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À volta do Serviço Nacional de Saúde e comparações internacionais

Num curto espaço de tempo foram publicados na imprensa três artigos sobre comparação de sistemas de saúde, tendo-se iniciado a série com um artigo de Rui de Albuquerque, seguido de réplica de José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos, e comentado no Observador por Mário Amorim Lopes.

O primeiro artigo começa por defender uma privatização (passagem de Serviço Nacional de Saúde para seguro de saúde privado regulado), o segundo contesta os valores de base apresentados no primeiro, e argumenta a favor do Serviço Nacional de Saúde como estrutura base, mas com espaço para o sector social, para o pequeno sector privado e para o grande sector privado na prestação de cuidados de saúde. O terceiro artigo é menos claro na sua mensagem, mas basicamente contesta que Portugal tenha o melhor sistema do mundo, como sugerido pelo título do artigo de José Manuel Silva, mas vê sobretudo a necessidade de apostar mais nos cuidados de saúde primários (no que coincide com os programas dos partidos políticos do PSD+CDS ao Bloco de Esquerda!).

A comparação de sistemas de saúde não é um exercício simples. Um trabalho da OCDE (disponível aqui) que olhou com cuidado para as características de sistemas de saúde e as procurou usar para uma classificação de sistemas de saúde, e depois confrontar com os respectivos níveis de eficiência, encontrou maior variação dentro de cada categoria de sistemas de saúde do que entre sistemas de saúde. Utilizando dados mais recentes, Ana Beatriz Luís conclui que essa mesma característica de diversidade de desempenho de sistemas de saúde se mantém mesmo depois dos anos de crise internacional (ver aqui).

A forma de classificação proposta no trabalho referido por Mário Amorim Lopes é bastante incompleta pois parte de duas medidas que procuram captar o estado de saúde da população (aliás, o autor fala em sistema de saúde eficaz e não eficiente, precisamente para focar em resultados que alcança – eficácia – mas sem comparar com os recursos que usa – eficiência). Não há por isso qualquer confronto com recursos usados, e sem esse elemento não se pode realmente falar de que país tem um sistema melhor. Este trabalho da OCDE também mostra que a divisão simples do primeiro artigo é demasiado simplista (além das estatísticas invocadas estarem erradas à luz dos números mais recentes, ver aqui os dados da OCDE disponibilizados em Novembro de 2015).

A necessidade de clareza nos conceitos técnicos é essencial para se perceber o que se quer medir e o que significa. Quando se pretende comparar sistemas de saúde com base em eficiência é preciso definir o que significa eficiência. A versão simples, usualmente conhecida como eficiência tecnológica, é definida como não desperdiçar recursos para atingir os resultados observados. Esta é uma versão intuitiva, e tem a força de dizer que se um sistema de saúde conseguir obter exactamente os mesmos resultados mas usando menos recursos, então é eficiente. Nesta noção de eficiência, diferentes sistemas de saúde podem alcançar diferentes resultados, e serem todos eficientes no sentido de não terem desperdício. A maior parte dos indicadores utilizados acabam por centrar-se neste tipo de eficiência. Em jargão técnico, o que se procura medir aqui é a distância do ponto de produção efectivo à melhor prática (função de produção). É um conceito de eficiência que requere comparar os resultados observados (produção) com os recursos usados (profissionais de saúde, equipamentos, etc.).

Normalmente, para se conseguir uma situação eficiente segundo esta definição, existem diferentes combinações de recursos – utilizar mais ou menos recursos humanos e diferentes profissões, mais ou menos equipamento, mais ou menos tecnologia. Esta multiplicidade de opções leva à segunda definição de eficiência, que podemos chamar eficiência alocativa. Implica escolher a melhor combinação de recursos que permite alcançar os resultados observados, em que melhor combinação significa menos custo global. É neste conceito de eficiência que entram os preços e os custos dos recursos utilizados. Em geral, aponta para que se utilizem relativamente mais os recursos com custos relativos mais baixos – isto é, normalmente não se consegue utilizar apenas um recurso para alcançar um objectivo, mas uma combinação de recursos adequada depende dos seus custos relativos. Um exemplo, a nível mais micro, que transmite esta ideia é pensar escolher entre duas opções terapêuticas – uma que implique ver mais vezes um doente, mas usar menos medicamentos; outra que prescreva mais medicamentos e observação mais espaçado do doente. Admitindo, para efeitos do exemplo, que ambas permitem obter o mesmo resultado final (eficiência tecnológica de ambas as possibilidades), a opção pela primeira ou pela segunda depende do custo/preço associada a cada uma. Uma descida grande do preço dos medicamentos ou a necessidade de pagar salários mais elevados para conseguir contratar médicos inclinam a decisão para a primeira opção. A importância deste conceito de eficiência é que podemos ter facilmente diferentes escolhas, ambas eficientes, em diferentes países, dependendo dos preços e custos dos recursos necessários usados em cada país. Ser eficiente neste sentido obriga a não ter desperdício de recursos, logo implica o primeiro tipo de eficiência.

O terceiro nível de eficiência é estar a obter o melhor desempenho, os melhores resultados, a nível agregado, em que melhor desempenho significa que o último beneficio conseguido com os recursos adicionais utilizados é não inferior ao custo de utilização desses recursos. Ou seja, implica saber “se vale a pena”, o que obriga a um exercício complicado de valorizar benefícios do sistema de saúde, o que só é possível se houver clareza quanto aos objectivos pretendidos. Significa também que é possível “fazer a mais” no sistema de saúde, quando o que é realizado não tem contributo relevante para a melhoria da saúde das pessoas (por exemplo, ter uma consulta semanal com um médico especialista em cardiologia seria provavelmente “fazer a mais”, só para ter um exemplo extremo). As tentativas de valorização deste tipo de eficiência estão associadas a exercícios do que é chamado “value for money”, mas uma visão abrangente necessita da valorização da sociedade dos vários objectivos.

A utilização da despesa em saúde como indicador agregado para falar em eficiência face à esperança de vida à nascença é uma forma simplificada de obter uma primeira ideia da eficiência tecnológica, mas não é isenta de problemas pois para fazer sentido implica a hipótese implícita de os preços dos recursos usados serem similares entre países, para se agregar num único indicador – despesa per capita em saúde – todos os recursos usados. Esta hipótese implícita não é em geral verdadeira, mesmo ajustando para diferenças gerais de preços entre países (o ajustamento para paridade de poder de compra), embora seja uma primeira aproximação sem grandes complicações à necessidade de ter um indicador agregado de utilização de recursos.

Tomando o exemplo de Mário Amorim Lopes, que fala em indicadores de mortalidade e de morbilidade. Não é complicado pensar que diferentes países poderão dar diferente importância relativa à longevidade (mortalidade) e à qualidade de vida em termos de saúde (morbilidade), e como tal pontos diferentes nos indicadores serem igualmente eficientes. E também se pode ter uma versão de interpretação em que é a maior ou menor morbilidade que serve de indicador para um maior ou menor mortalidade, o que aproximaria a análise do primeiro tipo de eficiência, embora com alguns cuidados – se só sobreviverem as pessoas mais saudáveis, a menor morbilidade está associada a menor mortalidade, mas então é preciso consubstanciar este nexo causal, diferente do que é ter uma maior carga de doença em geral – maior morbilidade – causar maior mortalidade, e devia-se falar aqui em mortalidade evitável, pois mortalidade haverá sempre. Os “se” implícitos no gráfico e interpretações de Mário Amorim Lopes são muitos, tal como nos artigos de Rui de Albuquerque e de José Manuel Silva. Claro que é difícil colocar num artigo de opinião na imprensa, pelo espaço limitado, estas considerações, mas a arte do colunista está precisamente em saber que “se”s deve revelar e que são relevantes. Já na parte factual dos números é mais fácil ser claro.

No segundo artigo, é ainda referido que “Sublinhe-se que, conforme está publicado, não há nenhuma evidência científica de que, em saúde, a gestão privada seja melhor que a pública.” Bom, é verdade que em termos de medição de eficiência de hospitais, as comparações não são conclusivas (ver por exemplo aqui), dependendo dos países e períodos que sejam usadas, mas essa sendo o tipo de comparação mais frequente, não é realmente uma comparação de sistemas de saúde. Uma medição mais directa da qualidade da gestão, feita para hospitais ingleses, parece indicar que a gestão privada é mais eficiente em média que a gestão pública de hospitais, sobretudo devido à componente de gestão de recursos humanos, e que a presença de concorrência entre hospitais é factor de pressão para melhor gestão (ver aqui e aqui). Mas mais uma vez está-se centrado nos hospitais (a disponibilidade de informação é maior do que noutras áreas).

Uma análise mais agregada da Comissão Europeia (ver aqui), usando indicadores como esperança de vida, confrontado com despesa per capita como indicador de recursos usados, e uma técnica de análise denominada DEA – Data Envelopment Analysis, coloca Portugal em 10º lugar nos 28 da União Europeia, ou seja a meio da tabela.

Se usarmos outra “tecnologia de análise”, chamada de fronteira estocástica (ver aqui um sumário e mais detalhes disponíveis aqui), encontramos essencialmente a mesma conclusão, quer se foque na esperança de vida à nascença ou na esperança de vida aos 65 anos (que se pode argumentar ser preferível por refletir em maior grau a intervenção do sistema de saúde) e normalizando o cálculo do score de eficiência para diversos factores (nível de rendimento do país, despesa per capita, hábitos alimentares, consumo de álcool, papel do sistema de seguro – percentagem de seguro privado e percentagem de pagamentos directos no financiamento do sistema de saúde).

A principal conclusão é corroborada, Portugal está numa posição médio-elevada em termos de eficiência, medida desta forma.

Idealmente, porém, devíamos procurar construir informação estatística regular que conseguisse cobrir as diferentes dimensões que são objectivo dos sistemas de saúde, saúde da população (mortalidade e morbilidade), equidade de acesso, qualidade e satisfação de vida, ou as dimensões usadas no relatório da Organização Mundial de Saúde de 2000 (nível de saúde, capacidade de resposta do sistema de saúde às necessidades da população, equidade no financiamento do sistema de saúde).

Qualquer que seja a metodologia, o conhecimento adquirido dos vários estudos, e da sensibilidade das medições de eficiência às diferentes metodologias, sugere fortemente que a conclusão de que a variação de desempenho dentro de categorias de sistemas de saúde será substancial, e que não se encontrará um modelo de sistema de saúde que domine os restantes – significando que um país aparecer melhor ou pior depende em grande medida dos “olhos do analista” (com as opções implícitas a terem um papel relevante no que destaca), e dentro de cada tipo de sistema de saúde há que procurar ter os mecanismos que fazem esse país ter um bom desempenho. A lição que retiro é que Portugal em vez de copiar sistemas de outros países ou embarcar em alterações profundas ganha mais em melhorar o modelo atual, baseado num Serviço Nacional de Saúde, que tanto quanto é possível ir apercebendo é também um modelo de satisfaz a maioria da sociedade portuguesa.

Ficou um texto longo (provavelmente demasiado longo para um blog), mas relevante para ilustrar a necessidade de conceitos precisos e formas adequadas de medir (sendo que não temos a solução perfeita), e ilustrar como é preciso ir além de compilar indicadores aqui e ali e depois concluir rapidamente o que se pretende.

Nota: apresentam-se de seguida alguns gráficos contendo a) a classificação de sistemas de saúde da OCDE e sua variabilidade em termos de eficiência, como presente no artigo original; b) estimativas do score de eficiência com destaque para a posição de Portugal (antes e nos anos 2011-2014).

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(observação: valor mais baixo é melhor – se há menos ganhos a conseguir, é porque se está mais perto da situação de eficiência, definida como melhor resultado possível para os recursos usados)

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Relação entre esperança de vida à nascença e riqueza do país (PIB per capita em unidades comparáveis)

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Score de eficiência resultante de modelo de fronteira estocástica  versus despesa per capita de cada país (usando como indicador de resultado, esperança de vida à nascença) – Portugal está no terço superior, para o que gasta tem bons resultados em comparação internacional, mas não os melhores

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Score de eficiência, usando como indicador de desempenho a esperança de vida aos 65 anos.


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mais sugestões de leituras, a propósito do novo governo

Tendo tomado posse o novo governo, a “explosão mediática” destes dias é o escrutínio do pensamento e das histórias passadas dos novos ministros. Bem como dos conselhos e expectativas referentes aos diferentes ministérios. Acaba por ser uma overdose de informação. E decidi dar my two cents em leituras recomendadas.

A primeira, geral, sobre a reforma do estado e da administração pública, é o documento Sextas da Reforma, que recolhe os contributos de um ano de reuniões abertas, patrocinadas pelo Banco de Portugal, Conselho das Finanças Públicas e Fundação Calouste Gulbenkian. Inclui um texto de Maria Manuel Leitão Marques entitulado o Estado Simples, além de muitas outras boas ideias e propostas.

A segunda leitura, direccionada para a área da Saúde, é o relatório Gulbenkian com uma visão para o sistema de saúde português (e na verdade aplicável também a muitos outros países, dado que os problemas de longo prazo não são muito diferentes). A tentativa de colocar as ideias apresentadas na agenda política e num consenso mais formal não resultaram, conforme relata Artur Santos Silva (notícia do jornal Tempo Medicina), mas agora em início de legislatura será mais simples (?) conseguir uma visão comum, que permita políticas de longo prazo.

E por fim, “O Adivinho“, com toda a sua ironia sobre a leitura de entranhas de animais  (leia-se estudos nos dias de hoje) para ver o futuro, e “A Zaragata“.

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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 19 – Novembro 2015)

Tendo ontem sido dia de divulgação de números da execução orçamental, hoje há mais um observatório mensal da dívida dos hospitais EPE. O valor presente na execução orçamental do mês de Outubro é superior ao de Setembro, apontando uma subida da dívida em atraso. Porém, como o mês de Setembro tinha tido um valor anormalmente bom face à tendência, o valor de Outubro situa-se na linha de tendência descendente, pelo que a conclusão com esta divulgação da execução orçamental de Outubro é simples: manteve-se a tendência global de descida da dívida dos Hospitais EPE iniciada em Fevereiro de 2015.


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uma carta antiga aos novos ministros

Durante os próximos dias, serão examinados ao pormenor os perfis, objectivos, ambições e debilidade dos ministros do novo governo liderado por António Costa. A lista completa dos ministros pode ser vista em praticamente todos os orgãos de comunicação social (por exemplo, aqui).

Na área da saúde, o novo Ministro, Adalberto Campos Fernandes, preparou-se o cargo, e o conhecimento da área é evidente. Ainda assim, é sempre adequado nestas ocasiões relembrar uma carta que António Correia de Campos escreveu a si próprio quando foi nomeado Ministro da Saúde, em 2001, que relembrei em 2011 na altura da posse do então novo governo, e que continua perfeitamente actual. Os tempos de hoje adicionam ainda “reduzir a sensibilidade e a exposição às redes sociais, onde cada pequena onda se transforma numa tempestade, usualmente efémera, de indignação”.

“Carta a um amigo que foi para o Governo

Apresento-te, meu caro F., dez conselhos para poderes melhorar o teu desempenho no novo cargo para que foste nomeado. Espero que os consideres uma prova de amizade.

1. Identifica bem a tua principal missão. Experimenta escrevê-la numa só frase, ainda que longa. Especifica os objectivos e para cada um deles tenta uma análise SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e riscos) com as cinco pessoas mais chegadas ao gabinete. Ao fim de 2 anos, renova o exercício, como avaliação. Se estiveres globalmente frustrado, pede para sair. Farás um favor ao País, ao Primeiro-Ministro, à tua família e a ti próprio.

2. Segue como única linha de rumo o respeito pelo interesse público, a imparcialidade, a defesa dos que têm menos voz. Não é difícil. Quando a tua agenda coincidir com a das corporações, estarás no mau caminho, já capturado.

3. Aprende a conhecer a Administração e respeita-a. Ela é em geral muito mais competente, confiável, leal e efectiva, do que poderás julgar. Pode ser lenta, mas está lá sempre. Não executes no teu gabinete o que a Administração pode melhor fazer. Farás depressa mas mal e tudo se perderá ao fim de quatro anos. Procura ter um gabinete pequeno e muito competente. Um gabinete de amizades, simpatias, tende para a incompetência, é objecto de zombaria geral. O descrédito propaga-se mais depressa que a confiança.

4. Legisla o menos possível. Temos muitas e óptimas leis. Se possível revoga ou simplifica as más, mas procura inovar o mínimo possível. Usa o mais possível as resoluções do conselho de ministros, para fixar estratégia e articular sectores verticais. Executa com equipas de missão, de vida efémera. Saem mais baratas.

5. Não deixes crescer mais a Administração Central. Pelo contrário procura reduzi-la, aproveitando a oportunidade da desconcentração territorial.

6. Não pretendas caçar na coutada do vizinho. Terás muito que fazer portas adentro. A cobiça de território é um puro instinto animal que o homem tem de aprender a sublimar. E sobretudo procura evitar essa prática recorrente de todos os ministros se sentirem vocacionados para a cooperação com os PALOP. Deixa ao MNE a orientação e poupa em missões numerosas e representação inconsequente. Quando saíres do Governo nada restará, foi tudo fogo-de-artifício. E quando julgaste ter conseguido algo nesta matéria onde não és especialista, será de péssima qualidade. Tenderás sempre a dar o peixe em vez da cana de pesca.

7. Não poupes tempo em leitura e estudo. Não temas as críticas de que há estudos, relatórios, livros brancos em excesso. Eles nunca serão a mais. Nenhum governo passa sem estudos. O progresso não nasce da intuição, mas de anos de trabalho afincado e competente. E se o resultado for transparente e participado, estreita as diferenças entre ti e os que são relutantes às reformas.

8. Viaja o mínimo possível, mas alguma coisa. Dentro do País procura utilizar o comboio. É mais seguro que o automóvel, permite ler e escrever, não viola os limites de velocidade, não é poluente e é económico. Optando pelo comboio dás um sinal da prioridade nacional em comunicações. Comboios rápidos e seguros serão a prioridade nacional para a próxima década.

9. Conversa de vez em quando, com os amigos de cá de fora. Uma vez por semestre recorre ao transporte público para ouvir o povo. Anda a pé sempre que te for possível, pois tenderás a engordar com o stress e a boa comida. Cada vez que viajes ao interior procura ouvir o país profundo, mesmo que seja mediatizado por reuniões partidárias locais. Não guardes esse contacto com o povo apenas para as eleições.

10. Finalmente, deixa que te recomende que não mudes de comportamento. Um nosso amigo comum, com grande experiência de liderança política, costuma dividir os seus amigos, quando vão para o Governo, entre “os que mudam” e “os que não mudam”. Lembra-te de que há eleições em cada 4 anos e os teus amigos de antes podem não ter paciência para esperar 4 ou 8 anos para te reaver. É que, poderás já ser dificilmente recuperável como amigo.

Dito isto, não quero deixar de te desejar felicidades. O teu sucesso será a nossa satisfação”

 


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Onde está o Wally (o custo do MB Way)?

É voz comum que os portugueses aderem rapidamente a novas tecnologias. E se envolverem telemóveis melhor ainda. E provavelmente por isso a SIBS e os bancos viram uma boa oportunidade quando criaram o MB Way, uma forma de utilizar o telemóvel para pagamentos e transferências. O site é simples, a publicidade está em vários sítios.

Mas, e há sempre um mas nestas coisas, depois de ultrapassados os vários passos de adesão, se o cliente quiser saber o custo de uma operação com esta nova possibilidade tecnológica encontra uma barreira – não se encontra facilmente essa informação.

No site MB Way tem uma frase em “banquês”: “O download e adesão não têm custos. Para saber todas as condições de utilização, consulte o(s) banco(s) emissor(es) do(s) cartão(pões) que vai usar no serviço.” Ok. Cabe aos bancos estabelecerem os preços. Mas podiam ter aqui os links para os sites dos bancos, para o ponto onde informam os clientes dos custos associados, ou não? Bom, correndo pelos sites de vários bancos (os de maior dimensão) não encontrei no preçário ou na informação referente ao MB Way informação sobre quanto custa fazer um pagamento ou uma transferência. Calculo que a resposta seja que existe uma equivalência entre usar o MB Way e uma qualquer transferência ou pagamento definidos no preçário. Uma busca rápida de internet encontrou um útil video do Jornal de Negócios, aqui, que avisa sobre as comissões mais elevadas aplicadas a este serviço face às alternativas, que têm aparentemente grandes diferenças entre bancos e entre fazer a mesma operação via internet ou nas caixas multibanco (o artigo completo em texto está apenas disponível para assinantes do site).

Procurar o custo de utilizar o serviço é como procurar o Wally, e não encontrei (em 15 min, depois desisti). E duvido que quando quiser usar o serviço seja avisado dos custos envolvidos antes de realizar a operação.

Para criar a confiança num novo serviço, a melhor estratégia será “esconder” o respectivo custo para o consumidor?

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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (6)

Ainda no capítulo 1 deste relatório da OCDE há a identificação de possíveis instrumentos para assegurar (ou procurar assegurar) a sustentabilidade orçamental das despesas públicas em saúde: obter novas formas de financiamento (origens de fundos), melhorar a eficiência da despesa pública em saúde e redefinir as fronteiras entre despesa pública e despesa privada. Os esforços na origem de fundos podem ter duas fontes: alargar a base de contribuições de uma forma geral, o que em sistemas como o português significa um esforço global de incluir todas as fontes de rendimento na tributação geral, ou então criar novas contribuições, nas quais se incluem os chamados “sin taxes” (sobre tabaco, álcool e elementos de alimentação não saudável). Mas chamam a atenção que este aspecto de diversificação de fontes de fundos é sobretudo importante nos países em que as despesas públicas em saúde são pagas a partir de contribuições baseadas em salários e não tanto em impostos gerais.

Sobre a melhoria da eficiência da despesa pública em saúde, as ideias apresentadas são retocadas de outras discussões, e incluem contenção da despesas com medicamentos, com destaque para o papel dos medicamentos genéricos como fonte de poupança de despesa; redução das variações de prática clinica; melhoria da coordenação entre níveis de cuidados de saúde, nomeadamente nas doenças crónicas; alteração da forma como se pagam aos prestadores de cuidados de saúde; e prevenção e promoção da saúde. A importância destes aspectos tem sido referida várias vezes, e o problema encontra-se mais na definição de medidas concretas e sua aplicação do que na identificação dos grandes temas.

Na redefinição do papel do sector público e do sector privado, as implicações retiradas pelo relatório são colocadas de forma clara: não se deve reduzir a cobertura da população nem ter aumentos generalizados de copagamentos. Mesmo nos copagamentos, é reconhecido que se forem valores pequenos, para “gerir a procura” então não vão levar a receitas substanciais. Aqui, parece-me que esquecem que o benefício da despesa que evitam, que reduz a pressão orçamental por contenção da despesa (com pouco valor) e não por aumento da receita. Este é um efeito pouco medido, o de custos evitados com as taxas moderadoras (nos termos usados em Portugal), e não parece ser um efeito muito forte.

Em termos de cobertura de serviços, a recomendação é ser especifico e selectivo na definição do que é coberto pela protecção pública face a despesas de saúde, com destaque para o papel da avaliação de tecnologias em saúde (que agora em Portugal estará a cargo do Infarmed, com o novo sistema SiNATS). Em concreto, sugerem estratégias activas de permanente ajustamento dos serviços que são incluídos – se a introdução de novas tecnologias se traduz em tornar obsoletas outras, então essas deverão ser eliminadas da cobertura pública, sobretudo quando a utilização das tecnologias se revela cumulativa (isto é, usam-se todas) em vez de substitutiva (a nova substitui a velha tecnologia, em lugar de se adicionar).

E assim termina este primeiro capitulo. Seguem-se os próximos no relatório.

(continua)


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (5)

A terceira secção do primeiro capítulo do documento da OCDE faz uma revisão do conhecimento sobre as tendências de crescimento da despesa em cuidados de saúde, tendo como principais pontos a) o crescimento das despesas em saúde foi mais rápido que o crescimento económico em geral; b) os anos de crise económica estiveram associados, em geral, com um crescimento das despesas em saúde mais lento; c) apesar do menor crescimento recente, continua-se a prever um crescimento da despesa pública em saúde para os próximos 20 anos, que poderá atingir um aumento de 2% do PIB. Portugal é incluído nos países que estão em risco de insustentabilidade orçamental das contas públicas por conta desta pressão, mas há também uma referência aos efeitos sobre essa mesma sustentabilidade orçamental do aumento das pensões.

De seguida, o relatório procura estabelecer os factores que têm gerado o aumento das despesas em saúde nos países da OCDE. Fazem uma diferença entre países com rendimento médio ou baixo, em que a principal força para crescimento das despesas em saúde é o aumento de cobertura (seja de pessoas seja de serviços abrangidos), enquanto nos países de rendimento mais elevado referem os quatro elementos essenciais: tecnologias, demografia, rendimento e características institucionais dos sistemas de saúde. Destes quatro, as tecnologias de saúde (o factor mais importante, com várias estimativas a colocar como responsável por cerca de 50% do crescimento observado) e o rendimento (incluindo maiores expectativas em populações com maior rendimento) são os elementos mais importantes, com a demografia e as características institucionais sendo muito menos importantes.

Este é uma conclusão comum a muitos estudos, incluindo para Portugal, e ainda assim em muitas intervenções públicas se coloca, erradamente, a demografia (envelhecimento da população) como um factor, senão “o” factor, de crescimento das despesas em saúde. E para não repetir argumentos já apresentados noutros posts, fica a sugestão de usar a caixa de procura neste blog com o termo “envelhecimento”.

(continua)


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Novo Doutor em Administração da Saúde

Defendeu ontem a sua dissertação de doutoramento Adalberto Campos Fernandes, que tem sido uma das pessoas mais visíveis na discussão dos problemas e da organização do sector da saúde em Portugal. Acresce que tem sido referido como Ministro da Saúde de um futuro Governo liderado pelo PS.

A tese versou sobre um tema sempre quente em Portugal, a relação público – privado na saúde, aqui tratada na nuance combinação público – privado (e o novo Doutor explicou o porquê da diferença na defesa pública). O título do trabalho é “A combinação público – privado em saúde: impacto no desempenho no sistema e nos resultados em Saúde no contexto português”.

A dissertação, pelo que foi possível aperceber pela discussão pública, reflete a experiência profissional do autor, além de ter tido uma recolha de informação própria (questionários e entrevistas)

A pergunta crucial que é natural surgir é “deve o sector privado crescer mais?”, interessante em si mesma e também pelo que possa ter de implicações para políticas futuras no campo da saúde. A resposta não foi evasiva (como poderia ter sido), tendo o autor defendido que o sector privado deve ter as características, incluindo aqui a dimensão, que melhor sirva o serviço público. Devem-se procurar sinergias e cooperação e não competição entre sector público e sector privado.

Mas esta parte surgiu na fase de discussão, e há que olhar para as hipóteses colocadas e as respostas que foram dadas às perguntas inerentes às hipóteses. Identifiquei, da apresentação inicial, três questões base: o sector privado contribui para melhorar a eficiência do sistema de saúde? Como afecta o sector privado a equidade? Encontramos melhores resultados de saúde da maior participação privada?

O horizonte temporal da análise foram as três décadas entre 1983 e 2013, tendo sido recolhida informação estatística para vários indicadores, feitos mais de 400 questionários e realizadas mais de 100 entrevistas. As diferentes formas de informação deram uma resposta globalmente coerente entre elas às perguntas colocadas. E em todas as respostas a conclusão é globalmente positiva para o papel do sector privado: contribui para a eficiência, contribui para uma maior equidade (nomeadamente na cobertura geográfica). Daqui se percebe a pergunta anteriormente colocada sobre se o sector privado deve crescer ainda mais.

Estas impressões decorrentes da discussão pública do trabalho poderão certamente vir a ser aprofundadas com a leitura da dissertação quando estiver publicamente disponível. Até lá ficam as felicitações ao novo Doutor em Administração da Saúde e aos orientadores, Helena Monteiro e Ricardo Ramos Pinto, do ISCSP.

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Produtividade: evolução dentro de cada empresa ou por mudanças de emprego entre empresas

A discussão sobre os efeitos do salário mínimo levantou alguma poeira. É necessário ir além dos impactos que podemos considerar normais. Do ponto de vista de teoria económica, é relativamente simples dizer que um salário mínimo que esteja acima do que é o salário de equilíbrio gera desequilíbrio, com desemprego. Grosso modo, o salário é de equilíbrio quando o valor da produtividade apropriado pela empresa que é gerado pelo trabalhador adicional iguala a disponibilidade do trabalhador para trabalhar para um salário igual a essa produtividade. Se for imposto um salário superior ao valor da sua produtividade, a empresa preferirá não contratar o trabalhador.

A questão que coloquei num post anterior foi se não haveria também efeitos associados com a procura de maior produtividade por parte de empresas que tenham a informação de que no futuro próximo, para um salário mínimo superior, ou são mais produtivas ou não sobrevivem. E que se algumas empresas não sobreviverem tal não é necessariamente mau para a economia portuguesa, numa lógica de abrir espaço para outras empresas. Num mercado com facilidade de entrada e de saída de empresas, este efeito seria pouco relevante, mas em Portugal há uma dificuldade (cultural?) em conseguir admitir que empresas falham e há uma dificuldade (legal, certamente, e também provavelmente cultural) em tornar novamente produtivos os activos (equipamento, organização até) de empresas que falham.

A insistência em tentativas de recuperação e de sobrevivência de empresas com pouca produtividade é um dos aspectos que dificulta o crescimento global da economia portuguesa. Um trabalho de 2013, de Mitsukuni Nishida, Amil Petrin, Sašo Polanec, Exploring reallocation’s apparent weak contribution to growth, NBER Working Paper 19012, http://www.nber.org/papers/w19012, retomou a questão de como a produtividade nas economias cresce, distinguindo entre aumentos de produtividade dentro de cada empresa e aumentos de produtividade por passagem de trabalhadores de empresas menos produtivas para empresas mais produtivas. Com base numa avaliação das experiências de Chile, Colômbia e Eslovénia, chegam à conclusão que o segundo efeito é mais relevante que o primeiro. Para Portugal, não conheço estudos que façam estes cálculos, mas seria interessante perceber qual é a nossa realidade e saber qual o efeito que um aumento do salário mínimo poderá ter nestes efeitos de produtividade dentro da empresas e na transição de trabalhadores de empresas menos produtivas para empresas mais produtivas.

 


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (4)

Retomando o documento da OCDE sobre sustentabilidade de sistemas de saúde, a secção 2 do primeiro capítulo discute o aspecto crucial de qual a definição de sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde.

O ponto de partida é a definição geral de sustentabilidade orçamental, que a OCDE toma como sendo a capacidade de um governo manter as financias públicas numa posição credível e com capacidade de pagamento no longo prazo. Ou seja, é uma definição baseada na lógica de criação de dívida excessiva para as gerações futuras. Não há assim um número mágico de défice público a ser alcançado ou um limite absoluto de dívida pública a não ser ultrapassado, o que gera natural ambiguidade na interpretação (e em particular, dado que se baseia numa lógica de futuro de longo prazo, abre espaço para diferentes previsões sobre crescimentos futuros de receitas e despesas levarem a diferentes posições sobre a sustentabilidade das contas públicas, aspecto que tem sido claro na discussão política geral).

Além da definição da OCDE, o documento refere também as definições de sustentabilidade da Comissão Europeia (de 2014) e a definição do Fundo Monetário Internacional (de 2007).

A definição de sustentabilidade orçamental pela Comissão Europeia é (numa tradução livre) “a capacidade de continuar, agora e no futuro, as politicas actuais (sem alterações nos serviços públicos e na tributação) sem levar a que a dívida pública cresça de forma continua em relação ao PIB”.

A definição do Fundo Monetário Internacional é “um conjunto de políticas é sustentável se a entidade (governo) é esperada continuar a pagar o seu serviço da dívida sem uma correcção futura irrealisticamente forte para equilibrar receitas e despesas”.

Note-se que nenhuma destas definições é especifica às despesas em saúde e à sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde que recebem dinheiro das contas públicas.

Relativamente ao sector da saúde, surge de seguida uma afirmação importante pelas implicações de perspectiva que tem (e que corresponde ao que tenho argumentado várias vezes): “relativamente ao sector da saúde, a sustentabilidade orçamental é provavelmente melhor vista como sendo uma restrição que precisa de ser respeitada do que um objectivo em si mesmo.” Ou seja, há objectivos do sistema de saúde que nos esforços para serem atingidos deverão ter em conta as restrições das contas públicas em lugar de tornar o corte de custos o objectivo em si mesmo.

Voltando às definições de sustentabilidade orçamental, e olhando para o modelo de organização utilizado em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde, a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde não pode ser desligada da sustentabilidade orçamental como um todo das contas públicas, e é nesse espaço global das contas públicas que deve ser colocada.

Esta visão que decorre das definições de sustentabilidade orçamental estava já presente na definição que em 2006 se adoptou em Portugal pela Comissão para a Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde: “Existe sustentabilidade do financiamento do Serviço Nacional de Saúde se o crescimento das transferências do Orçamento do Estado para o SNS não agravar o saldo das Administrações Públicas de uma forma permanente, face ao valor de referência, mantendo-se a evolução previsível das restantes componentes do saldo.”

Esta é uma definição complicada na escrita mas que corresponde em grande medida à preocupação de considerar a despesa em saúde num contexto global de despesas públicas, permitindo que estas despesas públicas em saúde cresçam desde que o crescimento das restantes despesas públicas tenha uma evolução que compense (crescendo menos ou até diminuindo em termos relativos). Focar do défice gerado (“saldo das Administrações Públicas”) e no longo prazo (“de uma forma permanente”) traduzem de outra forma o efeito sobre a dívida pública.

Estas definições de sustentabilidade orçamental implicam um problema: o que sucede quando são as restantes componentes da despesa pública que geram uma situação de insustentabilidade das contas públicas.

O documento da OCDE reconhece estas implicações da interdependência entre diferentes tipos de despesa pública quando refere que a “sustentabilidade orçamental não exclui automaticamente aumentos da despesa pública em saúde (…) numa perspectiva de crescimento pode ser preferível que a saúde substitua formas menos eficientes de despesa pública”. Claro que é preciso demonstrar que a despesa pública em saúde é mais eficiente que outro tipo de despesa, e não se pode acriticamente aceitar que toda a despesa pública em saúde tem efeitos positivos em termos de crescimento ou de melhoria da saúde da população, mas o aspecto principal é reforçar a ideia de que a sustentabilidade orçamental não implica um objectivo de despesa pública em saúde definido como rácio do PIB ou como estabilidade desse rácio actual.

E na medida em que a despesa pública em saúde é avaliada no contexto de toda a despesa pública terá inevitavelmente uma componente de escolha política envolvida.

Resumindo, a noção de sustentabilidade orçamental tem que ser vista no total das contas públicas, e a necessidade de assegurar a sustentabilidade orçamental implica restrições sobre a despesa pública em saúde. A maior ou menor pressão dessas restrições decorrem do que são as outras despesas públicas e do que são as opções políticas (entre diferentes tipos de despesa pública).

 

(continua)