização eficiente dos recursos, o que significa conseguir distinguir o que são resultados consequência da acção da gestão e o que são resultados decorrentes de factores aleatórios e fortuitos (que no campo da saúde é natural que existam). Por fim, para o exercício de contratualização fazer sentido, é necessário que haja recompensas e penalizações de acordo com o desempenho obtido por cada hospital.

Não serão aspectos fáceis de definir adequadamente, nem é certo que possam ser feitos de igual modo em todos os hospitais – basta pensar que há hospitais inseridos em Unidades Locais de Saúde pagas por capitação (ajustada), o que desde logo significa uma situação diferente de hospitais que não são parte de qualquer ULS. Até mesmo aspectos simples como pagar um preço igual por um mesmo serviço em todo o país pode não ser adequado, apesar do apelo intuitivo que tal possa ter – se houver economias de escala, e se for exigido que o serviço seja prestado sempre que solicitado, então hospitais em zonas com menos casos terão custos médios superiores, e uma regra que faça preço igual a custo médio do serviço (ou similar) implica preços diferentes (ou então que um hospital esteja sobrefinanciado se o preço for elevado para cobrir o custo médio do que tenha menor actividade, ou que esteja subfinanciado, se o preço for aferido pelo custo médio mais baixo, que o é apenas por motivos de escala). Aqui a discussão entra num campo mais técnico, e não é possível explorar completamente neste texto, mas fica a nota de nem sempre o que parece ser a solução fácil e intuitiva ser a mais apropriada tecnicamente.

Nota final: já depois de ter escrito este post, tomei conhecimento de que afinal não serão os 12 trabalhos de António Ferreira, que sai depois de 2 meses de trabalho (notícia aqui)


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (10)

Em décimo lugar nos “12 trabalhos da reforma hospitalar” encontra-se “Desenhar políticas de medicamentos e dispositivos médicos eficazes, que consigam acomodar a inovação com o controlo da despesa;”.

Este “trabalho” tem um aspecto de curto prazo, acomodar a inovação no imediato, sendo que essa inovação quer ter um preço elevado. Tem também um aspecto de longo prazo, saber se os mecanismos utilizados para determinar os preços da inovação têm sido os adequados.

Neste campo, tenho actualmente uma apreciação que é negativa para os mecanismos que internacionalmente têm sido utilizados, ou melhor para uma utilização errada de mecanismos que foram criados para um fim e estão a ser utilizados para outro fim, por falta de visão das entidades reguladoras e pagadoras de medicamentos e dispositivos médicos.

Em particular, é necessário encontrar mecanismos de determinação de preços que sejam independentes da avaliação do valor social gerado, e que façam a divisão desse valor gerado, em lugar de se aceitar acriticamente que o preço de qualquer inovação é o preço mais elevado que a sociedade esteja disposta a pagar. Será nessa tensão entre contribuir para a remuneração da inovação e preços que se aproximem dos custos de oportunidade de produção (entendidos de forma lata, de modo a incluírem todos os custos relevantes) que se jogará o “acomodar a inovação com controlo da despesa”. Deve-se procurar seguir aqui os mesmos princípios que estão presentes quer no mercados em concorrência quer nos mercados regulados em diferentes áreas.

Não será um processo fácil, mas é desejável que seja pensado em todos os incentivos que cria (e no caso de Portugal será mais relevante o incentivo para a comercialização do medicamento no país do que o incentivo à inovação – não creio que haja qualquer inovação em medicamentos e/ou dispositivos médicos que seja desenvolvida tendo como referência o retorno obtido no mercado português), nos vários intervenientes (quem desenvolve e comercializa os novos produtos, quem paga, quem decide os consumos, quem beneficia da utilização destes produtos, quem aprecia e avalia as vantagens desses novos produtos).

Mas este trabalho extravasa em grande medida o campo da reforma hospitalar, por isso não é claro qual é mandato neste âmbito mais preciso. Retomando só o âmbito da reforma hospitalar e da despesa com medicamentos realizada nos hospitais, juntar inovação com controlo da despesa significa uma de três coisas forçosamente: reduzir o preço, reduzir a quantidade ou reduzir outra despesa para acomodar mais despesa vinda do campo de novos medicamentos e/ou novos dispositivos. Não é claro qual o caminho que virá a ser escolhido, nem qual é o melhor caminho.

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (9)

O trabalho 9 dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” é “Desenvolver um plano para o acompanhamento dos doentes crónicos em articulação com os restantes níveis de cuidados”. Este é um objectivo importante, e implica transformações mais profundas do que possa parecer à primeira vista. Como primeiro passo será relevante conhecer qual a visão que preside ao plano que seja apresentado. E utilizo o termo “visão” para ligar ao que está apresentado no relatório Gulbenkian, que tem precisamente o titulo de “Uma visão para o futuro”. Em lugar de ser mais um plano que se traduz em dizer que os diferentes níveis de cuidados se têm que articular, é necessário pensar mais longe, e antever como se pretende que seja a vida dos doentes crónicos no futuro, e partir dessa “visão” para o que sistema de saúde, e o Serviço Nacional de Saúde como sua parte central, deve ter como organização e prestação de serviços. Dessa “visão” apresentada no Relatório Gulbenkian, um aspecto central é o papel dos cidadãos com condições crónicas no acompanhamento e gestão da sua doença, sendo papel dos serviços de saúde ajudar a construir e a apoiar esse papel. Não é um papel de responsabilidade financeira e sim um papel de melhor ajustamento do sistema de saúde às necessidades e às preferências de cada pessoa.

Desenvolver um plano obriga a ter uma visão clara do que se pretende alcançar, e que instrumentos se podem usar. Em termos de acompanhamento e articulação, há instrumentos organizacionais, instrumentos normativos e instrumentos financeiros. Quais vão ser considerados, como vão ser usados e em que intensidade, são três questões essenciais a ser analisadas quando o plano for disponibilizado, em comparação com a visão que seja estabelecida para orientar o plano.


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (8)

O ponto seguinte dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” é “Reforçar a ambulatorização dos cuidados a todos os níveis, nomeadamente pelo aumento da cirurgia de ambulatório”. Neste ponto há essencialmente o retomar de uma política e trajectória anteriores. O valor da taxa de ambulatório é já relativamente elevado em muitos hospitais, e margem de progressão vai sendo menor à medida que se atingem valores elevados.

 

O capítulo 8 do volume “Políticas Públicas em Saúde 2011-2014: avaliação do impacto” apresenta uma visão do que sucedeu nos últimos anos, e basicamente aqui não será preciso grande esforço para se manter a tendência prévia. Resta saber que objectivos serão estabelecido e que instrumentos serão considerados. Até porque da experiência recente, não há uma identificação clara de quais são os instrumentos que são eficazes e dentro destes quais são os eficientes, dado que o que funciona num hospital não é o que funciona noutro hospital. As soluções terão que ser encontradas caso a caso, ou descoberta a regularidade que faz um instrumento funcionar.


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (7)

O trabalho nº7 enunciado no documento que cria a coordenação nacional para a reforma hospitalar toca um assunto que teve grande repercussão mediática recente, o atendimento nas urgências: “Avaliar uma alteração do modelo de funcionamento do sistema das urgências/emergências, de forma a dar uma resposta efetiva às necessidades.”

No programa de Governo é dito ”

O colapso sentido no acesso às urgências é a marca mais dramática do atual governo [queriam dizer o anterior, mas não alteraram no cut and paste para o programa de governo]. Urge recuperar o funcionamento dos hospitais intervindo a montante, através da criação de mais unidades de saúde familiares e a jusante, na execução do plano de desenvolvimento de cuidados continuados a idosos e a cidadãos em situação de dependência. É fundamental relançar a reforma dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados integrados ao mesmo tempo que se deverá concretizar uma reforma hospitalar que aposte no relançamento do SNS.” (p.93)

Juntando estes dois elementos, não é claro o que significa o modelo de alteração de funcionamento das urgências que é referido, uma vez que parte da solução das urgências terá que passar por ter outras partes do sistema a dar resposta a algumas das necessidades de atendimento sentidas pela população. Centrando a atenção nos hospitais, resolver o problema das urgências tem diferentes componentes:

  • onde deve ser realizado o atendimento urgente e quando, atendendo a critérios técnicos da prestação de cuidados (abrir urgências que têm poucos casos tem maiores riscos que os doentes terem um tempo de deslocação maior para urgências que têm concentração de actividade).
  • como se deve organizar de forma eficiente o atendimento – olhar para dentro de cada serviço de urgência e ver qual a melhor forma de o organizar – é um trabalho interno de cada hospital. Cabe aqui também a discussão da vantagem (ou não) de equipas dedicadas ao serviço de urgência.
  • que opções devem ser colocadas à disposição da população, incluindo a linha Saúde24, cuidados de saúde primários, etc. e em que condições (por exemplo, colocar ou não elementos de diagnóstico básico nas unidades de cuidados de saúde primários).

Há, pois, um campo bastante amplo que cabe neste “trabalho”. Por fim, resta saber o que é “avaliar” – ter uma proposta, colocada em consulta pública, revista à luz dessa consulta e depois então passar à aplicação dessa proposta revista?

 

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (6)

O sexto ponto nos 12 trabalhos da reforma hospitalar proposta pelo Ministério da Saúde é “Propor um melhor planeamento dos recursos humanos hospitalares, bem como incentivos à mobilidade dos profissionais, dentro do SNS”. Este trabalho pode ser visto de uma forma minimalista – pensar em incentivos à mobilidade apenas – ou numa perspectiva muito vasta – abarcar todos os recursos humanos hospitalares.

No primeiro caso, haverá que pensar em incentivos monetários, isto é, remunerações, mas também em organização de carreira e valorização do projecto profissional que os recursos humanos possam ter. Aqui assumirá importância quer os aspectos positivos, como atrair os profissionais que se pretende para os locais e funções que se pretende que ocupem, quer os aspectos negativos, como encontrar soluções mutuamente vantajosas para os casos em que as relações corram mal. A mobilidade de profissionais não é um fim em si mesmo (embora por vezes pareço…) e deve ter como objectivo principal conseguir alcançar os objectivos assistenciais dos hospitais com a melhor combinação possível de profissionais (no contexto das restrições que existam, orçamentais, físicas, distâncias, etc.).

No segundo caso, o que significa exactamente “planeamento”? pode ser só uma visão física de quem está onde, mas pode também passar por formas mais flexíveis de trabalhar, partilha de recursos humanos, por exemplo, novos papéis que sejam atribuídos aos profissionais de saúde, surgimento de novas profissões que seja previsto. Uma dificuldade a ter em conta é como um planeamento central se vai ligar à liberdade de gestão de cada hospital, ou até de cada serviço de hospital se avançar a proposta do trabalho nº 1, as Unidades Autónomas de Gestão. É que dizer que se criam Unidades Autónomas de Gestão desde que os recursos humanos sejam geridos de acordo com um “planeamento dos recursos humanos hospitalares” definido externamente à Unidade Autónoma de Gestão (UAG) e quando os recursos humanos são precisamente o principal recurso a ser gerido nos hospitais tem todo o potencial para criar contradições e conflitos. Por exemplo, será admissível que uma UAG possa recusar um profissional de saúde na sua equipa? ou possa pagar de forma diferente um profissional de saúde que queira atrair para a sua equipa?

Claro que o “planeamento” pode apenas ser a definição do enquadramento geral em que as UAGs e outras partes dos hospitais poderão estar a competir por recursos humanos. Mas convém que haja clareza e coerência global dos vários “trabalhos” da reforma hospitalar.

Em cima destas complexidades naturais, os recursos humanos são também o palco natural de intervenção das diferentes ordens, sindicatos, associações, grupos e interesses individuais de profissionais com maior projecção. Sem qualquer juízo de valor aqui feito sobre a legitimidade dessas intervenções, ignorar que um “planeamento dos recursos humanos hospitalares” terá de lidar também com esse elemento não será boa ideia. A experiência da equipa que vai tratar da reforma hospitalar terá aqui um papel importante.


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (5)

O “trabalho nº 5” está ligado ao papel das farmácias no sistema de saúde, e na sua ligação ao Serviço Nacional de Saúde: “A valorização do papel das farmácias comunitárias enquanto agentes de prestação de cuidados, apostando no desenvolvimento de medidas de apoio à utilização racional do medicamento e aproveitando os seus serviços, em articulação com as unidades do SNS, para nelas ensaiar a delegação parcial da administração da terapêutica oral em oncologia e doenças transmissíveis”.

Este trabalho encerra mais do parece à primeira vista.

Desde logo, o reconhecimento da capacidade das farmácias e dos farmacêuticos serem mais do que agentes de venda de medicamentos (já sei que se prefere o termo dispensa, sobretudo quando envolve uma breve explicação sobre o medicamento, mas assim é mais claro aqui).

O segundo aspecto é a passagem de medicamentos que eram dados em ambulatório mas no hospital a doentes crónicos (incluindo aqui os de oncologia) para passarem a ser distribuídos pelas farmácias.

Numa primeira visão, há três elementos a considerar: a) segurança associada à dispensa do medicamento – e não há qualquer motivo para se pensar que a farmácia comunitária terá condições diferentes da farmácia hospitalar para respeitar este aspecto; b) comodidade para o doente – e é claro que em geral será mais cómodo, e até provavelmente menor estigma no caso de algumas doenças, fazer o levantamento da medicação numa farmácia; c) fazer o acompanhamento médico destes doentes também através dos momentos em que vão buscar a medicação – e aqui será necessário que se estabeleçam canais de comunicação e até protocolos de colaboração que recolham a informação necessária, de modo uniforme e que permita esse acompanhamento. Farmácias e hospitais, farmacêuticos e médicos, terão que encontrar uma plataforma de entendimento antecipadamente para que todo o processo corra bem. É aqui que é exigida a arte e o engenho do coordenador nacional e da sua equipa para que esta proposta tenha sucesso.

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (4)

O quarto elemento dos 12 trabalhos é “O Registo de Saúde Electrónico, enquanto instrumento indispensável à gestão do acesso com eficiência, equidade e qualidade”.

Este é um tema que “anda por aí” desde pelo menos 1996 (provavelmente mesmo antes), nas recomendações do Conselho de Reflexão para a Saúde (liderado por Daniel Serrão, e que integrava Manuel Delgado, actualmente secretário de estado) (ver aqui o documento produzido).

No Portal da ACSS, nos projectos em curso (ver aqui), falavam num projecto entre 2009 e 2012, sendo a última actualização da página respectiva de 12/05/2011. Uma visão do que era pretendido encontra-se neste documento de Luis Campos.

Também o grupo técnico para a reforma hospitalar em 2011, ver aqui, falava no registo de saúde electrónico (“Desenvolver o Registo de Saúde Electrónico como um poderoso meio de facilitação da integração de cuidados e de melhoria do acesso.”), na p. 226 previa mesmo  “_II. Descrição

Implementação nacional do Registo de Saúde Electrónico até 2015

_III. Impactos

Melhoria a integração da informação entre diferentes prestadores, traduzindo-se numa redução da duplicação de MCDT, numa maior eficiência na prestação de cuidados e numa melhoria dos processos de acompanhamento dos doentes.

_IV. Fases de implementação e calendarização

Fase 1 :
_Constituição do Grupo de Trabalho para a definição técnica e funcional do RSE _Tempo previsto = 30 dias

Fase 2:
_Apresentação do plano de acção do GT com definição da metodologia e calendarização dos trabalhos
_Tempo previsto = 90 dias

Fase 3:
_Desenvolvimento e implementação do RSE _Tempo previsto = 48 meses”.

Numa avaliação realizada em Dezembro de 2011 deste relatório do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar, um grupo de docentes e investigadores da Universidade Nova de Lisboa considerou o registo de saúde electrónico como um dos elementos de maior potencial transformador, de maior complexidade de implementação e de maior custo de aplicação. Em 2014, uma noticia do Público dava conta das dificuldades, e da versão Portal do Utente, que tem uma componente de informação introduzida pelo próprio utente e uma parte para os profissionais de saúde.

Destas informações, e de muitas outras certamente, as principais conclusões que se retiram são:

  • há consenso sobre a importância do registo de saúde electrónico desde pelo menos 1996 em termos de recomendações para a reforma hospitalar
  • há diferentes tentativas de colocar em funcionamento, mas claramente as dificuldades são maiores que o voluntarismo normalmente presente nas recomendações que são feitas
  • há um ponto de partida no Portal do Utente, mas dada a proliferação de sistemas informáticos na saúde, a reunião num único ponto de toda a informação de saúde de uma saúde obrigará a um grande esforço de interoperabilidade entre sistemas e nada disto sai barato

Há assim curiosidade em saber o que será apresentado, e sobretudo o que será feito. A experiência hospitalar do Coordenador Nacional desta área sugere que terá um bom conhecimento das dificuldades técnicas (tanto mais que o Hospital de São João tem um bom sistema de informação interno).

Esta é também uma área onde os milhões se transformam em dezenas ou centenas de milhões, que desaparecem rapidamente sem depois se observarem os resultados produzidos em termos de objectivos pretendidos, pois há uma mistura de aspectos críticos complicada: aspectos técnicos, aspectos legais de acesso a informação, e aspectos pessoais de utilização da informação por parte dos profissionais de saúde e dos cidadãos.

 

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (1)

Na verdade, são os 12 trabalhos do Coordenador Nacional para a reforma do Serviço Nacional de Saúde na área dos Cuidados de Saúde Hospitalares, mas esta designação é demasiado longa.

O primeiro desses “trabalhos”, tal como descrito no Despacho 199/2016, é “a organização interna e modelo de gestão hospitalar, tendo como exemplo as Unidades Autónomas de Gestão (UAG), apostando na autonomia e na responsabilização da gestão e na aplicação de incentivos ligados ao desempenho”.

O que está aqui em causa é alterar de forma radical o modo como internamente os hospitais funcionam. A vantagem esperada é, naturalmente, um melhor funcionamento e melhor capacidade de resposta, em termos de capacidade assistencial e custos dessa actividade. A “bandeira” da última década (pelo menos) deste tipo de organização tem sido o serviço de Manuel Antunes nos Hospitais da Universidade de Coimbra (agora CHUC).

O que aparentemente é a proposta genérica está na generalização deste tipo de modelo. Essa generalização exigirá diversas condições, pois é diferente ter um único serviço a funcionar nesta modalidade ou ter todo um hospital a funcionar dessa forma. Em certo sentido, se esta linha for seguida apenas como criando UAGs (ou algo similar, que terá certamente um outro acrónimo), a questão central é como se gere o equilíbrio delas todas. É como se hospital-empresa se passasse a hospital-conglomerado de PMEs, em que cada serviço/UAG contrata com a administração do hospital o que tem de fazer e com que custos. Mas será preciso saber como é que tudo se equilibra no final – se os “incentivos” (creio que aqui estarão pensados sobretudo mecanismos de pay-for-performance, ou seja pagar mais se forem atingidos certos objectivos) todos somados das várias unidades dentro do hospital excederem o orçamento disponível, o que sucede? (mais orçamento? alguém não recebe?) O ter um orçamento global fixo e diversos serviços a receber de acordo com o desempenho significa que serão apenas mecanismos de divisão do orçamento? isto é, se uma unidade alcançar o desempenho contratado, mas as outras forem melhores, pode então não receber o valor inicialmente contratado? Claro que este é um detalhe da ideia, mas será crucial para o seu bom funcionamento. Demasiado sucesso pode derrotar a ideia, de certo modo.

Mas também se tem o outro lado, o que sucede se uma unidade não tiver o desempenho pretendido? é a unidade encerrada e o serviço fechado (será possível fazer isso, se forem unidades nucleares da actividade do hospital)? Não se poderá ter uma “concorrência interna” dentro dos hospitais em cada unidade “empurra” para outra os casos mais complicados como forma de não prejudicar os seus indicadores de desempenho?

Tendo a “ideia”, é agora importante perceber como os detalhes serão acautelados. O trabalho a ser apresentado como reforma não poderá ser apenas baseado na componente técnica de que serviços serão constituídos em UAG (ou algo similar). É necessário que os “incentivos” globais dados pelo enquadramento e o seu equilíbrio também sejam garantidos pelo desenho institucional que for adoptado. E não é simples fazê-lo.