Momentos económicos… e não só

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sobre “uma década para Portugal” (16)

A quinta e última área de propostas do relatório é dedicada a “investimento, inovação e internacionalização das empresas portuguesas”. Nesta área há um interesse pelo papel dos centros tecnológicos, no aproveitamento dos fundos comunitários, e o habitual discurso sobre formação, qualificação e relação universidades-empresas.

Relativamente aos centros tecnológicos que foram bem sucedidos, é necessário perceber quais os factores essenciais que ditaram o seu sucesso. De outro modo, pode-se estar a criar apenas centros de custos e não de dinamização da transferência de tecnologia. É também relevante saber quanto tempo levaram essas estratégias e esses centros a produzir resultados. A pressa em ver resultados pode ser aqui má conselheira.

Em termos gerais, como os que estão no relatório, o importante será os dinheiros públicos disponíveis serem usados no que gera mais externalidades positivas ou serem usados no que gera mais conhecimento apropriáveis? no conhecimento geral ou na obtenção de patentes pelas universidades? e se há fundos públicos, como evitar que haja actividades de “rent seeking” e riscos de captura pelos “suspeitos do costume”?

Um dos nossos problemas passados foi o mau aproveitamento dos fundos estruturais e do investimento público de forma mais geral, aplicado em utilizações com pouco retorno social (ou privado).

Mais importante é encontrar novas formas de financiamento das empresas, isto é, novas formas de fazer a ligação entre quem poupa e entre quem quer investir. Numa visão mais ampla, a nossa ambição deveria ser tornar Portugal um país atractivo como lugar para qualquer empresário europeu querer iniciar um negócio (o que será também bom para os empresários portugueses). Tudo o resto, de pacotes e programas, gera apenas teias de complexidade e cumplicidade, e não garante que os fundos disponíveis são usados da forma que mais beneficia o crescimento económico, sobretudo quando os projectos que recebem esses fundos têm a sua rentabilidade privada assegurada por existir fundos públicos que neles são colocados.

Esta preocupação é comum aos vários campos de origem de propostas nesta área: “aumentar o investimento com execução extraordinária de fundos europeus”, “reforço excepcional e simplificação do crédito fiscal ao investimento (alteração no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento e no regime contratual)”, “capitalização das empresas e desbloqueamento do financiamento aos bons projectos”, “Pacote de apoio à internacionalização: as empresas que internacionalizam reforçam-se em Portugal”, “promoção da reabilitação urbana e requalificação do património histórico”, “desenvolver a ligação universidade – empresa” para um novo patamar de inovação”, “descobrir e acelerar a inovação” e “a reforma da desburocratização para as empresas: menos tempo, pessoas e recursos dedicados à burocracia (SIMPLEX)”.

Há que aprender com os erros do passado nestas áreas, bem como com os sucessos. Saber o que funciona e o que não funciona. Quando se fala em processos de reestruturação, o fundamental não é o aspecto financeiro, e sim saber se os fundamentos da empresa justificam o esforço. Com a experiência que já existe, porque não criar um score da probabilidade de sucesso do processo e só aceitar quem tiver uma boa probabilidade de sucesso? fazer para os processos de reestruturação como os bancos fazem para a concessão de crédito?

Na definição de estratégias globais, acabar com a eterna tentação do Estado empresário, definindo programas e fundos que levem as empresas a fazerem aquilo que o Governo acha que elas devem fazer. Pelo dinheiro que lhes dê rentabilidade privada é natural que o façam, mesmo que o Governo tenha avaliado mal a rentabilidade social desses projectos. Claro que há exemplos favoráveis, como o turismo de Portugal nos últimos anos, mas será que é essa a regularidade. Teria preferido que neste campo, a discussão no relatório tivesse começado pelo que teve sucesso e não teve, antes de debitar o habitual leque de soluções.

No caso da ligação universidade – empresa, há que começar a pensar de forma diferente. Na verdade, no relatório há mais perguntas que respostas. A procura de respostas “habituais” deverá, aqui como nos outros casos, ser baseada na avaliação da experiência. Por exemplo, que resultados as várias incubadoras de empresas apresentam?

Porque não tentar uma abordagem baseada em definição de objectivos de investigação a serem alcançados, definir um problema que precise de uma inovação como resposta, e deixar que as empresas e universidades se juntem da maneira que acharem mais adequada para se candidatarem a procurarem essa inovação? Actuar pelos resultados e não pelos processos. Significa a necessidade de identificar bem o problema, e depois ter capacidade de acompanhamento dos trabalhos e dos dinheiros públicos que sejam gastos. Não tenho o modelo completo em mente, mas tentar algo de diferente parece ser crucial. E centrar a procura da inovação no que possa criar mais externalidades positivas e não gastar tantos esforços na selecção de empresas ou sectores (para uma necessidade a resposta pode até vir de um sector inesperado).

Quando cheguei às catapultas, só me lembrei de:

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sobre “uma década para Portugal” (15)

Por fim, dentro da Administração Pública, olhemos para “o papel das privatizações e concessões e a regulação do mercado do produto”. O que é chamado de proposta é um texto demasiado longo e difícil de resumir, onde se misturam alguns princípios base com a crítica à actuação do actual Governo.

No caso das privatizações, a discussão de princípio é relevante: a privatização deve maximizar o encaixe financeiro – caso em que o Estado pode criar as chamadas “rendas excessivas” para “engordar o pouquinho”- ou deve contemplar outros objectivos, e neste último caso quais?

De um ponto de vista económico, o melhor standard de julgamento será o que gere maior valor social para os cidadãos / consumidores. É uma versão diferente da usada no relatório que fala em “incorporação tecnológica que beneficie o funcionamento eficiente da economia”. Podem até resultar no mesmo, mas focar nos cidadãos e não na tecnologia ou na empresa é importante.

Quando há alguma concretização de ideias, refere-se “maior poder e independências do supervisores e reguladores sectoriais e da Autoridade da Concorrência”. A sério? mesmo depois da revisão que foi feita durante o período da troika? Os estatutos das entidades reguladoras acabaram de ser revistos. A bem da estabilidade institucional (também é defendida noutros pontos do relatório), é melhor deixar, de momento, as instituições existentes funcionarem. E a independência do regulador depende mais da tentação dos governantes em telefonarem, formal e informalmente, para os reguladores, e de estes estarem mais ou menos ao serviço desses telefonemas, do que de regras.

Já agora, podem-se igualmente evitar algumas frases que parecem mais fortes mas que não são exactas. Por exemplo “Um monopólio privado, sem uma regulação eficaz é seguramente pior do que a manutenção de um monopólio público”, O “seguramente” significa sempre, o que não é verdade, embora geralmente se possa pensar que assim sucede. Um contra-exemplo para esta afirmação é dado pela ineficiência de custos que frequentemente um monopólio público tem. Numa toada mais técnica, se num mercado em que a elasticidade procura – preço é 4 (aumento de 1% no preço significa redução de 4% na procura), então um monopólio privado é equivalente a um monopólio público que faça preços iguais a custos mas tenha custos 33% superiores (nota técnica: custo marginal constante).

Outro ponto que merece um comentário é a proposta de “aumento de poder dos supervisores e reguladores sectoriais e da Autoridade da Concorrência na imposição de medidas preventivas do abuso de posição dominante com base regulamentar”. Ora, se no caso dos reguladores sectoriais, esse tipo de actuação faz parte natural das suas atribuições, por intervirem por antecipação, no caso da Autoridade da Concorrência, em que a grande parte da actuação é monitorização e verificação (sendo a única excepção o controle de operações de concentração), não há forma de ter essa prevenção por regulação em todos os mercados que existem e que não estão sujeitos a regulação sectorial. E o que é proposto é abandonar o princípio de que é sancionado o abuso de posição dominante e não a sua construção.

Problema similar surge quando se apresenta outra proposta “possibilidade dos supervisores e reguladores sectoriais e da Autoridade da Concorrência determinarem separação e venda de actividades de uma empresa, quando esta tenha adquirido uma posição dominante no mercado por integração vertical ou horizontal do processo produtivo” – à partida, se a integração gera preocupações de posição dominante, a Autoridade da Concorrência deveria ter detectado no momento dessa integração. As fusões de empresas são de notificação obrigatória à Autoridade da Concorrência portuguesa (ou à própria Comissão Europeia) quando se ultrapassam determinados critérios (que essencialmente definem que é uma operação importante). E parece pouco provável que a cisão obrigatória de empresas seja um instrumento fácil de usar. Não há casos frequentes disso a nível internacional.

É também proposta “a criação de uma ou várias instâncias arbitrais especializadas em questões de concorrência”, ora existe já um tribunal especializado para questões de concorrência, e talvez de começar por avaliar o quem tem sido ex. experiência.

Se o objectivo geral das diversas intervenções propostas neste campo é o de facilitar o funcionamento da economia, uma sugestão é a de procurar a venda com rapidez dos activos produtivos das empresas que entrem em falência, para estimular entrada de empresas mais eficientes do que aquelas que vão falindo, baixando-lhes o custo de equipamento. Relembro aqui a discussão tida num post inicial sobre este relatório a propósito das empresas nacionais que fecham venderem as suas máquinas no exterior. Aliás, seria interessante saber quantas empresas em recuperação acabam por se salvar e se não seria melhor terminar muitas delas rapidamente.


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também quero um monopólio privado,

a propósito da intenção de cobrar 20 (vinte) euros como bandeirada mínima nos táxi a partir do Aeroporto. O argumento (aqui) é que os motoristas estarão fardados e o carro terá ar condicionado. A reacção de um governante, “Como modelo não me parece mal. Ainda me parece melhor se resultar de um acordo alargado” (Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes) deixou-me numa primeira leitura espantado, esmagado mesmo. Assim de repente pareceu-me que era obrigar os consumidores (os viajantes que chegam às chegadas do aeroporto da Portela) a consumir um produto que não querem forçosamente (motorista fardado, carro com ar condicionado, tarifa a condizer) a um preço para o qual não lhes dão alternativa.

Tomemos pelo lado positivo, oferecer um produto de maior qualidade ao viajante. Ok, nesse caso não bastaria ter uma fila paralela devidamente identificada com as condições praticadas e deixar que fosse o viajante a decidir? liberdade de escolha, concorrência, não são princípios que se querem para o funcionamento da economia?

Claro que o consumidor tem alternativas. Aparentemente se se deslocar à zona das “Partidas” continuará a ter oferta de táxis à tarifa normal (pelo menos a acreditar na notícia do DN, que não vi a proposta de acordo). E se mesmo esta alternativa for suprimida (e não vejo como não se quererá levar o monopólio privado das fardas e ar condicionado para esta zona também, ou fazer com que a tarifa normal nas Partidas deixe de ser opção), restará apanhar o metro até à Gare do Oriente e aí apanhar um táxi à tarifa normal, com a perda de tempo e incómodo acrescidos. Ou então usar a Uber (ilegal? depois desta ideia?) ou uma alternativa que possa surgir. Mas qualquer destas soluções implica um custo adicional, menor ou maior, para o consumidor.

Mas as primeiras impressões são as primeiras impressões.

Depois de reflectir conclui que estava errado, e que não se tratava de criar um monopólio privado. Afinal deve-se ser favorável à iniciativa privada. Sendo assim decidi aderir à ideia, e participar nela. Sendo requisito que o carro tenha motorista fardado e ar condicionado a funcionar, reclamo ser entidade fiscalizadora das condições de cada táxi antes deste apanhar o passageiro para verificação das exigências legais, em situação de exclusividade. Pelos meus serviços cobrarei 10 euros por viatura inspeccionada, acrescido de um subsídio de risco de 1,5 euros, caso o taxista não queira deixar o local na circunstância de não ter as condições legais preenchidas para o exercício da actividade e se exalte (enfim, sabemos que não é provável, afinal está fardado, mas ainda assim, é melhor prevenir). Apenas a minha empresa (a constituir) será certificada para a prestação deste serviço. Acresce ainda 1 euro ao serviço para pagar à ANA a disponibilização das instalações para os funcionários que procederão à verificação de cada veículo.

Encontro-me à procura de um parceiro da área ambiental para proceder aos testes adequados no interior do veículo para confirmar a ausência de elementos prejudiciais à saúde, que isso de ar condicionado pode ser complicado e é preciso defender o condutor do veículo e os passageiros na sua saúde. O serviço será obrigatório, com natureza semanal. Naturalmente, apenas esta nova empresa a constituir estará devidamente certificada para prestar o serviço, que terá o valor de 20 euros por viatura por semana. A contratação de um pack anual terá um desconto de 10%.

A dignidade do exercício da actividade de motorista de aeroporto em Lisboa terá de ser assegurada por fardamento condigno, que uma estilista minha conhecida assegurará a preços em conta, e com renovação anual do fardamento, num exercício de contínuo acréscimo de valor no serviço prestado. Será também dada formação em línguas aos condutores, com um processo de recertificação anual, sem a qual não estarão habilitados para exercer a actividade. Encontra-se já em constituição a única empresa que será certificada para esta formação específica, “Inglês, alemão, francês, italiano e espanhol para turistas que apanham táxis” – o mandarim deixo para as empresas de outros sectores especializadas no mercado asiático e que poderão assim expandir a sua actividade. Para que não copiem, ficam já avisados que o nome da empresa é “euros4taxis”.

É também fundamental criar uma “carta dos direitos e deveres do consumidor de serviço de táxi no aeroporto de Lisboa”. Por exemplo, o taxista fardado deverá ter o direito de excluir passageiros que manifestamente aparentem ter uma constipação, pois a mesma poderá ser exacerbada pelo uso do ar condicionado do veículo. Estou disponível para juntar uma equipa técnica de juristas e economistas para a elaboração desta carta, numa comissão com um mandato de seis meses para apresentação de proposta, e obviamente deverá ocorrer posterior fiscalização, com a criação de uma Entidade Reguladora do Serviço de Táxi no Aeroporto (ERS-TaxA), essencial para receber as reclamações que possam ocorrer no sector.

Estas propostas, além de inovadoras e de ajudarem a cumprir a missão da Antral de dar a cada passageiro um condutor fardado e um carro com ar condicionado nas melhores condições, reúnem também um consenso alargado, pelo menos entre amigos e família creio que o conseguirei, e dinamizam o emprego na economia portuguesa.

PS. Que a Antral tente criar um monopólio privado local no Aeroporto de Lisboa, parece-me até natural. Que lhe seja dada essa oportunidade é contraditório com a campanha da Autoridade da Concorrência “com concorrência todos ganhamos”

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sobre “uma década para Portugal” (14)

Ainda dentro do grande chapéu da administração pública surgem dois outros tópicos, “aumento da celeridade, acessibilidade e confiança no recurso à Justiça” e “O papel das privatizações e concessões e a regulação do mercado do produto”.

No caso da Justiça, são-lhe dedicados dois parágrafos, e um conjunto de “bullet points” depois de “A reforma deve assentar nos seguintes eixos essenciais”. Ou seja, pouca ou nenhuma atenção foi dada. Como o tema da Justiça é reconhecidamente importante, é repetidamente incluído nas reformas de cada Governo, para o seguinte voltar ao tema, torna-se necessário procurar melhor a identificação do problema e das soluções para esse problema.

Aproveitando também aqui o trabalho desenvolvido nas Sextas da Reforma, reproduzo o resumo da contribuição de Nuno Garoupa:

“Segundo Nuno Garoupa, a discussão pública sobre o sector da Justiça tem vários mitos que precisam de ser desmontados. Em primeiro lugar, deve salientar-se que a crise da Justiça não é uma particularidade portuguesa, pois está presente nos outros países com ordenamento jurídico similar. Em segundo lugar, solucionar os problemas que existam na área da Justiça não resolve automaticamente os outros problemas da sociedade e da economia. Terceiro, a gestão por objetivos, popular importação de outras áreas, choca com a incapacidade política, por um lado, e com a dificuldade intrínseca de os fixar, por outro lado. A qualidade neste campo é um aspeto dificilmente mensurável. Ou há um investimento na procura e definição cuidada de métricas que possam ser facilmente calculadas, por rotina, ou torna-se necessário procurar outra abordagem.

Toda a história recente revela a incapacidade de produzir no terreno uma reforma (independentemente da bondade da mesma), em que reforma signifique uma alteração substancial na forma como a Justiça opera em Portugal. Nuno Garoupa coloca no governo da Justiça a chave da mudança para um novo paradigma.

Para Paula Costa e Silva, o problema da despesa pública na área da Justiça não é de quanto gastar mas onde gastar, para que sejam produzidos efeitos.

A comparação da eficiência do sistema de Justiça entre países não pode ser feita recorrendo apenas a indicadores, por muito atrativo que esse exercício possa ser. Diferentes opções sobre sistemas processuais geram tempos de decisão distintos. Por isso, é necessário ir aos fundamentos.

A gestão dos recursos humanos é crucial para uma melhor Justiça, em que a noção de carreira e sua gestão chocam com as necessidades do enquadramento criado. Exemplo é a rotação de juízes não especializados entre tribunais especializados.”


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Chalet suíço e sequoias

Se de repente tiver vontade de ver um Chalet suíço e abraçar uma sequoia, a solução não é apanhar avião para Genebra e depois para o Norte da Califórnia. É mais simples ir visitar o Chalet da Condessa D’Edla, no Parque da Pena em Sintra, e andando pelo parque encontrar as sequoias mais à frente. Publicidade tipo “vá para fora cá dentro” depois de há poucos dias ter visitado o Chalet. Fiquei na altura a saber, via placa informativa, que recebeu um EEA grant (cortesia sobretudo da Noruega) e um prémio Europa Nostra de conservação de património.O mínimo que podemos fazer para agradecer a quem deu um milhão e meio de euros para esta recuperação é visitar e passear no jardim, já agora, que é magnífico. Ora, de momento, aparentemente há menos de 100 visitantes por dia, mesmo ao fim de semana. O que é uma pena.  É certo que o bilhete de entrada não é barato (€9,50). Mas tem-se do jardim uma vista magnífica sobre o Palácio da Pena, consegue-se estacionar perto da entrada, e não é preciso andar muito para ver sequoias. Fico também curioso em saber se um preço mais baixo não levaria a maiores receitas pelo aumento do número de visitantes.

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sobre “uma década para Portugal” (13)

Continuando na discussão sobre o sector público, há uma referência ao “desenvolvimento territorial” relativamente breve, onde além das observações genéricas, surge como proposta ” a nível da administração importa reforçar o papel do ministro do desenvolvimento regional e das CCDR”. Também a propósito deste tema remeto para o documento Sextas da Reforma e o contributo de Rui Nuno Baleiras, que inclui este aspecto papel político de alto nível, mas vai além disso: “(…) o território é onde as pessoas e as políticas públicas se encontram e o estado do desenvolvimento dos territórios é reflexo do enquadramento económico, que enfrenta algumas forças de bloqueio. A este propósito, foram transmitidas duas ideias fortes: por um lado, todos os territórios contribuem para o crescimento; por outro lado, a ação política para as regiões periféricas não tem de ser assistencialista, pois pode e deve ser um elemento indutor do crescimento através de políticas estruturais. Negligenciar regiões periféricas significa que se perdem oportunidades de crescimento.

Rui Nuno Baleiras defendeu ainda que os fatores de bloqueio de crescimento não estão apenas nas regiões desfavorecidas, pois há diversos bloqueios institucionais em Portugal. Um dos evidenciados é a perceção sobre as políticas sectoriais sem que se tenha uma visão transversal, o que é agravado pelo facto das questões de desenvolvimento estarem demasiado longe das preocupações do cidadão comum. Como pistas de solução, Rui Nuno Baleiras salientou a promoção de mecanismos de governação horizontal, que traduzam a explicitação de uma visão territorial por parte do Governo (e a importância de haver um responsável político de valor reforçado com esta preocupação), bem como o reforço do peso dos círculos eleitorais com menor densidade territorial.”

De alguma forma relacionado, está o ponto “descentralização e desconcentração dos serviços da Administração Pública”, onde se defende “abrir novas lojas de cidadão, balcões multiserviço, unidades móveis de proximidade e promover a utilização assistida de serviços electrónicos”, utilizando fundos comunitários. No entanto, o mais importante é descobrir qual o mecanismo mais efectivo e com que capilaridade se quer estabelecer a rede de descentralização. Abrir lojas e balcões dedicados implica que haja uma escala mínima, o que por sua vez deixa populações mais remotas afastadas. Porque não pensar num papel a desempenhar pelas juntas de freguesia numa primeira linha, e para resolver problemas mais complexos definem-se canais de comunicação e referenciação eficazes. Levar os serviços para perto das pessoas é a verdadeira descentralização, mas a resolução de problemas mais complexos pode necessitar de uma resposta central.


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sobre “uma década para Portugal” (12)

O relatório “Uma década para Portugal” tem uma quarta área de propostas dedicadas à “promoção das competências técnicas e sociais da Administração Pública”. Neste campo, é desejável que se aproveite a experiência de reflexão das Sextas da Reforma onde diferentes textos e comentários trataram directamente de algumas das questões retomadas neste ponto. Em lugar de (re)inventar tudo, pode-se aproveitar as reflexões de outros para ter um ponto de partida. Como o documento optou por não indicar referências ou fontes de inspiração, tanto pode haver um pensamento estruturado e baseado em evidência por detrás das propostas como haver apenas uns quantos “achismos” e ideias rápidas. Também a conferência Afirmar o Futuro – Políticas Públicas para Portugal, organizada numa parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia da Serra, tem ideias e propostas que deveriam ser lidas com cuidado.

O primeiro ponto desta conjunto é sobre emprego público, sobre admissões e incentivos na administração pública. O que é dito não traz nada de realmente novo, nem faz pensar de forma diferente. A este propósito, reproduzo algumas das conclusões das Sextas da Reforma, a serem consideradas na apreciação destas propostas:

“Reformas permanentes que geram incapacidade de mudança, ou a instabilidade perversa

As constantes mudanças acabam por ter efeitos perversos, impedindo a consolidação de instrumentos e de objetivos. Nas palavras de Miguel Pina e Cunha, “uma mudança parece ser neutralizada por outra mudança (…) mudanças a mais impedem as alterações de ganhar raízes e de se traduzirem em novas abordagens dotadas da necessária aderência”. (…)

Mudanças que perduram levam tempo a construir

A mensagem de ser necessário tempo para uma construção duradoura de um diferente funcionamento do sector público, e dentro deste do processo orçamental, surgiu associado ao reconhecimento de que demasiada mudança acaba por nada mudar.

(…)

Em geral, leis não ditam de forma tão detalhada como se pensa a forma de trabalhar. Há sempre um elemento de interpretação humana. Primeiro, deve-se ver quanto se pode fazer dentro da legislação vigente, e depois consolidar com legislação o que se conseguiu avançar, antes de continuar com mais passos.”

Há também que pensar numa gestão de recursos humanos moderna dentro da Administração Pública. O princípio de que é preciso atrair profissionais para zonas “desertas” com diferenciação monetária constitui a admissão de o mesmo trabalho feito em diferentes zonas geográficas ser um “serviço económico” diferente. E se usar a diferenciação salarial é um instrumento óbvio e relativamente fácil, há que pensar em mais do apenas incentivos pecuniários – condições e projecto de vida profissional e pessoal, formas de levar a que esses profissionais não fiquem isolados, pensar também em vantagens em mobilidade futura de progressão de carreira, etc.

Esta forma de pensar leva directamente ao que é a segunda proposta, “política salarial e de carreiras” na administração pública, onde se fala novamente apenas nos aspectos salariais, em particular na reposição da redução salarial. O que para uma década ou mesmo uma legislatura, é pouco como pensamento. Mesmo os considerandos sobre “flexibilidade e responsabilidade” dos gestores públicos não traz grande novidade. É necessário concretizar muito mais.

Em primeiro lugar, há que vencer uma natural falta de credibilidade resultante das decisões tomadas durante o período de ajustamento. Qualquer período futuro de crise, com novo resgate ou próximo disso, poderá levar a medidas “excepcionais” que reneguem qualquer compromisso assumido agora. Para ganhar credibilidade será preciso ter passos simples e promessas e regras que sejam cumpridas.

Neste ponto sugiro a leitura do texto do Miguel Pina  e Cunha para o programa  Sextas da Refoma, “Uma burocracia insuficientemente burocratizada? Uma estranha interpretação sobre a administração da Administração Pública”, e  num texto com Arménio Rego, na conferência Afirmar o Futuro, sobre menos mudança para mais mudança (aqui).

Na parte sobre “retoma e aprofundamento das autonomia das instituições públicas”, a sugestão  de discussão é a leitura dos textos de Luis Morais Sarmento e de Orlando Caliço no Sextas da Reforma.

Reproduzindo do documento Sextas da Reforma, “Luís Morais Sarmento apresenta uma proposta de organização dos ministérios que distingue entre a componente de apoio à decisão política e a(s) componente(s) operativa(s), com duas características centrais: redução da fragmentação e tornar cada ministério sectorial o interlocutor orçamental para o Ministério das Finanças (Direção-Geral do Orçamento), em representação e agregando todas as entidades que dele se encontram dependentes. (…) [um] sistema de controlo reforçado (…) [que] assenta em várias linhas: responsabilização política ao nível do ministro de cada pasta; identificação de um responsável pela execução do orçamento do ministério, que seja o único que se relacione com a Direção-Geral do Orçamento; produção e publicação regular por cada instituição pública de uma síntese da sua situação orçamental e perspetivas, numa página A4; definição de um quadro de incentivos ao cumprimento dos compromissos orçamentais, em que ministros têm que assegurar dentro das verbas dos seus ministérios a compensação de quaisquer derrapagens orçamentais que ocorram; e responsabilização acrescida para evitar sobrestimação de receitas que são utilizadas para justificar certas despesas, mas que depois permanecem mesmo quando essas receitas não se materializam.”

A maior novidade, no sentido de ser menos vago, surge no terceiro aspecto “criação de centros de competências”, que basicamente procuram criar sistemas de serviços partilhados por vários pontos da administração pública. Havendo eventual vantagem nalguma concentração dessas actividades, o melhor modelo não é imediato pois podem também surgir problemas com alguma facilidade: ter muitos “chefes” significa confusão e dificuldade em estabelecer prioridades; não é claro se os pedidos a esses centros de competências implicam algum tipo de pagamento, mesmo que internamente à administração pública – é que se não existir, como controlar a sua utilização excessiva?

Também seria útil saber onde está a ser usado e com que resultados.


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sobre a discussão do Relatório Gulbenkian na Assembleia da República

Teve ontem, dia 12 de maio, lugar uma sessão de apresentação e debate do relatório da Gulbenkian “Um Futuro para a Saúde- todos temos um papel a desempenhar” no Senado da Assembleia da República, onde os principais partidos apresentaram as suas posições.

Antes de dar conta do que retive das posições apresentadas em detalhe, há vários aspectos que se devem referir. O relatório tem a proposta do que na versão inglesa se chama “compact for health”, e que em português fica “pacto”. Pacto tem uma conotação mais forte, a meu ver, do que é necessário alcançar – o que é preciso conseguir é uma visão partilhada e comum, com princípios, valores e objectivos gerais. Não é assinar uma política comum de saúde para os próximos 25 anos, é assumir objectivos, que podem ser alcançados de várias formas, com margem para diferentes políticas de cada um. E pareceu-me que esses princípios são em grande medida comuns, com diferenças na importância relativa de alguns objectivos e sobretudo nos “instrumentos”. Fiquei com a sensação de apenas o combate político em tempo de eleições impedir que se consiga essa visão partilhada a 25 anos.

Pontos gerais de consenso: disponibilidade para pensar num horizonte alargado, Serviço Nacional de Saúde como elemento central sem que isso signifique eliminar o sector privado do sistema de saúde português (a extensão do sector privado é um dos pontos de diferença), maior participação dos cidadãos (o que significa exactamente também terá diferenças).

Mas vamos aos pontos (telegráficos) de cada intervenção (o que deles retive, naturalmente), tentando ser fiel ao que cada pessoa disse:

Helena Pinto (Bloco de Esquerda)

  • importância de melhorar as condições de saúde e as condições de vida, expressando preocupação com o agravamento das desigualdades sociais cujo aumento afecta as condições de saúde
  • não rejeita trabalhar num horizonte temporal mais alargado, embora não se possam ignorar as necessidades urgentes dos dias que correm
  • colocar o SNS no centro das políticas de saúde
  • a participação dos cidadãos deve permitir que estes tenham uma palavra a dizer sobre como organizar toda a prestação de cuidados de saúde (expressou preocupações quanto a restrições à carta de direitos do utente)
  • defesa das equipas multidisciplinares
  • ir mais longe nos desafios: quantificar e dar meios, não serem apenas projectos, com referência ao que é proposto no relatório
  • realce ao papel dados às autarquias
  • no financiamento do SNS, defesa do uso exclusivo do Orçamento do Estado, rejeitando introduzir pagamentos na prestação e defendendo eliminar os que já existem
  • o financiamento das unidades de saúde deve ser feito com base nas suas necessidades
  • recusar que o Estado saia da prestação de cuidados de saúde; o sector privado é complementar e suplementar, não concorrencial
  • – actualmente, o sector da saúde não colhe a confiança dos cidadãos.

Paula Santos (PCP)

  • A saúde como parte da democracia social
  • Serviço Nacional de Saúde e não sistema de saúde (redução do papel do sector privado)
  • aspecto central – prevenção da doença e promoção da doença é um elemento estratégico, é necessário intervir antecipadamente
  • importância da visão de longo prazo
  • participação da comunidade em geral – é um objectivo meritório desde que não seja no sentido de transferência de responsabilidades do Estado
  • relevância do contributo da comunidade na definição das linhas estratégicas
  • mudança de centralidade dos hospitais para os cuidados de saúde primários
  • preocupação com as desigualdades
  • saúde deve ser vista como um investimento
  • a visão economicista não se pode sobrepor à visão clínica

Teresa Caeiro (CDS/PP)

  • salvaguardar o Serviço Nacional de Saúde
  • a importância de mais desafios: demências, papel dos cuidadores informais e cuidados paliativos
  • a importância de como enfrentar o desafio da inovação (incluindo a distinção entre novidade e verdadeira inovação)?
  • não há soluções fáceis e não há soluções únicas
  • não vale a pena fingir que não há problema de sustentabilidade
  • base de envolvimento alargado: prevenção, literária, acesso a informação, envolver também toda a comunidade
  • as questões da saúde serão transversais a várias áreas
  • necessidade de uma visão estratégica a 25 anos

Luisa Salgueiro (PS)

  • melhoria do SNS depende da capacidade dos actores políticos
  • há uma nova dimensão das responsabilidades a dar aos cidadãos – as estratégias para promoção de estilos de vida saudável estarão associadas com uma nova cidadania
  • evolução positiva nos 35 anos do SNS não impede que haja espaço para melhoria
  • relevância da definição de uma estratégia de sustentabilidade
  • é positivo o reforço da saúde pública
  • relevância de aprender para depois generalizar
  • este relatório não critica os limites constitucionais e confia no actual sistema
  • o próximo governo encontrará um SNS fragilizado

Luis Montenegro (PSD)

  • relatório foi elaborado num período de dificuldade acrescida para Portugal
  • o sistema de saúde apresentou resiliência pela dedicação dos profissionais de saúde
  • não colhe a ideia de que o SNS está mais fragilizado hoje
  • atender ao esforço feito para regularizar a dívida, o que foi feito mantendo o essencial do SNS
  • importância do combate às situações de fraude
  • apesar de todas as dificuldades, o SNS conseguiu oferecer mais (melhoria de acesso com mais consultas, internamentos, urgências; evolução da política do medicamento).
  • aumento das isenções das taxas moderadoras
  • fazer o debate sem estar à procura de limitações ideológicas, encarar a evolução do SNS com a distância possível do combate político imediato
  • proposta de um pacto, comprometimento alargado dos partidos políticos, mas também dos cidadãos, autarquias, profissionais de saúde, etc… – ideia que não deve ser desmerecida
  • imperioso garantir estabilidade para que se produzam resultados
  • não há divergências de fundo quando aos grandes objectivos

Paulo Macedo (Ministro da Saúde)

  • o relatório teve o cuidado de conhecer o presente e as tendências para estabelecer o ponto de partida
  • necessidade de um compromisso quanto ao futuro, com um conjunto de princípios que não sejam apenas generalidades
  • temos um SNS de elevada qualidade que presta serviços relevantes e é tido em apreço pela população
  • para o futuro: reduzir a mortalidade precoce, aumentar a qualidade de vida acima dos 60 anos, melhor cuidados informais também potenciais pelas tecnologias de informação, cuidados de proximidade, maior transparência, maior conhecimento dos resultados em saúde, redução das iniquidade
  • primeira iniciativa, redução da infecção hospitalar, está no terreno
  • a prazo, obter custos de infraestrutura mais baixos
  • como aumentar a liberdade de escolha do cidadão?
  • é saudável a diferença entre partidos, dentro de um compromisso global

Guilherme Silva (presidente da sessão, vice-presidente da Assembleia da República)

  • comum a todas as intervenções – contributo positivo do relatório produzido pela Fundação Calouste Gulbenkian
  • necessidade de passos de convergência para uma visão estratégica a 25 anos
Créditos fotográficos: Facebook da deputada Luisa Salgueiro

Créditos fotográficos: facebook


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sobre “uma década para Portugal” (11)

A terceira área de conjuntos de propostas é a educação, “um sistema educativo para um mundo globalizado”. As propostas apresentadas são bastante triviais. Falta em todas elas uma descrição do impacto que possam nas contas públicas, no investimento, no crescimento económico ou em qualquer outra das variáveis que foram definidas como objectivo. A primeira proposta é de “criação de um quadro docente estável nas escolas”, a segunda é o “aprofundamento das experiências piloto feitas com escolas e no âmbito dos TEIP no sentido de um combate sério ao abandono escolar e à retenção”(pressuponho que TEIP seja territórios educativos de intervenção prioritária (?)) e a terceira “aposta num ensino secundário profissionalizante feito em colaboração estreita entre as escolas e empresas”.

Em qualquer uma destas propostas, seria interessante clarificar que mecanismos ou enquadramentos institucional fazem a disseminação de boas práticas e se deixam depois à liberdade de cada escola a escolha da “melhor prática” que a ela se ajusta. Volta-se também para inevitável (?) modelo de que a ligação ao tecido empresarial é que é, com as palavras do costume (empregabilidade, competências técnicas e transversais, qualificação, etc.). Dado que este discurso é recorrente, o primeiro passo deverá estar em perceber porque ainda não se passou da retórica à prática.

Na verdade, porque é que as empresas de uma região quererão estimular competências transversais e não as competências específicas que lhes interessam? porque terão interesse em ano após ano repetirem este processo? não terão certamente capacidade de empregar todos os alunos que as escolas querem que formem? Se as escolas definem com as empresas da sua região “currículos claramente virados para a empregabilidade”, aceita-se então que o ensino será diferente de área para área? (de outro modo tem-se uma contradição), e se é diferente de área para área, então os alunos deveriam ter informação sobre as diferentes possibilidades e ter mobilidade? (de outro modo, porque é os alunos de uma área geográfica deverão ficar “agarrados” ao que as empresas dessa área definem?) Como é que se garante uma igualdade de oportunidades via ensino com este modelo empresarial?

E se as empresas possuem interesse nestas parcerias, não deveriam também entrar com recursos? e se não têm interesse, como garantir que a parceria funciona bem?

As intenções podem ser boas, mas os detalhes são essenciais para o sucesso. Será que se consegue apresentar a base de evidência para um modelo de organização destas relações que cumpra princípios gerais e que atinja os objectivos pretendidos?

Outras duas propostas no campo do ensino são “reforçar o acesso e a empregabilidade no ensino superior” e “formação ao longo da vida. Também aqui há uma visão geral mais do medidas concretas. E há ideias até com algum interesse, mas sem serem devidamente exploradas. Por exemplo “criar incentivos (…) ponderando consignar uma proporção do IRS pago pelo ex-alunos de cada Universidade ao seu financiamento” (em que condições, durante quanto tempo, e dos ex-alunos que trabalhem no exterior, podem os ex-alunos “bloquear”, com que liberdade podem esses fundos ser usados, isto ainda antes de pensar no valor a transferir).

Na formação ao longo da vida, cai-se nas políticas activas de emprego. Sendo claramente adequada a preocupação com o desemprego de longa duração, o primeiro passo é saber que políticas resultaram ou não. O facto de poder haver propostas neste campo que podem ser concretizadas, a acreditar no que está escrito, com as verbas que “já estão previstas no âmbito dos fundos estruturais”, não significa que estas sejam automaticamente as melhores políticas.


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sobre “uma década para Portugal” (10)

Seguindo a lista de medidas do relatório, a próxima é “redução dos custos com o cumprimento das responsabilidades fiscais”, que tem como pontos de interesse a simplificação do sistema de taxas. Sendo boa ideia simplificar, dois comentários rápidos: não há qualquer ideia do impacto que possa ter nos vários objectivos de interesse. E por outro lado, perde-se a oportunidade de pensar em termos das distorções que são criadas pelas taxas marginais de imposto muito diferentes das taxas médias para níveis de rendimento relativamente baixos (quando comparados internacionalmente). Este aspecto está ligado a um aspecto que foi mencionado a propósito do mercado de trabalho – investimento específico que aumente a produtividade. Do ponto de vista do trabalhador, investir pessoalmente tempo e esforço em ser mais produtivo para passar de um salário de 1500 para 2000 euros por exemplo, significa o quê? se for aumentando em 500 euros qual o seu rendimento liquido adicional (dependerá da taxa marginal de imposto que tenha de pagar e das contribuições para a segurança social); e se for uma passagem de 2000 para 2500 euros? e de 2500 para 3000 euros mensais? Pode-se argumentar que estes não são a maioria dos salários pagos em Portugal, mas se há preocupação com reter profissionais qualificados, ter inovação, etc., os salários líquidos em Portugal irão ser comparados com os que podem ser obtidos fora.

E surge depois a “redução do IVA da restauração de 23% para 13%”. A única forma de entender esta medida é a teimosia política. Não se está a ver onde esta medida aumente a produtividade da economia (a restauração não será uma actividade de elevado aumento da produtividade), nem como consegue aumentar a internacionalização das empresas portuguesas, ou como dá emprego a pessoas com maiores qualificações, ou promove a inovação (bom, há as duas estrelas Michelin do Chef Avillez, mas será esse caminho realmente alcançável e com esta redução do IVA). E porque irá uma taxa menor reduzir a evasão do imposto? (e não deveria a evasão ser combatida de outra forma se for significativa?). Pressupõe também que a redução do IVA se traduz numa transposição de menores preços para os consumidores. De certeza que será assim? ou o mecanismo antecipado é que com menor IVA haverá mais abertura de restaurantes com preços mais baixos?

Nesta medida, preciso de muito mais informação para ficar convencido que tem os efeitos que anunciam que tem.

Da redução do IVA da restauração segue-se para a tributação do património imobiliário. Onde à (tradicional) promessa de simplificação (que com elevada probabilidade ficará à espera dos documentos legais necessários) se propõe uma recalibragem dos valores das taxas. O objectivo parece ser diminuir os custos de mudança de residência própria, que é provavelmente um dos obstáculos a um melhor funcionamento da economia, levando as pessoas para onde há oportunidades de emprego. Embora simpatize com a ideia, há demasiadas perguntas sem resposta, e que provavelmente tenderão a travar qualquer mudança: qual o impacto orçamental? qual o impacto no mercado imobiliário? qual o impacto distributivo? qual o efeito riqueza que provoca via preços das habitações – ao baixar o imposto num certo tipo de habitações, aumenta-se a procura dessa tipologia, o que fará o seu preço subir, o que tem uma redistribuição de riqueza implícita.

Por fim, vem aqui autonomizado o “imposto sobre heranças de elevado valor”, que tinha sido introduzido quando se falou na diversificação das fontes de financiamento da segurança social. É feita uma justificação com base em comparação internacional. Seria interessante que também fosse adicionada informação sobre o que sucedeu quando esses impostos foram introduzidos e saber se as receitas estimadas corresponderam às receitas efectivas do imposto.

A justificação da taxa por comparação com as taxas de IRS é até certo ponto abusiva. A tributação em IRS corresponde a uma tributação de um fluxo. Se as heranças forem em imóveis, por exemplo, como são tributados em IMI, a tributação sobre herança é mais próxima de um imposto sobre aquisição do que de um imposto sobre rendimento. E sendo um stock pagaram-se impostos nos rendimentos que geraram esse stock. Se a herança for poupança está-se a tributar poupança que se queria estimular. No caso dos imóveis, o registo de novos donos por herança será mais complicado (poderão não ter liquidez para fazer o pagamento). Será que foram pensados todos os incentivos que este imposto introduz?