Momentos económicos… e não só

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e sobre o manifesto dos 70,

tinha pensado não dizer nada, pois as opiniões têm tido um cunho emocional imediato, e considerei ser preferível deixar passar algum tempos; adicionalmente, o J Gomes Ferreira (aqui) e a Helena Garrido (aqui) expressaram  em grande medida a minha reacção inicial. Além disso, custa-me reagir ao manifesto com base apenas no que “os mercados” ou “os credores” possam pensar, ou aquilo com que queremos imputar que seja o pensamento deles. É um jogo de adivinhação pouco interessante para mim.

E como no fundo o manifesto irá passar adiante sem grande efeito, como outros documentos no passado, estava a programar manter a minha “teimosia” de continuar a escrever sobre cuidados de saúde. Afinal, cada um é livre de expressar a sua opinião, qualquer que seja o seu fundamento e sentido.

Contudo, a importância que acaba por ter a exoneração de dois dos assinantes do manifesto do cargo de assessores do Presidente da República e as reacções às reacções  fez-me pensar que talvez valesse a pena chamar a atenção num par de aspectos, diferentes do que a maioria das pessoas tem referido, mas que me surgem como mais centrais e fundamentais:

a) a ligeireza com que o texto se encontra escrito (pode ser lido aqui, entre outras possibilidades);

b) a ausência de uma  concretização de como definir e ter uma estratégia macro-económica em Portugal.

Vejamos o porquê desta visão e porque era de exigir mais na própria escrita do manifesto, e nos comentários produzidos (não dá normalmente para perceber se as pessoas que comentam leram de facto o manifesto, ou se comentam com base em comentários que ouviram ou resumos que leram).

O meu primeiro comentário ao manifesto é não ser claro (rigoroso) quanto ao que é opinião/interpretação e  quanto ao que é matéria de facto. Apresentar opiniões ou opções como verdades é pelo menos discutível, embora possa ser efectivo como mensagem num primeiro momento. Por exemplo, a frase de abertura do manifesto “Nenhuma estratégia de combate à crise poderá ter êxito se não conciliar a resposta à questão da dívida com a efectivação de um robusto processo de crescimento económico e de emprego num quadro de coesão e efectiva solidariedade nacional.” Para ser totalmente correcto, deveria dizer dívida pública (?). E ao dizer-se que não há “nenhuma estratégia”, o que querem dizer é que na opinião dos subscritores não há alternativa, mas tal não significa que outros não considerem melhores outras opções. Ou existe uma demonstração cabal do “nenhuma” – não haver outra possibilidade – que possam referenciar ou apresentar?

O segundo parágrafo refere que “tem sempre em atenção (…) as melhores práticas de rigorosa gestão orçamental”. Como não se diz quais são, cada subscritor pode entender as suas, cada leitor pode entender as suas, como estando aqui reflectidas, ganhando adesão para o manifesto, mas sendo vazio em termos de conteúdo de acção proposta.

Terceiro parágrafo, começa com a culpabilização da crise internacional iniciada em 2008. Subscrevem os autores do manifesto que sem crise internacional Portugal não teria qualquer problema? e o problema foi a crise, ou foi aumentado por decisões nacionais, que se adicionaram ao funcionamento dos chamados “estabilizadores automáticos” (despesa pública que aumenta naturalmente em situações de recessão, receita pública que diminui naturalmente em situações de recessão)? Considerar que tudo se deveu ao que se passou lá fora é errado e não ajuda a procurar soluções, tal como dizer que a crise internacional não teve efeito não é razoável.

De seguida, é referido que saldos “orçamentais primários verdadeiramente excepcionais” (suponho que queiram dizer positivos e elevados, no seguimento do argumento) são “insusceptíveis de imposição prolongada” – até posso concordar, mas sei quais as razões que estão subjacentes a esta afirmação. Porque é que não são possíveis?

Continuando, “A nossa competitividade tem uma base qualitativa demasiado frágil (…) É preciso uma profunda viragem, ruma a especializações competitivas geradas pela qualidade (….)”. Certo, mas qual a diferença para o que se disse há dez anos, e há 20 anos, e quando o Michael Porter fez um famoso relatório sobre os clusters em Portugal? porque ainda não sucedeu?

A secção seguinte está dedicada à necessidade de “reestruturar a dívida para crescer” – a abertura “deixemo-nos de inconsequentes optimismos” aplica-se curiosamente à própria proposta de achar que apenas reestruturar a dívida pública (aqui é acrescentado o “pública”) resolverá todos os problemas de crescimento. Quando muito podem defender que será uma condição necessária, mas dificilmente se consegue estabelecer um nexo de causalidade suficiente.

Para que o argumento seja único, haveria que definir uma estratégia de crescimento e mostrar (demonstrar) que a reestruturação da dívida é condição necessária, ou que ajuda a essa estratégia e minimiza os riscos para os credores. Por exemplo, será que a reestruturação da dívida implica uns ganharem e outros perderem obrigatoriamente, ou consegue-se encontrar situações em que todos possam ganhar? e ganhar o quê?

Do ponto de vista dos credores, porque irão ter interesse em reestruturar? para Portugal voltar a contrair mais divida (pois facilmente haverá um manifesto seguinte a dizer que só com financiamento se consegue fazer investimento necessário ao crescimento…)? ou será que é possível dizer que a reestruturação consegue fazer com que seja mais provável ter certeza no pagamento e no evitar de problemas futuros? e se os nossos credores principais hoje em dia envolvem instituições internacionais, reestruturar em Portugal não dará o sinal para que todos aqueles a quem eles emprestam (socorrem) e irão emprestar no futuro quererão fazer o mesmo, e que antecipado destrói a noção de empréstimo?

Segue-se depois um conjunto de considerações sobre os problemas da economia portuguesa, que são reais, mas surgem todos misturados – por exemplo, se há emigração de desempregados, então há previsivelmente redução de pagamentos sociais, e as desigualdades tendem a baixar – é a forma adequada de o fazer? não certamente, mas há que atender aos vários efeitos dos elementos que se enunciam. De forma similar, o aumento de impostos foi muito grande? foi, reduz desigualdades na distribuição do rendimento? com o aumento da progressividade é muito provável que sim; mas reduzir desigualdades deixando menos rendimento disponível em média não é usualmente a forma como o queremos fazer, mas diminuir as desigualdades se for esse o objectivo. Fica por isso a sensação que o que fica escrito reflecte sobretudo a opinião (de muitos? de alguns?) mas sem ter a força de evidência e de consistência entre os vários argumentos. Há certamente afirmações correctas, mas todas elas ao mesmo tempo poderão ter nuances ignoradas.

É feita também a defesa da reestruturação dentro do espaço europeu, apelando sobretudo à noção de a Alemanha ser o “inimigo”, e indo buscar o que foi feito com as reparações das guerras mundiais do século XX e do perdão da dívida alemã.  É muito redutor dizer que é apenas um problema com a Alemanha, e é errado. Há outros países que podem não ter o poder económico da Alemanha nem a sua dimensão mas que são extremamente vocais contra os países do Sul da Europa e os seus excessos, incluindo-se aqui a Finlândia por exemplo, os estados bálticos e a própria Holanda até certo ponto. E no final toda a argumentação apresentada só reforça os receios de “risco moral” que esses países têm sobre o Sul da Europa. Sobretudo quando a proposta de reestruturação não surge associada a qualquer compromisso credível de não repetição da situação, e apenas dizer que problemas num país do euro alargam-se aos outros países do euro – mas então isso só dá força a quem nesses países defende uma europa a duas velocidades, uma zona euro para uns e uma zona de qualquer outra coisa para outros.

Sobre as condições da reestruturação, deveria ter sido reconhecido que discretamente tem ocorrido um abaixamento da taxa média de juro, que houve um alongamento dos prazos da dívida. Além disso, suavizar picos de pagamento de dívida pode ser feito com outros instrumentos (e que pelo que se vai sabendo até vão sendo usados), porque é que a reestruturação tem vantagem sobre a utilização desses instrumentos?

É que em lado algum se refere que possam haver consequências negativas da reestruturação. Se não as há, deveria ser dito; se as há deveriam ser esmiuçadas e demonstrada a presunção razoável que as consequências positivas dominarão as consequências negativas. Sem o fazer, o propósito do documento não será o de gerar uma discussão técnica e depois política sobre a opção, e sim “exigir” que as autoridades económicas, o Governo, aceite que deve fazer o que este manifesto diz, os detalhes depois alguém que trate?

Aliás, também deveria ser explicitado qual o contributo de Portugal para tornar a solução de reestruturação atractiva para os nossos credores, não apenas dizer que nós beneficiamos. E mesmo sobre este último ponto, é evidente que se beneficia por não pagar, mas qual o mecanismo pelo qual a ausência de dívida fará crescer a economia, de forma consistente, o que significa aumentar a produtividade e o seu ritmo de crescimento? E as consequências de não pagar, não afectam o crescimento? (por exemplo, se a reestruturação implicar que internacionalmente não se consegue colocar dívida pública portuguesa durante alguns anos, isso não obriga aos saldos primários positivos para o défice público,  que nos termos do manifesto são “insusceptíveis de imposição prolongada”?

Como escrevi anteriormente, noutro post, a nossa principal preocupação deverá ser ter linhas de estratégia para as políticas económicas que sejam credíveis (no sentido em que não vamos querer fazer diferente do que se escrever na primeira oportunidade para o fazer), e que satisfaçam a preocupação fundamental de quem empresta, reaver o que emprestou.

O manifesto é uma desilusão no sentido em que não tem uma estratégia coerente de longo prazo, apenas a ideia de alterar as condições da dívida pública, e depois tudo se resolverá, sem olhar aos efeitos negativos que possa ter e sem enquadrar num contexto mais geral de definição do rumo das políticas económicas. A discussão à volta dele é uma desilusão por focar apenas no que possam ou não possam pensar os “mercados” financeiros (aspecto certamente relevante, mas não único).


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sobre a utilização de cuidados de saúde, 2012 vs 2014 (3)

A correcta utilização dos cuidados de saúde primários é um elemento central para o bom funcionamento do sistema de saúde português e do Serviço Nacional de Saúde em particular.

A questão seguinte procura avaliar em que medida o conhecimento sobre os cuidados de saúde primários melhorou (ou não) nos últimos dois anos.

Foi pedido que respondem sim ou não às seguintes afirmações:

    • Conheço o serviço Saúde24
    • Sei como posso recorrer ao serviço Saúde 24
    • Antes de ir à urgência procuro usar o serviço Saúde 24
    • Sei exactamente o Centro de Saúde/USF a que me posso dirigir
    • Conheço os horários de funcionamento do Centro de saúde/USF
    • Antes de ir à urgência de um hospital procuro ir ao Centro de Saúde
    • Prefiro ir directamente à urgência de um hospital porque é mais rápido
    • Prefiro ir à urgência de um hospital porque podem fazer logo todos os exames necessários

O gráfico seguinte mostra a percentagem de respostas positivas em cada item (descrição abreviada na legenda).

graf2

Essencialmente não há diferenças assinaláveis entre os dois anos, excepto na proporção de pessoas que diz usar o serviço  Saúde24 que aumentou de um período para o outro. E esse aumento não surge associado com qualquer característica dos entrevistados. Não é claro porque ocorreu este aumento.

(a ausência de diferenças sistemáticas entre os dois anos foi comprovada estatísticamente).


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sobre a utilização de cuidados de saúde, 2012 vs 2014 (2)

Interessa conhecer o recurso aos cuidados de saúde, pelo que uma das questões colocadas foi quantas vezes se recorreu a cuidados de saúde no último ano. As diferenças entre os dois anos, por classe de resposta, estão no quadro seguinte.

grafq4

Como as amostras que responderam nos dois anos podem não ser exactamente as mesmas, condiciona-se a probabilidade de escolher cada uma das categorias em factores de caracterização de quem respondeu (idade, género, educação, estado de saúde em geral). A utilização de um modelo probit ordenado, com a inclusão de uma variável que identifica o ano (2012 vs 2014) de resposta permite ver se há uma maior propensão à utilização nos tempos mais recentes, eventual reflexo de um menor estado de saúde.

A conclusão é a de não haver um efeito associado com o ano. Os únicos efeitos sistemáticos são as mulheres recorrerem mais vezes, por um lado, e ter seguro de saúde levar também a maior utilização. E as diferenças mais importantes ocorrem na maior utilização na classe 5-10 idas aos serviços de saúde no último ano.

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sobre a utilização de cuidados de saúde, 2012 vs 2014 (1)

Há umas semanas, coloquei a quem quisesse aceitar o desafio de preencher um breve questionário online, similar a outro realizado em 2012, dois anos antes (ver aqui). A ideia foi ver o que teria mudado em dois anos, numa amostra que não é representativa, de uma forma simples e que não pretende substituir-se a análises mais rigorosas que têm de ser feitas.

O interesse neste exercício decorre de considerar que alterações muito bruscas e acentuadas da situação se acabariam por reflectir também numa amostra pequena e enviesada para utilizadores de internet. Os resultados, que irei aqui mostrando ao longo da semana, têm por agora a surpresa (?) de não mostrarem mudanças negativas acentuadas em dois anos. Aliás, se alguma evolução há, é positiva, na redução das esperas muito longas.

Uma possibilidade é porque o Serviço Nacional de Saúde conseguiu manter a sua capacidade de resposta durante este período de dois anos. Outra possibilidade é que apenas posso retirar essa conclusão na resposta às pessoas que têm computador, paciência para responder a inquéritos online, com um nível de educação e rendimento acima da média nacional. Mesmo com essas ressalvas, e também como agradecimento a quem colaborou respondendo, os próximos posts irão dando conta dos valores encontrados, até para ver a aparente ausência de evolução negativa se mantém.

A existência de maiores barreiras de acesso a cuidados de saúde pode ser avaliada pela análise das percepções sobre tempos de espera médios. No inquérito realizado foram incluídas perguntas sobre essas percepções. A primeira questão foi sobre “Qual a sua percepção acerca do tempo de espera médio desde o momento em que entra no serviço de urgências, até ser atendido por um médico num [hospital público/hospital privado/centro de saúde]?”

Para isso, três indicadores são usados: proporção de pessoas que percepciona um tempo médio de espera superior a uma hora, proporção de pessoas que tem uma percepção de tempo médio de espera inferior a 30 minutos, e por fim proporção de pessoas que percepciona um tempo médio de espera superior a duas horas.

Esta informação foi recolhida com referência a três entidades prestadoras de cuidados de saúde: hospitais públicos, hospitais privados e cuidados de saúde primários.

Um aumento destas percepções e sob a hipótese de que em média reflectirão a experiência da respectiva actividade poderá ser resultado de um aumento da procura, uma menor capacidade de resposta, ambas, ou mesmo apenas um aumento da procura que ultrapassou a capacidade de resposta. Apenas com esta informação não é possível fazer uma separação entre as diferentes explixações alternativas.

O gráfico seguinte apresenta de forma combinada as respostas, e a parte que tem surpresa é que 2014 parece reflectir uma situação melhor do que em 2012.

Grafico2

Realizando testes de diferenças de médias entre anos para cada uma das categorias, confirma-se que em alguns casos há uma percepção de menores tempos de espera em 2014.

Como esta diferença de percepção média pode ser ditada por características da amostra, análise de regressão (para resposta 0/1 em cada um dos três indicadores), traduz-se num conjunto de efeitos curioso.

Para a expectativa de esperar mais de 2 horas nos cuidados de saúde primários, 2014 tem uma menor probabilidade de as pessoas indicarem essa situação, sendo que quem tem cobertura adicional de subsistema público e/ou seguro privado tem uma percepção de maior tempo de espera.

(Nota: nas análises de regressão foi usado um nível de significância individual dos efeitos de 10%, alguns dos efeitos associados com diferenças entre anos desaparecem se for usado um nível de significância de 5%, mas o resultado de redução de pessoas que antecipam esperar mais de 2 horas nos cuidados de saúde primários permanece).

Sobre os tempos de espera para atendimento em hospitais públicos ou em hospitais privados, as diferenças entre anos nunca são significativas, sobretudo depois de acomodadas as diferenças entre as amostras, e em que algumas características de quem respondeu se encontram associadas com efeitos sistemáticos: os mais idosos têm uma expectativa de menor tempo de espera nos hospitais públicos, e as pessoas com seguro e/ou subsistema público (ADSE sobretudo) apresentam uma expectativa de tempo de espera nos hospitais mais elevado. Quanto aos hospitais privados, não se detectou nenhum padrão que associe características individuais aos tempos de espera para atendimento antecipados.

Para ilustrar a importância de acomodar as diferenças entre amostras, de 2012 e 2014, a figura seguinte apresenta a distribuição das idades, mostrando que as pessoas que responderam em 2012 tinham uma idade média mais baixa.

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Sol, por fim,… para a série “janela do posto de trabalho” (3)

Não, não é publicidade ao jornal com o mesmo nome. É mesmo almoço no local de trabalho, pela primeira vez ao ar livre este ano. Sem teorias ou interpretações económicas. Só mesmo aproveitar o Sol. Não é da janela do posto de trabalho propriamente, mas lá muito perto.
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Objectivos da troika e medicamentos genéricos

Entre os compromissos do Memorando de Entendimento resultante da 10ª avaliação para a área da saúde consta:

“3.37. The above measures should aim at gradually and substantially increasing the share (in volume) of generic medicines reaching 45% of all NHS reimbursed medicines in the outpatient setting by end of 2013. This share will increase to 60% by the end of 2014.”

Na avaliação da troika mantém-se, por isso, o objectivo de atingir em finais de 2014  60% de quota de mercado (em volume) do mercado do Serviço Nacional de Saúde.

Olhando para os valores mais recentes disponibilizados pelo Infarmed neste momento (datado de Novembro de 2013, e referente a Outubro na informação estatística), a quota de mercado dos genéricos no mercado do SNS teve um máximo em Agosto de 2013 com o valor de 39,6%, e em Outubro foi de 38,5%. O valor da quota de mercado no período acumulado de Janeiro a Outubro de 2013 era de 38,9%. Ou seja, a tendência de crescimento desta quota de mercado parou no final do Verão. O objectivo de ser 45% em 2013 e 60% em 2014 ficou por isso um pouco mais longe.

Talvez por isso, o Infarmed retomou a publicação de valores em DDD – Dose Diária Definida, que normaliza os consumos para um tratamento padrão, e permite comparar volumes independentemente da composição das embalagens. De acordo com as quotas de mercado em volume de embalagens, um mesmo tratamento com uma embalagem de genérico de 60 comprimidos ou com duas embalagem de  genérico de 30 comprimidos significa maior quota de mercado no segundo caso.

Ora, usando as DDD como forma de cálculo das quotas de mercado, o valor em Outubro de 2013 era de 52,3%, claramente acima do valor baseado em embalagens, e cumprindo o objectivo para 2013 e aproximando-se do objectivo para 2014.

Será desta forma que provavelmente se reclamará ter alcançado o objectivo da troika, que é especificado em volume, sem se dizer qual a variável de volume relevante.

É mais correcto tecnicamente o cálculo com DDD, como se ilustrou com o exemplo da embalagens acima, e por isso, esperemos que o seu cálculo continue a ser feito e disponibilizado, mesmo depois de terminado o acompanhamento pelo Memorando de Entendimento.


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série “janela do posto de trabalho” (2)

 

 
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Não, não são os vidros que estão sujos. É mesmo o nevoeiro que está do outro lado do vidro.

É semelhante aos cortes temporários que têm de ser permanentes mas não o serão, apesar de terem de ser porque não vamos voltar aos níveis anteriores. Nevoeiro.

O que me parece ser correcto é: os cortes actuais nas pensões e salários serão temporários; mas haverá no corte de salários e pensões actual uma parte que será temporária e uma parte permanente. O que falta saber: no mundo empresarial (o aparente referencial para uma nova política salarial na função pública), a produtividade dita, a prazo, a evolução possível dos salários. E dita de duas formas – a empresa só poderá pagar se tiver valor da produtividade gerado suficiente; oportunidades exteriores para os seus trabalhadores. E se a consequência da saída de bons trabalhadores nas empresas privadas poderá ser o seu encerramento, se não conseguir ter produtividade suficiente para pagar os salários que os trabalhadores conseguem obter noutro emprego alternativo, no caso da função pública não estou a ver qual a analogia – ficar apenas com os piores e deixar o serviço público degradar-se? ter que acompanhar os salários que possam ser tidos por essas pessoas no sector privado? Sem que haja uma clarificação do que será a política de recursos humanos, em geral, da função pública, falar apenas em cortes salariais será pouco. Será nevoeiro para compreender os desafios que realmente se colocam a uma administração pública que terá de possuir maior capacidade de resposta e e de adaptação às necessidades da sociedade. Enfim. Talvez nos próximos dias faça sol.


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aspectos pós-troika

como entendidos por mim a partir da leitura dos resultados da 10ª avaliação feita pela troika:

– importância do enquadramento da decisão política e credibilidade da acção do Governo – que o hoje se diz, amanhã se concretize; que as palavras resultem acções consonantes e não opostas ao que se disse; não é dito desta forma, mas claramente há uma preocupação com a capacidade da classe política portuguesa (na verdade, é provavelmente comum a muitos dos outros países da Europa e fora dela, mas não deixa de ser uma preocupação).

– a estabilidade financeira do sector bancário deixou de ser uma preocupação fundamental.

– como assegurar que são feitas as decisões de investimento certas, as que asseguram maior retorno social, e não as que dão mais segurança de retorno aos financiadores bancários – encontrar outras formas efectivas e disseminar de financiamento da actividade económica.

– apoiar a manutenção e reforço do capital humano dos jovens desempregados e não apenas encontrar-lhes emprego; o desligar do mercado de trabalho por parte de uma fracção substancial da população jovem constitui um peso sobre a economia no médio prazo;

– olhar melhor para o funcionamento dos mercados de bens e serviços que são factores produtivos para outros sectores da economia, nomeadamente os regulados; ter peer-review da actividade reguladora (avaliação da prática de regulação nacional por reguladores de outros países),  recrutamento de pessoas para estas entidades no mercado internacional e audição parlamentar com base num documento técnico de estratégia entregue pelos candidatos às posições de topo das instituições (conhecer o seu pensamento estratégico sobre a área que regulam permite dar segurança às empresas quanto ao que podem esperar e à sociedade quanto à capacidade do regulador para defender o interesse geral);

– fazer a reforma dos processos de funcionamento do estado – ainda se está longe; não basta despedir umas quantas pessoas ou usar quadros de disponíveis, os próprios circuitos de responsabilidade e de funcionamento do estado têm que mudar e aprender a muda de forma mais permanentes para responder às expectativas da população e garantir o bom enquadramento das actividades económicas;

– teste de cada medida favorecer ou não o sector transacionável – a versão oficial é de apoio aos sectores que produzem bens e serviços exportáveis; frequentemente as decisões são de apoio aos sectores que produzem bens não transaccionáveis internacionalmente. Se houver uma check list para cada medida aprovada para verificar se apoia ou favorece sectores transaccionáveis ou não transaccionáveis seria interessante ir vendo os resultados.

– usar os fundos europeus para também treinar as PMEs na utilização de outros sistemas de financiamento além do sistema bancário; não ser apenas uma forma de distribuir dinheiro (e que normalmente o faz com distorções nas decisões dos agentes económicos), aproveitar para “treinar” os agentes económicos nomeadamente as empresas de pequena e média dimensão na utilização de outros mecanismos de financiamento (e não apenas “treinar” em contratar consultores que conhecem ou sabem como fazer candidaturas!).

 

 


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ainda as dívidas públicas na saúde,

como este é um problema de fundo no serviço nacional de saúde, quanto mais informação melhor. Usando dados disponibilizados pela APIFARMA, referi há algum tempo as preocupações que o seu ritmo de crescimento geravam (ver gráfico aqui), e avancei até com algumas ideias (aqui).

Existe porém boa informação pública sobre estas dívidas através do que a Direcção-Geral do Orçamento disponibiliza sobre execução orçamental (síntese da execução orçamental, em ficheiros Excel facilmente utilizáveis – bom serviço), e que não indo tão atrás no tempo como os valores da APIFARMA, já tem dois anos de dados mensais para se olhar (os valores de 2011 parecem ter subjacentes uma definição diferente na sua contabilização). Aqui é usada a informação das dívidas por pagar há mais de 90 dias, Hospitais EPE e subsector da Saúde nas Administrações Públicas.

A primeira comparação é entre os valores que estão na APIFARMA e estes valores da execução orçamental. As dívidas totais deverão ser maiores que apenas as dívidas dos medicamentos às associadas da APIFARMA. Além disso, o ser mais de 90 dias fará também alguma diferença nos valores. O quadro seguinte mostra uma importante diferença entre as duas séries de valores depois do primeiro episódio de regularização de dívidas. A linha azul mostra a evolução das dívidas totais às associadas da APIFARMA, as outras duas linhas são as dívidas incluídas na síntese de execução orçamental, a vermelha o total e a verde os hospitais EPE. A mudança de posição relativa da linha azul é curiosa porque revela que a dívida mais recente ainda estará dentro dos 90 dias, mas contabilizada pela APIFARMA (explicação que encontrei para reconciliar as duas linhas). Em ambos os casos, vê-se que depois do episódio de regularização das dívidas em 2012, voltou-se a crescer a dívida a ritmos não muito diferentes dos anteriores. Mesmo o valor de Janeiro de 2014 tem uma subida na mesma ordem de magnitude do ritmo mensal médio quando se retiram os momentos de regularização.

dividaJan2014Tomando de seguida apenas a série das dívidas constante da execução orçamental, testei se a evolução temporal antes e depois dos episódios de regularização era diferente. O resultado está na figura seguinte.

dividasNesta figura a linha azul é a séria real de despesa, e a linha vermelha é o valor previsto impondo que o acréscimo mensal  fora dos períodos de regularização é idêntico. A linha verde permite que seja diferente (excepto para Janeiro de 2014, igual ao período antes de Junho de 2012, mas há apenas um valor para 2014). Estatisticamente, os valores de ritmo de crescimento não são diferentes, e estão nos 41 M€/mês, segundo a linha vermelha. Com a separação de ritmos de crescimento, o valor de ritmo de crescimento sobe para mais de 70M€/mês na primeira metade de 2012, e é ligeiramente menos de metade durante os primeiros nove meses de 2013 (cerca de 35 M€/mês). O crescimento em Janeiro de 2014 foi de 55 M€. Qualquer que seja a versão preferida, com ou sem separação entre períodos de crescimento, o valor de Janeiro de 2014 sugere que é preciso seguir com atenção a dinâmica. As regularizações extraordinárias que têm ocorrido baixaram o stock. Terá que se ver se as medidas que foram adoptadas tiveram a capacidade de alterar o ritmo de acréscimo.

E assim termino o descasque da análise sumária que estava no relatório do FMI da 10ª avaliação sobre as dívidas, a confirmação grosso modo dos valores indicados e o porquê da preocupação em criar mais mecanismos de controle da criação de dívidas em atraso.


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as Parcerias Público-Privadas, segundo Joaquim Miranda Sarmento

decorreu na sexta-feira passada a apresentação do livro sobre PPP no el corte inglês, onde o autor sintetizou as razões pelas quais não correram bem em Portugal, genericamente falando:

a) não houve uma separação clara entre três decisões (onde fazer “obra pública”? como financiar? que políticas sectoriais devem ser definidas?), o que levou à realização de maus projectos. Como exemplo as auto-estradas que não têm circulação considerada suficiente para as justificar (3,000-4,000 veículos em lugar de 12,000 /dia), com a decisão política de ligar todas as capitais de distrito por auto-estrada.

b) a tentação orçamental – realizar investimento sem aparecer no défice público nesse momento em que é realizado, o comparador do sector público não foi sempre utilizado (ou sequer calculado).

c) fizeram-se muitos projectos, em que cada um é uma pequena parte de um volume global que acaba por ser muito significativo.

Depois do processo associado com o lançamento de PPPs, há o seguimento – frequentemente o processo para o sector público parecia terminar na assinatura do contrato, mas na verdade esse é apenas o começo de uma outra fase. E houve muitas renegociações de alterações unilaterais de contrato (nomeadamente nas PPP rodoviárias), sem se ter um cálculo detalhado de qual foi o custo dessas alterações.

Como bom exemplo deu a Fertagus, em que houve a renegociação para valores sustentáveis, com bom serviço aos utentes, sendo provavelmente relevante o risco reputacional e o menor poder negocial do parceiro privado por estar em processo financeiro delicado.

Uma recensão mais longa do livro está disponível aqui, e  informação sobre um outro livro que analisa as PPP em Portugal: aqui .