Momentos económicos… e não só

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os ventos que sopram do World Economic Forum

o salto positivo que Portugal deu no ranking de competitividade do World Economic Forum tem recebido bastante atenção; é uma evolução boa, significa que a percepção sobre a economia portuguesa melhorou. E quando escrevo percepção é porque o ranking é construído em grande medida com base num inquérito a líderes empresariais – e as categorias do ranking que mais contribuíram para este subida, eficiência no mercado de trabalho e eficiência nos mercados de produtos, não têm uma medida objectiva universal e comparável entre países. Resulta então de percepções face às mudanças legais que foram sendo operadas nos últimos anos. 

Mas o ranking tem ainda duas outras características que estando também presentes no passado não têm sido valorizadas – o ranking nas áreas de inovação e tecnologia é melhor que o global, tal como as infra-estruturas, enquanto  a dimensão do mercado e a capacidade empresarial estão abaixo.

Ou seja, os desafios que este ranking ilustra são os de sempre, mesmo depois desta subida – conseguir alargar mercado, ou seja exportar, e melhorar a qualidade de gestão em Portugal. 

E agora claro cumprir as expectativas presentes na percepção sobre a maior eficiência nos mercados de trabalho e ter mais concorrência nos mercados de bens intermédios e produtos finais – tal como ficamos bem este ano, se a realidade não acompanhar as medidas tomadas, também rapidamente se inverte. 

(ps. no campos das infra-estruturas também se tem uma boa classificação, não é preciso mais investimento em obras públicas, pelo menos antes de melhorar a capacidade empresarial em Portugal)


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encerramento de hospitais – o que saber antes de decidir

A centralização e fecho de unidades hospitalares tem sido apontada como um dos elementos centrais da reorganização da red hospitalar. Há normalmente uma resistência da população a estes encerramentos, frequentemente enquadrada numa lógica de “conquista social” ou “direitos adquiridos”, bem como a acusação de que com o encerramento se pretende apenas poupar custos. 

Sem entrar nessa discussão, de combate político, e que também necessariamente de ser realizada como parte do processo de decisão, há aspectos que conhecimento técnico que importa conhecer.

De um lado, com o encerramento de hospitais há um aumento da distância de acesso (e de tempo de deslocação para acesso, obviamente) para parte da população. 

Do outro lado, há uma potencial maior qualidade técnica para o atendimento que é prestado, especialmente para problemas graves e menos frequentes. Os ganhos de qualidade de prática por volume têm de ser confrontados com maior tempo de acesso. Determinar qual dos efeitos é dominante implica uma medição apropriada de cada um desses efeitos. Fazer essa medição implica cuidados metodológicos para garantir que se está a identificar os efeitos desejados. O primeiro passo é, desde logo, identificar a existência e a magnitude dos efeitos de volume. Uma questão a responder é se maior actividade se traduz em melhores resultados, e se é um efeito permanente (resultante de aprendizagem) ou se é um efeito que exige manutenção de volume para assegurar esse melhor desempenho (sendo que neste último caso a concentração de actividade em pouco locais é a forma de garantir essa maior qualidade de atendimento).

Se não existirem efeitos de volume relevantes então os encerramentos de hospitais terão um efeito de menor acesso (mais distante) sem o benefício de melhor resultado clínico. Note-se que esta discussão está a ignorar deliberadamente o aspecto de custos envolvidos. A importância dos custos de funcionamento das instituições terá de ser obviamente incluído numa avaliação global, mas de momento interessa-me discutir apenas em termos de benefícios de saúde da população.

Se forem encontrados efeitos de volume suficientemente importantes para justificarem a concentração de serviços hospitalares, então há que avaliar o efeito de aumento da distância de acesso. Esta avaliação não pode ser realizada apenas com base na utilização dos serviços de saúde. O que se passa fora do hospital é relevante mas não é registado no hospital, por definição.

Um trabalho técnico de suporte à decisão tem que ser desenvolvido de forma cuidada, obtendo informação complementar à que resultar da actividade hospitalar. Um exemplo do cuidado que é necessário ter é dado pelo trabalho de Daniel Avdic. Neste trabalho, o autor procura avaliar o efeito de encerramento de serviços de urgência na Suécia sobre a mortalidade resultante de enfarte do miocárdio, uma das principais causas de morte na Suécia. O aspecto central da distância aos hospitais aumentar em média quando há encerramento de hospitais é a mortalidade que ocorre antes do doente chegar ao hospital. A mortalidade medida apenas nos casos que dão entrada no hospital não capta o efeito do aumento da distância na mortalidade ocorrida fora do hospital. Mas antes do encerramento de um hospital também haveria mortalidade fora  do hospital para alguns dos doentes com enfarte do miocárdio. Tendo estes vários aspectos em consideração, as estimativa que obtém sugerem que passar de um hospital a uma distância de 10km para um hospital a uma distância de 50km se traduz numa redução da probabilidade de sobrevivência em caso de enfarte de 11,5 pontos percentuais (uma redução de 15% na probabilidade média de sobrevivência). Este efeito deve-se sobretudo ao aumento do risco de mortalidade fora do hospital.

Os resultados da Suécia podem não ser directamente importáveis para Portugal, pois o serviço de emergência pré-hospitalar pode mitigar muito deste efeito de mortalidade pré-hospitalar, e desconheço as diferenças neste serviço entre Portugal e a Suécia. Mas fica a necessidade de saber a magnitude destes efeitos para Portugal (e o novo sistema de registo de óbitos poderá dar a informação necessária), e depois fazer também a introdução das considerações de custos.  É igualmente provável que as consequências difiram entre áreas clínicas. Tomar decisões de encerramento de hospitais sem este conhecimento técnico pode trazer consequências negativas para a saúde da população, ou positivas, dependendo do efeito que dominar e de respostas alternativas que sejam pensadas e minorem os efeitos da maior distância.


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hoje, sobre taxas moderadoras,

 por convite do Diário de Notícias, aqui. Como complemento, os dados da ACSS sobre isenções aqui, e uma visão ao longo do tempo dessas isenções no gráfico abaixo. Mas os valores totais de isenções têm que ser vistos como uma aproximação. Uma parte grande das isenções está ligada aos doentes crónicos, cujo valor permanece constante desde 2011 (!!), resultando de ou incapacidade de saber quantos doentes crónicos beneficiam de isenção por esse motivo (alguns estarão noutras categorias provavelmente), ou desinteresse de fazer esse cálculo. 

(nota: os valores dos outros meses e anos foram retirados na altura em que apareceram no site da ACSS, mas como não mantêm o histórico desses valores, os meses e valores são aqueles que eu consultei sempre que me lembrei de ver se havia actualização).

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(o texto publicado, agora copiado:

 

As taxas moderadoras surgem frequentemente associadas a preocupações com a equidade no acesso e com a eficiência na utilização de cuidados de saúde. Estes objetivos não são sempre compatíveis, e há que encontrar o equilíbrio entre eles. A motivação para as taxas moderadoras não é o financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo normalmente uma pequena parte do total de fundos. A taxa moderadora deve procurar desincentivar a utilização de serviços de saúde quando não há grande benefício de saúde a retirar desse uso. Evitar utilização desnecessária permite, dentro dos recursos disponíveis, atender de forma mais rápida e garantir que há ganhos em saúde.

 

Taxas moderadoras diferentes para urgências hospitalares e ida ao centro de saúde transmitem a mensagem de o primeiro ponto de contacto do doente dever ser o médico de família. Se não houver taxa moderadora, a ida ao SNS previsivelmente aumentará, mesmo sem necessidade clínica, e os custos adicionais serão pagos por todos via impostos (ou outros serviços não serão prestados).

 

O principal contra-argumento é o menor acesso a cuidados de saúde necessários, com a consequência de menor saúde para as pessoas e recorrerem mais tarde em pior condição e gerando mais custos.

 

As taxas moderadoras aumentaram em janeiro de 2012, duplicando. Em 2013 e 2014, as revisões de valor foram modestas. O aumento de 2012 foi acompanhado por mais isenções de pagamento, sobretudo para quem tem menores rendimentos (segundo dados oficiais, em junho de 2014, 5,78 milhões de pessoas estavam isentas).

 

Não houve um elevado número de pessoas que deixou de ir aos serviços de saúde quando precisava, mas também não ocorreu uma diminuição expressiva do uso desnecessário.

 

Esta é uma área onde se tornou fácil esgrimir argumentos distorcidos. Por exemplo, afirmar que indo a um hospital privado se paga menos do que a taxa moderadora do SNS. Ora, é preciso saber se o serviço prestado é realmente o mesmo e o que está incluído. Noutros casos, é o seguro, privado ou público – como a ADSE – que cobre uma parte maior do custo do serviço privado. Em vários hospitais privados uma urgência poderá custar cerca de 90 euros, sem exames.

 

Para um serviço abrangente, 24 horas por dia, sete dias por semana, no caso das urgências hospitalares, uma taxa moderadora de 20 euros por urgência (até um máximo de 50 euros com exames) não pode ser vista como um copagamento, face a um custo do atendimento que será cinco, seis ou mais vezes superior a esse valor.

 

Dentro desta procura de uso adequado dos serviços de saúde, a cobrança é parte do processo. No momento de necessidade, não está em causa o acesso e o atendimento, mesmo que não se pague a taxa moderadora imediatamente. É preciso um mecanismo que assegure esse pagamento de forma credível, célere e com poucos custos administrativos, para que as taxas moderadoras tenham o seu papel de moderação. É aqui que entra o mecanismo anunciado de cobrança pela Autoridade Tributária, depois de esgotados procedimentos de contacto direto. A importância da credibilidade não deve ser menosprezada. Se a intervenção pela AT for credível, então o utente não isento tem interesse em fazer o pagamento atempado da taxa moderadora, e o efetivo uso do sistema de cobrança coerciva será pouco aplicado. Esta inovação no processo de cobrança não traduz uma visão nova ou diferente do papel das taxas moderadoras.)