Momentos económicos… e não só

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União Europeia, instrumentos e sector da saúde

Interessante discussão no dia de ontem, numa conferência organizada pelo European Social Observatory, sobre como os aspectos institucionais da União Europeia afectam as políticas na área da saúde. Interessante quer do ponto de vista interno – papel das country specific recommendations e do semestre europeu como instrumento de coordenação das políticas macroeconómicas e reacções dos países a esse papel, quer do ponto de vista externo – acordos internacionais como o actual tratado em negociação com os Estados Unidos. Uma intervenção de uma pessoa da Comissão a dizer que desde que as contas públicas estejam equilibradas, pouco têm a dizer sobre como os países gastam em despesas públicas em saúde, e que nos casos de intervenção nem sempre defenderam cortes nas despesas de saúde, tendo no caso de Chipre uma preocupação com a cobertura universal de todos os cidadãos, e no caso do aconselhamento à Roménia a preocupação de reforçar as despesas em saúde. Também a referência a um crescente aligeirar das country specific recommendations para não serem excessivamente intrusivas nos estados membros.

Antes disso, uma visão sobre a mobilidade de doentes depois da directiva de cuidados transfronteiriços – numa síntese, não existe com significado em lado nenhum; e sobre a mobilidade de profissionais de saúde, existe há mais de uma década e não se prevê que pare, havendo cada vez mais fluxos migratórios dentro da União Europeia (o que para Portugal significa que a crescente emigração irá provavelmente continuar mesmo com as reposições salariais e alguma melhoria nas condições de trabalho que venha a ocorrer nos próximos anos).

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fim de tarde em Bruxelas, com céu azul

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (8)

O ponto seguinte dos “12 trabalhos da reforma hospitalar” é “Reforçar a ambulatorização dos cuidados a todos os níveis, nomeadamente pelo aumento da cirurgia de ambulatório”. Neste ponto há essencialmente o retomar de uma política e trajectória anteriores. O valor da taxa de ambulatório é já relativamente elevado em muitos hospitais, e margem de progressão vai sendo menor à medida que se atingem valores elevados.

 

O capítulo 8 do volume “Políticas Públicas em Saúde 2011-2014: avaliação do impacto” apresenta uma visão do que sucedeu nos últimos anos, e basicamente aqui não será preciso grande esforço para se manter a tendência prévia. Resta saber que objectivos serão estabelecido e que instrumentos serão considerados. Até porque da experiência recente, não há uma identificação clara de quais são os instrumentos que são eficazes e dentro destes quais são os eficientes, dado que o que funciona num hospital não é o que funciona noutro hospital. As soluções terão que ser encontradas caso a caso, ou descoberta a regularidade que faz um instrumento funcionar.


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 21 – Janeiro 2016)

Tendo sido divulgada a execução orçamental referente a Dezembro de 2015, é tempo de actualizar o observatório mensal da dívida dos hospitais EPE. Os valores divulgados agora mantêm no essencial a tendência passada recente. Se em novembro de 2015 ocorreu uma ligeira subida na dívida, essa valor desceu em dezembro face a novembro. Dado que há acertos de fim de ano, nomeadamente descontos de preços, não é surpreendente que tenha ocorrido esta ligeira descida. As figuras usuais ilustram a manutenção da tendência de descida, que em ritmo médio tem sido de 11 milhões de euros por mês desde há praticamente um ano, mesmo se houve algumas oscilações intra-anuais. Esta evolução de descida é corroborada pelos valores coligidos pela APIFARMA (no respectivo site ainda não constava no dia 26.01.2016 a actualização referente a Dezembro de 2015).

Esperemos que os próximos meses confirmem a manutenção da tendência do último ano, uma vez que a reposição de salários poderá levar a alguma perturbação nas contas dos hospitais EPE com o risco de aumento das dívidas em atraso a terceiros.

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Linha Saúde24 Senior, perdida em combate?

Em meados de 2014 foi criada a Linha Saúde24 Senior, retratada um ano depois no Jornal Público (aqui). No final de 2015, houve a decisão de suspender a linha, depois de uma travagem iniciada antes do Verão de 2015 (ver aqui). Na página web da Linha Saúde24 não surge qualquer referência a esta versão. A notícia publicada a 14 de Janeiro (reproduzida abaixo) sugere que a linha possa ter sido vitima do seu próprio sucesso.

Ao mesmo tempo que se tem discursos públicos de combater a solidão, de acompanhar os idosos, de promover processos de envelhecimento em que haja um relacionamento diferente entre os cidadãos de avançada idade e o Serviço Nacional de Saúde, não deixa de ser estranho este encerramento, sobretudo pelo argumento aparentemente invocado.

Não se sabe se este acompanhamento produziu ou não efeitos positivos em termos de saúde e de utilização de cuidados de saúde atempadamente e de forma adequada por parte da população idosa; não se sabe se o acompanhamento regular permitiu sinalizar e antecipar situações de recurso a cuidados de saúde; não se sabe qual o valor de conseguir acompanhar a população idosa e fazer destes contactos uma fonte de informação sobre a saúde da população.

Quando se diz que é na prevenção que se fazem os primeiros cortes porque não se vê, é deste tipo de instrumentos que se está a falar. Dizer que se encerra porque as verbas gastas não compensam os benefícios que dela se retiram é adequado, e deverá ter o suporte adequado em termos de análise dos custos e efeitos da linha saúde24 senior. Dizer que se encerra porque há muitas pessoas – idosos – a verem valor e benefício nestes contactos, e que tal implica mais custos num contrato com a prestação do serviço é sobretudo miopia orçamental, porque é olhar apenas para uma parte do sistema. O encerramento da linha saúde24 senior acaba também por ser um corte na credibilidade da linha saúde24 – criando a dúvida em iniciativas futuras se é para levar a sério ou não.

 

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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (7)

O trabalho nº7 enunciado no documento que cria a coordenação nacional para a reforma hospitalar toca um assunto que teve grande repercussão mediática recente, o atendimento nas urgências: “Avaliar uma alteração do modelo de funcionamento do sistema das urgências/emergências, de forma a dar uma resposta efetiva às necessidades.”

No programa de Governo é dito ”

O colapso sentido no acesso às urgências é a marca mais dramática do atual governo [queriam dizer o anterior, mas não alteraram no cut and paste para o programa de governo]. Urge recuperar o funcionamento dos hospitais intervindo a montante, através da criação de mais unidades de saúde familiares e a jusante, na execução do plano de desenvolvimento de cuidados continuados a idosos e a cidadãos em situação de dependência. É fundamental relançar a reforma dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados integrados ao mesmo tempo que se deverá concretizar uma reforma hospitalar que aposte no relançamento do SNS.” (p.93)

Juntando estes dois elementos, não é claro o que significa o modelo de alteração de funcionamento das urgências que é referido, uma vez que parte da solução das urgências terá que passar por ter outras partes do sistema a dar resposta a algumas das necessidades de atendimento sentidas pela população. Centrando a atenção nos hospitais, resolver o problema das urgências tem diferentes componentes:

  • onde deve ser realizado o atendimento urgente e quando, atendendo a critérios técnicos da prestação de cuidados (abrir urgências que têm poucos casos tem maiores riscos que os doentes terem um tempo de deslocação maior para urgências que têm concentração de actividade).
  • como se deve organizar de forma eficiente o atendimento – olhar para dentro de cada serviço de urgência e ver qual a melhor forma de o organizar – é um trabalho interno de cada hospital. Cabe aqui também a discussão da vantagem (ou não) de equipas dedicadas ao serviço de urgência.
  • que opções devem ser colocadas à disposição da população, incluindo a linha Saúde24, cuidados de saúde primários, etc. e em que condições (por exemplo, colocar ou não elementos de diagnóstico básico nas unidades de cuidados de saúde primários).

Há, pois, um campo bastante amplo que cabe neste “trabalho”. Por fim, resta saber o que é “avaliar” – ter uma proposta, colocada em consulta pública, revista à luz dessa consulta e depois então passar à aplicação dessa proposta revista?

 

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (6)

O sexto ponto nos 12 trabalhos da reforma hospitalar proposta pelo Ministério da Saúde é “Propor um melhor planeamento dos recursos humanos hospitalares, bem como incentivos à mobilidade dos profissionais, dentro do SNS”. Este trabalho pode ser visto de uma forma minimalista – pensar em incentivos à mobilidade apenas – ou numa perspectiva muito vasta – abarcar todos os recursos humanos hospitalares.

No primeiro caso, haverá que pensar em incentivos monetários, isto é, remunerações, mas também em organização de carreira e valorização do projecto profissional que os recursos humanos possam ter. Aqui assumirá importância quer os aspectos positivos, como atrair os profissionais que se pretende para os locais e funções que se pretende que ocupem, quer os aspectos negativos, como encontrar soluções mutuamente vantajosas para os casos em que as relações corram mal. A mobilidade de profissionais não é um fim em si mesmo (embora por vezes pareço…) e deve ter como objectivo principal conseguir alcançar os objectivos assistenciais dos hospitais com a melhor combinação possível de profissionais (no contexto das restrições que existam, orçamentais, físicas, distâncias, etc.).

No segundo caso, o que significa exactamente “planeamento”? pode ser só uma visão física de quem está onde, mas pode também passar por formas mais flexíveis de trabalhar, partilha de recursos humanos, por exemplo, novos papéis que sejam atribuídos aos profissionais de saúde, surgimento de novas profissões que seja previsto. Uma dificuldade a ter em conta é como um planeamento central se vai ligar à liberdade de gestão de cada hospital, ou até de cada serviço de hospital se avançar a proposta do trabalho nº 1, as Unidades Autónomas de Gestão. É que dizer que se criam Unidades Autónomas de Gestão desde que os recursos humanos sejam geridos de acordo com um “planeamento dos recursos humanos hospitalares” definido externamente à Unidade Autónoma de Gestão (UAG) e quando os recursos humanos são precisamente o principal recurso a ser gerido nos hospitais tem todo o potencial para criar contradições e conflitos. Por exemplo, será admissível que uma UAG possa recusar um profissional de saúde na sua equipa? ou possa pagar de forma diferente um profissional de saúde que queira atrair para a sua equipa?

Claro que o “planeamento” pode apenas ser a definição do enquadramento geral em que as UAGs e outras partes dos hospitais poderão estar a competir por recursos humanos. Mas convém que haja clareza e coerência global dos vários “trabalhos” da reforma hospitalar.

Em cima destas complexidades naturais, os recursos humanos são também o palco natural de intervenção das diferentes ordens, sindicatos, associações, grupos e interesses individuais de profissionais com maior projecção. Sem qualquer juízo de valor aqui feito sobre a legitimidade dessas intervenções, ignorar que um “planeamento dos recursos humanos hospitalares” terá de lidar também com esse elemento não será boa ideia. A experiência da equipa que vai tratar da reforma hospitalar terá aqui um papel importante.


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Debate sobre ensino profissional

Há cerca de um mês, a 21 de Dezembro, houve um debate sobre o ensino profissional, tendo como ponto de partida um trabalho de Sofia Oliveira, que tem uma versão como policy paper do Instituto de Políticas Públicas – um resumo da apresentação e da discussão está disponível no site do IPP (aqui), e tem fotos e tudo.

Ponto central, todos reconhecem um papel para o ensino profissional, a maioria quer algo diferente do que está montado; o receio de que se olhe para esta via de ensino apenas como forma de melhorar as estatísticas sobre abandono escolar esteve sempre latente. Mas se quiserem saber mais sobre as opiniões de Sofia Oliveira, Alexandre Homem Cristo, Paulo Guinote e Pedro Martins, basta ir ler ao site do IPP.


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (5)

O “trabalho nº 5” está ligado ao papel das farmácias no sistema de saúde, e na sua ligação ao Serviço Nacional de Saúde: “A valorização do papel das farmácias comunitárias enquanto agentes de prestação de cuidados, apostando no desenvolvimento de medidas de apoio à utilização racional do medicamento e aproveitando os seus serviços, em articulação com as unidades do SNS, para nelas ensaiar a delegação parcial da administração da terapêutica oral em oncologia e doenças transmissíveis”.

Este trabalho encerra mais do parece à primeira vista.

Desde logo, o reconhecimento da capacidade das farmácias e dos farmacêuticos serem mais do que agentes de venda de medicamentos (já sei que se prefere o termo dispensa, sobretudo quando envolve uma breve explicação sobre o medicamento, mas assim é mais claro aqui).

O segundo aspecto é a passagem de medicamentos que eram dados em ambulatório mas no hospital a doentes crónicos (incluindo aqui os de oncologia) para passarem a ser distribuídos pelas farmácias.

Numa primeira visão, há três elementos a considerar: a) segurança associada à dispensa do medicamento – e não há qualquer motivo para se pensar que a farmácia comunitária terá condições diferentes da farmácia hospitalar para respeitar este aspecto; b) comodidade para o doente – e é claro que em geral será mais cómodo, e até provavelmente menor estigma no caso de algumas doenças, fazer o levantamento da medicação numa farmácia; c) fazer o acompanhamento médico destes doentes também através dos momentos em que vão buscar a medicação – e aqui será necessário que se estabeleçam canais de comunicação e até protocolos de colaboração que recolham a informação necessária, de modo uniforme e que permita esse acompanhamento. Farmácias e hospitais, farmacêuticos e médicos, terão que encontrar uma plataforma de entendimento antecipadamente para que todo o processo corra bem. É aqui que é exigida a arte e o engenho do coordenador nacional e da sua equipa para que esta proposta tenha sucesso.

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (4)

O quarto elemento dos 12 trabalhos é “O Registo de Saúde Electrónico, enquanto instrumento indispensável à gestão do acesso com eficiência, equidade e qualidade”.

Este é um tema que “anda por aí” desde pelo menos 1996 (provavelmente mesmo antes), nas recomendações do Conselho de Reflexão para a Saúde (liderado por Daniel Serrão, e que integrava Manuel Delgado, actualmente secretário de estado) (ver aqui o documento produzido).

No Portal da ACSS, nos projectos em curso (ver aqui), falavam num projecto entre 2009 e 2012, sendo a última actualização da página respectiva de 12/05/2011. Uma visão do que era pretendido encontra-se neste documento de Luis Campos.

Também o grupo técnico para a reforma hospitalar em 2011, ver aqui, falava no registo de saúde electrónico (“Desenvolver o Registo de Saúde Electrónico como um poderoso meio de facilitação da integração de cuidados e de melhoria do acesso.”), na p. 226 previa mesmo  “_II. Descrição

Implementação nacional do Registo de Saúde Electrónico até 2015

_III. Impactos

Melhoria a integração da informação entre diferentes prestadores, traduzindo-se numa redução da duplicação de MCDT, numa maior eficiência na prestação de cuidados e numa melhoria dos processos de acompanhamento dos doentes.

_IV. Fases de implementação e calendarização

Fase 1 :
_Constituição do Grupo de Trabalho para a definição técnica e funcional do RSE _Tempo previsto = 30 dias

Fase 2:
_Apresentação do plano de acção do GT com definição da metodologia e calendarização dos trabalhos
_Tempo previsto = 90 dias

Fase 3:
_Desenvolvimento e implementação do RSE _Tempo previsto = 48 meses”.

Numa avaliação realizada em Dezembro de 2011 deste relatório do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar, um grupo de docentes e investigadores da Universidade Nova de Lisboa considerou o registo de saúde electrónico como um dos elementos de maior potencial transformador, de maior complexidade de implementação e de maior custo de aplicação. Em 2014, uma noticia do Público dava conta das dificuldades, e da versão Portal do Utente, que tem uma componente de informação introduzida pelo próprio utente e uma parte para os profissionais de saúde.

Destas informações, e de muitas outras certamente, as principais conclusões que se retiram são:

  • há consenso sobre a importância do registo de saúde electrónico desde pelo menos 1996 em termos de recomendações para a reforma hospitalar
  • há diferentes tentativas de colocar em funcionamento, mas claramente as dificuldades são maiores que o voluntarismo normalmente presente nas recomendações que são feitas
  • há um ponto de partida no Portal do Utente, mas dada a proliferação de sistemas informáticos na saúde, a reunião num único ponto de toda a informação de saúde de uma saúde obrigará a um grande esforço de interoperabilidade entre sistemas e nada disto sai barato

Há assim curiosidade em saber o que será apresentado, e sobretudo o que será feito. A experiência hospitalar do Coordenador Nacional desta área sugere que terá um bom conhecimento das dificuldades técnicas (tanto mais que o Hospital de São João tem um bom sistema de informação interno).

Esta é também uma área onde os milhões se transformam em dezenas ou centenas de milhões, que desaparecem rapidamente sem depois se observarem os resultados produzidos em termos de objectivos pretendidos, pois há uma mistura de aspectos críticos complicada: aspectos técnicos, aspectos legais de acesso a informação, e aspectos pessoais de utilização da informação por parte dos profissionais de saúde e dos cidadãos.

 

 


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Os 12 trabalhos da reforma hospitalar (3)

O terceiro ponto na lista de “encargos” do coordenador nacional para a reforma hospitalar é “Um Sistema Integrado de Gestão do Acesso — SIGA, que facilite o acesso e a liberdade de escolha dos utentes no SNS, nomeadamente no que diz respeito a áreas onde a espera ainda é significativa, criando e estimulando um mercado interno no Serviço Nacional de Saúde;”

Apesar de usar o mesmo nome de um serviço dos CTT, SIGA, o que está aqui em causa é bastante mais do que aparenta, pelo menos potencialmente. Facilitar o acesso é um elemento mas liberdade de escolha dos utentes é algo mais estruturante e como tal a necessitar de muito maior detalhe. Por exemplo, estamos a falar de que acesso (se eu não conseguir ter uma consulta num hospital posso procurar qualquer outro hospital do SNS?), e o que é “espera significativa”? significa apenas ampliar o que já existe com as intervenções para cirurgia com o SIGIC?

Mas para criar um mercado interno no Serviço Nacional de Saúde é necessário pensar nos fluxos financeiros que as escolhas dos utentes terão que necessariamente motivar. Se um cidadão escolher ser atendido num local, significa que esse ponto de atendimento do SNS recebe uma verba adicional por fazer esse atendimento (a velha máxima “money follows the patient” recuperada?). E em caso afirmativo, quem paga? o órgão de gestão financeira do SNS, que nesse caso paga duas vezes, uma à entidade que era suposto prestar o serviço mas não é escolhida e outra vez à entidade que efectivamente presta o serviço? ou é a primeira (a que deveria prestar o serviço e não o faz) que paga alguma verba à segunda, que é quem atende o doente?

E um doente tratado num hospital pode optar por fazer eventuais consultas de seguimento que precise noutro hospital por sua livre escolha? (nesse caso, como e quem assegura a transmissão de informação para que não se perca a continuidade no conhecimento da situação do doente e sua terapêutica).

Além disso, parte-se do princípio que todas as escolhas dos cidadãos são boas, mas será que estão reunidas as condições para que esse processo de escolha possa ter de facto lugar?

Claro que a escolha por parte dos utentes, se feita de forma informada e em condições em que essa escolha venha a refletir os custos gerados pela decisão tomada, pode ser uma forte força de mudança dos prestadores de cuidados de saúde, neste caso os pertencentes ao Serviço Nacional de Saúde. Essa pressão para a mudança e para se ajustarem às preferencias dos doentes só é efectiva se houver um custo envolvido para as organizações de saúde de não conseguirem manter ou atrair doentes. Num mercado privado, esse custo é a falência, a saída, o fecho da actividade (e todos os anos há muitas empresas que fecham e muitas outras empresas que abrem). Mas no caso dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, não há memória que alguma vez um hospital tenha fechado por falta de procura e pressão dos doentes (os encerramentos, quando sucedem, ocorrem dentro de reorganizações de grupos hospitalares, e não são propriamente muito comuns).

Os mecanismos que vão determinar esse encerramento por não ser procurado não são claros hoje em dia, e se a reforma hospitalar for realmente no sentido de liberdade de escolha dos doentes, terá que explicitar muito bem as consequências de não estar nas preferências dos cidadãos.

A liberdade de escolha dos doentes pode também criar problemas de excesso de procura sobre os estabelecimentos do SNS que se revelem mais atractivos. Nos mercados privados, excessos de procura são resolvidos num primeiro impacto com subida de preços e num segundo momento com expansão da capacidade produtiva. Nos hospitais, irá assistir-se a um aumento do preço tempo (tempos de espera a aumentar nos hospitais mais atractivos, e com provável disparar dos mecanismos de acesso informal – alguém que conhece alguém que é amigo do tio de alguém que trabalha no hospital). E com a pressão dos hospitais mais procurados para aumentarem a sua capacidade (o que só pode suceder aceitando que outros reduzem a sua capacidade).

Se o encerramento de unidades hospitalares por falta de procura, isto é, não serem escolhidos pelos utentes do SNS no exercício da sua liberdade de escolha, é admissível, um primeiro passo de credibilização será os presidentes de todas as autarquias assinarem um compromisso de respeitarem as decisões dos seus cidadãos de não escolherem ir ao hospital ou hospitais que estejam localizados nas respectivas autarquias, e de apoiarem então os encerramentos que decorram desta liberdade de escolha dos utentes do SNS. Dei o exemplo das autarquias, mas na verdade a ideia desse compromisso é extensível a todas as entidades, qualquer que seja a sua natureza, que dizem defender os interesses dos cidadãos e dos doentes em primeiro lugar. Não vale estar a dizer que se defende a liberdade de escolha dos utentes do SNS mas apenas desde que eles escolham aquilo que “nós” entendemos que eles devem escolher. E as decisões reais dos cidadãos podem ser muito diferentes daquilo que se antecipa.

Ou seja, há muito mais detrás desta porta do que o simples parágrafo sugere, e será preciso atenção para que não se criem mais problemas do que aqueles que se resolvem.