A centralização e fecho de unidades hospitalares tem sido apontada como um dos elementos centrais da reorganização da red hospitalar. Há normalmente uma resistência da população a estes encerramentos, frequentemente enquadrada numa lógica de “conquista social” ou “direitos adquiridos”, bem como a acusação de que com o encerramento se pretende apenas poupar custos.
Sem entrar nessa discussão, de combate político, e que também necessariamente de ser realizada como parte do processo de decisão, há aspectos que conhecimento técnico que importa conhecer.
De um lado, com o encerramento de hospitais há um aumento da distância de acesso (e de tempo de deslocação para acesso, obviamente) para parte da população.
Do outro lado, há uma potencial maior qualidade técnica para o atendimento que é prestado, especialmente para problemas graves e menos frequentes. Os ganhos de qualidade de prática por volume têm de ser confrontados com maior tempo de acesso. Determinar qual dos efeitos é dominante implica uma medição apropriada de cada um desses efeitos. Fazer essa medição implica cuidados metodológicos para garantir que se está a identificar os efeitos desejados. O primeiro passo é, desde logo, identificar a existência e a magnitude dos efeitos de volume. Uma questão a responder é se maior actividade se traduz em melhores resultados, e se é um efeito permanente (resultante de aprendizagem) ou se é um efeito que exige manutenção de volume para assegurar esse melhor desempenho (sendo que neste último caso a concentração de actividade em pouco locais é a forma de garantir essa maior qualidade de atendimento).
Se não existirem efeitos de volume relevantes então os encerramentos de hospitais terão um efeito de menor acesso (mais distante) sem o benefício de melhor resultado clínico. Note-se que esta discussão está a ignorar deliberadamente o aspecto de custos envolvidos. A importância dos custos de funcionamento das instituições terá de ser obviamente incluído numa avaliação global, mas de momento interessa-me discutir apenas em termos de benefícios de saúde da população.
Se forem encontrados efeitos de volume suficientemente importantes para justificarem a concentração de serviços hospitalares, então há que avaliar o efeito de aumento da distância de acesso. Esta avaliação não pode ser realizada apenas com base na utilização dos serviços de saúde. O que se passa fora do hospital é relevante mas não é registado no hospital, por definição.
Um trabalho técnico de suporte à decisão tem que ser desenvolvido de forma cuidada, obtendo informação complementar à que resultar da actividade hospitalar. Um exemplo do cuidado que é necessário ter é dado pelo trabalho de Daniel Avdic. Neste trabalho, o autor procura avaliar o efeito de encerramento de serviços de urgência na Suécia sobre a mortalidade resultante de enfarte do miocárdio, uma das principais causas de morte na Suécia. O aspecto central da distância aos hospitais aumentar em média quando há encerramento de hospitais é a mortalidade que ocorre antes do doente chegar ao hospital. A mortalidade medida apenas nos casos que dão entrada no hospital não capta o efeito do aumento da distância na mortalidade ocorrida fora do hospital. Mas antes do encerramento de um hospital também haveria mortalidade fora do hospital para alguns dos doentes com enfarte do miocárdio. Tendo estes vários aspectos em consideração, as estimativa que obtém sugerem que passar de um hospital a uma distância de 10km para um hospital a uma distância de 50km se traduz numa redução da probabilidade de sobrevivência em caso de enfarte de 11,5 pontos percentuais (uma redução de 15% na probabilidade média de sobrevivência). Este efeito deve-se sobretudo ao aumento do risco de mortalidade fora do hospital.
Os resultados da Suécia podem não ser directamente importáveis para Portugal, pois o serviço de emergência pré-hospitalar pode mitigar muito deste efeito de mortalidade pré-hospitalar, e desconheço as diferenças neste serviço entre Portugal e a Suécia. Mas fica a necessidade de saber a magnitude destes efeitos para Portugal (e o novo sistema de registo de óbitos poderá dar a informação necessária), e depois fazer também a introdução das considerações de custos. É igualmente provável que as consequências difiram entre áreas clínicas. Tomar decisões de encerramento de hospitais sem este conhecimento técnico pode trazer consequências negativas para a saúde da população, ou positivas, dependendo do efeito que dominar e de respostas alternativas que sejam pensadas e minorem os efeitos da maior distância.