Momentos económicos… e não só

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1 Comentário

a minha contribuição no dinheirovivo.pt de ontem, sobre emigração

Emigrem!?

19/12/2011 | 00:10 | Dinheiro Vivo

As declarações do primeiro-ministro sobre as oportunidades noutros países para os professores desempregados foram naturalmente polémicas. A primeira reacção, naturalmente emotiva, é a de desconforto – não é habitual ver-se um primeiro-ministro a sugerir a emigração como saída para o desemprego.

O desconforto surge por dar a sensação de inevitabilidade e de falta de soluções. Contudo, há a necessidade de olhar para além dessa primeira impressão e tentar perceber o que pode levar um governante a proferir esta afirmação.

Comecemos por recordar que, com a sua actual estrutura produtiva, Portugal não tem conseguido assegurar crescimento económico suficiente para sustentar as aspirações da sociedade. É bem conhecido que essa falta de crescimento económico está na base da necessidade de ajustamento da economia portuguesa. Necessidade que existiria mesmo na ausência de uma crise internacional, pois desde o início do milénio que a economia está a crescer a baixas taxas (quando cresce).

Ora, se é necessário ajustar a estrutura produtiva significa que a actual não responde aos desafios que se enfrentam. Ajustamento é sinónimo de que as actividades produtivas de futuro não são iguais às de hoje, na sua composição e intensidade. Haverá sectores económicos a crescer e outros que irão contrair a sua actividade.

Mas crescimento de uns sectores e definhamento (mesmo que parcial) de outros implica que haja recursos produtivos a transferirem-se dos sectores que irão contrair para os que estejam em crescimento. Se as competências exigidas nos sectores que venham a crescer forem similares às dos sectores em contracção a transferência de pessoas de umas posições de trabalho para outras será fácil. De outro modo, haverá que fazer uma reconversão de competências e conhecimento.

Quando a economia portuguesa voltar a crescer, em termos económicos, com base no desenvolvimento de novos sectores, haverá uma migração de factores produtivos, incluindo recursos humanos, entre sectores. Haverá emigração dos sectores onde exista excesso de recursos. Será um efeito inevitável da pretendida transformação da economia portuguesa.

Neste processo, o que sucede às pessoas que não tenham capacidade ou não queiram mudar de sector ou de tipo de actividade? Se não resulta a (e)migração entre sectores económicos, talvez mesmo entre regiões de Portugal, então a emigração poderá ser uma outra solução.

Com a integração europeia e a maior facilidade na mobilidade de pessoas dentro da União Europeia, com novas gerações que viajaram mais do que as anteriores, a emigração é hoje uma realidade relativamente comum. Quem faz carreira numa grande empresa portuguesa ou estrangeira também tem frequentemente um período de emigração. Outros emigrarão para encontrar empregos que os satisfaçam mais ou que não encontram em Portugal. Não é um fenómeno novo, nem deverá ser dramatizado.

Porquê então a reacção tão grande à declaração do primeiro-ministro? Porque a sugestão soma-se a um ano complicado, soma-se à perspectiva de outro ano complicado, soma-se ao conhecimento de que o processo de emigração já se iniciou há pelo menos dois anos e soma-se ao receio de que em lugar de emigração se venha a estar na presença de um êxodo.

O que há então a fazer, nesta linha?

Procurar alcançar dois objectivos: facilitar a transição profissional entre sectores, por um lado; e manter o ânimo da população, por outro lado. O primeiro depende de medidas concretas; o segundo depende da forma de comunicação do Governo, e do primeiro-ministro.

Nova School of Business & Economics
ppbarros@fe.unl.pt
Escreve à segunda-feira


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algumas perguntas e respostas sobre taxas moderadoras

Como de vez em quando recebo perguntas sobre as taxas moderadoras, decidi colocar disponíveis algumas delas, as mais recentes, com ligeiras adaptações, bem como as minhas respostas:

1) O que lhe parecem estes aumentos para 20 e 9,60 euros das taxas moderadoras das urgências e centros de saúde? São compreensíveis, ainda têm essa função “moderadora”, ou são “exagerados”, como ontem se ouviu, passando a constituir já “co-pagamentos” e uma forma de financiamento do SNS?

Não são ainda valores que possam ser considerados uma forma de financiamento do SNS (o que seria difícil dada a previsão de serem no máximo 2% das necessidades de financiamento do SNS). Do meu ponto de vista, são valores compreensíveis. Não creio que alguém deixe de ser tratado em caso de urgência por causa das taxas moderadoras.

Para ter uma ideia dos valores de taxas moderadoras noutros países, ver aqui.
Estes valores colocam-nos entre os valores mais elevados da Europa, mas a Irlanda, que está num processo de ajustamento macroeconómico similar ao nosso, tem taxas moderadoras superiores. A diferença entre os valores nas urgências hospitalares e nos centros de saúde deverá levar as pessoas a utilizarem mais a primeira porta de contacto habitual, o centro de saúde e o atendimento telefónico do SNS.

2) O Ministério da Saúde confirmou a manchete do “Diário Económico” que diz que, em caso algum, poderá ser cobrado mais de 50 euros a um doente por uma ida à urgência, independentemente dos exames efectuados. Parece-lhe uma boa solução? É uma medida razoável ou apenas um “mal menor” para os aumentos?

É uma medida razoável no seguinte sentido. Como o nome indica, a taxa moderadora destina-se a evitar abusos de utilização, ao fazer o utente participar de uma pequena parte do custo financeiro do serviço que vai receber. Ora, no caso de exames complementares a decisão não está na mão do utente, pelo que a taxa moderadora por esses exames faz menos sentido, e servirá quando muito para que o utente tenha a percepção do que está a ser gasto com ele. O limite de 50€ evita que essas outras taxas, que de um ponto de vista lógico de organização de funcionamento do sector até poderiam ser zero, assumam valores demasiado elevados.
3) Defendeu no “Público” que não deviam ser cobrados aos doentes as taxas para exames e meios complementares de diagnóstico e que esta era a oportunidade para fazer essa alteração. Porque não deviam ser cobrados?

Porque se as taxas se destinam a moderar o consumo, interessa influenciar quem decide. Sendo esses exames solicitados pelo médico e não tendo o doente a decisão, não há motivo para ser ele a pagar parte do custo no momento de consumo. É quem tem a decisão nas mãos que deve ser sujeito a taxa moderadora. No caso de decidir ir a uma consulta, o cidadão tem essa decisão, logo deve ser “guiado” de alguma forma pela taxa moderadora nas suas decisões. O argumento deixa de ser válido para os exames complementares, em que o cidadão acata a decisão clínica.
4) Parece-lhe aceitável esta forma de ir anunciando às pinguinhas, e sempre de forma evasiva e pouco clara, estas alterações na saúde?

Não me parece que esteja a ser anunciado da forma que descreve. O Memorando de Entendimento em Maio já falava destes aumentos. Em Setembro fizeram parte de uma resolução do Conselho de Ministros. Foram agora publicados. Sabia-se por isso que iria haver aumentos nas taxas moderadoras. A escolha do momento cabe ao Ministro da Saúde. Estou certo de que se tivesse optado por publicar a portaria, estaria a ser criticado por não transmitir de forma mais abrangente a todos os portugueses. O único aspecto que me parece dever ser melhorado é a existência de mais informação, através de um documento de suporte à decisão que estivesse disponível no portal da saúde, como forma de orientar a discussão. Por exemplo, saber que evidência se tem em Portugal da evolução do recurso às urgências e aos centros de saúde, em que medida depende do preço, quantas urgências são susceptíveis de serem afectadas por esta medida, etc…
5) São estas, no seu entender, as medidas para tornar sustentável o SNS?

Não há uma única medida que torne sustentável o SNS, dentro do quadro actual. Assim, esta é uma das medidas que ajuda a tornar financeiramente sustentável o SNS. Não pelo valor da taxa moderadora que é paga, mas pela melhor utilização de recursos do SNS que origina. Por exemplo, se uma pessoa optar por telefonar para o Saúde 24, e se até conseguir resolver a sua situação desse modo – há casos de sintomas em que se deve esperar antes de recorrer a um médico – evitando uma ida desnecessária à urgência hospitalar de um hospital central, poderá estar a poupar mais de 150€ ao SNS (em média). A taxa moderadora, mesmo que venha a ser de 20€ é menos importante do que a poupança gerada por se evitar utilização desnecessária.


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debate sobre taxas moderadoras e financiamento do sistema de saúde

na TVI24, com João Semedo, Manuel Antunes e Pedro Pita Barros (pois, os blogs são também espaço de publicidade individual): http://www.tvi24.iol.pt/videos/pesquisa/constança+cunha+e+sá/video/13540640/1


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e um pouco de história económica…

De vez em quando sabe bem “mudar de ares”, no caso, assistir ao “Portuguese Economic History Workshop“, realizado a 12 de Dezembro no ICS. Tive a oportunidade  de comentar o texto de Sofia Teives Henriques, “Without steam in the age of coal and dams in the age of electricity: a natural resource explanation for portuguese economic divergence“. Porque o trabalho me despertou a atenção, e pelas ideias que lança, decidi partilhar aqui a minha visão sobre o estudo e sobre as suas implicações e lições. (o restante programa e papers apresentados no encontro podem ser consultados no site indicado acima).

A tese principal é fácil de enunciar depois de ler o texto – na primeira revolução industrial, baseada no carvão, a tecnologia disponível estava adaptada para as características do carvão inglês, e não o carvão português era escasso (logo caro) como diferente do inglês. A estrutura produtiva portuguesa permaneceu trabalho intensiva. Na segunda revolução industrial, baseada na electricidade, Portugal parecia apresentar condições de partida distintas – tinha mais água que carvão, e poderia por isso ter tido um processo de industrialização mais seguro, as faltavam: a) procura de electricidade, dado que não tinha sido construída a base industrial durante o período de carvão que pudesse agora justificar a procura de electricidade como fonte de energia; b) não havia experiência com a tecnologia.

Sendo uma tese interessante, duas coisas chamaram a atenção. A primeira claramente referida no texto – frequentemente a “tecnologia” importada via equipamentos não era totalmente utilizada por falta de capacidade técnica. Ou seja, faltava um factor produtivo complementar, capital humano, sem o qual a própria rentabilidade dos equipamentos e da tecnologia eram menores, além de que não se procedia a uma adaptação generalizada dessas novas tecnologias da época às características dos recursos naturais portugueses. Não era só falta de carvão, havia algo mais em falta. Fica a pergunta de saber se esta interpretação é lícita e se tem algum poder explicativo.

O segundo aspecto é mais subtil, e está associado com o que vem primeiro – a disponibilização de uma tecnologia com uma energia mais barata, que leva ao desenvolvimento de uma base industrial (que parece ser o argumento principal para a falha portuguesa durante o período do carvão); ou é necessário ter uma base industrial adequada para que a nova forma de energia seja plenamente utilizada? (que parece ser o argumento principal para a falhar portuguesa durante o período da electricidade). Querer os dois argumentos ao mesmo tempo, para períodos diferentes, é que a ser a interpretação correcta, necessita de algo mais em termos de discussão e ligação. Um ponto de ligação possível é, a meu ver, o meu primeiro aspecto focado – a falta de capital humano para saber como usar as tecnologias. Enfim… para discussão e esclarecimento pelos historiadores económicos, que sabem muito mais disto e poderão certamente clarificar.

Por o encontro ter sido internacional, o comentário foi feito em lingua inglesa e é nessa versão que o disponibilizo (para poupar o trabalho de tradução, ainda não confio no google translator o suficiente para o fazer automaticamente). (também pode ser visto em formato slide aqui)

1.  Getting inside the paper

  • Clear research question – did differential conditions of access to coal determine the relative lack of success of the Portuguese Industrial Revolution?
  • The arguments are laid out in a nice way
  • (and readable to the non-expert )
  • My ignorance has an advantage – I can ask any question, even “silly” ones

2. Overview

Main argument:

  • First industrial revolution – technology intensive in coal, technology adapted to UK conditions
  • Portugal lacked the resources (coal), and did not have an obvious cheap alternative – remained labour intensive
  • Second industrial revolution – based on electricity
  • Portugal had more water than coal – but lacked:
  • Demand for industrial use of electricity – cost from being behind in the first industrial revolution
  • No experience with the technology
  • Development based on electricity was hindered by low industrial development since coal time

3. Broad issues and questions

•Why the inability to adapt? Looking at technology, in the sense of production function, it seems that there was a lack of human capital as well – p. 148 & ft 386 & p.363
•“never used due to lack of capital to hire an engineer”
•“lack of scientific knowledge of industrialists, who do not even know how many turns does a wheel make per second”
•“Portugal did not participate in scientific innovations of the 1870s-1880s”
•Why not the entry of new firms funded by international capital? (political decisions to close the market? International environment did not favor investment in Portugal?)
•What was the role of market power in keeping innovations away? (Arrow substitution effect in monopolies & innovation incentives)
4. Smaller points
•Prices of coal, table 1 – increasing in the UK, Germany, Canada, France, Spain, but decreasing in Portugal – level is higher in the beginning but not so much at the end – what was going on?
•International comparison of costs of internal transportation in other countries?
•How were imports of equipment organized? Monopolies? Competitive imports without barriers – licensing, duties, etc…
•What is the relevant theory of technological adoption? “economic incentives to adopt steam technology is to compare the relative coal to labour prices” – expected demand, prices of final products, current market structure: incentives vs conditions?
•Role of international trade? (p.155), it seems to me from reading the paper that even in a close economy adoption would be low – “quality” of labor input to make technology work was lacking
•Portugal was poor in coal, but also in ore and other metals – lack of complementary resources, it was not only cost and quality of coal?
•Expansion of railways drained resources from other (tradable) sectors? Both financial and physicial
•“steel needed a minimum operative scale” – natural monopoly in Portugal? What does it really mean?
•Technology was driven by UK; but no local adaptation existed, lack of local R&D as a “missing input”?
•“Portugal did not benefit from the presence of early international companies as Italy did”, why?
•Electricity as missed opportunity, what it that way? Technology was dictated by geography, but something different could have been done? Engineering skills for dams where not there?
•Classification of causes to endogenous vs exogenous conditions?
•The answer to the research question: “the labor intensive path chosen during the First Industrial Revolution implied low levels of energy demand and prevented capital accumulation”
•How many industries / companies were born at the time elsewhere? It was an issue of critical mass? Exports not a substitute for a strong internal market?


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inovações de organização no serviço nacional de saúde

Apesar de todas as discussões sobre o sistema português de saúde e sobre o Serviço Nacional de Saúde, é no dia a dia das instituições que se faz o futuro e se melhora a saúde da população. Por esse motivo, a divulgação de experiências organizacionais é de todo o interesse.

Um grupo de profissionais da Unidade Local de Saúde de Matosinhos lançou a ideia de um procedimento diferente de pré-admissão de doentes cirúrgicos, publicando não só a ideia, como levando-a à prática. É uma sugestão promissora, merecendo um comentário rápido.

A ideia de uma “walking clinic” (ou consulta preparatória, se quisermos dar-lhe um nome em português)  parece corresponder ao tipo de transformações organizacionais que é desejável ver ocorrer no sistema de saúde nacional (e não apenas no hospital público ou no Serviço Nacional de Saúde).

Primeiro, tal como apresentada, a proposta de “walking clinic” coloca o doente no centro da atenção, analisa e cria um melhor percurso para o doente dentro do sistema. Em vez de o doente “viajar” pelo sistema à procura das várias componentes dos serviços de saúde que necessita, são estas componentes que “viajam” ao encontro do doente num único ponto. É claro o potencial para uma maior satisfação do utente com este novo percurso dentro do sistema de saúde.

Segundo,  a identificação da oportunidade de melhoria na organização dos cuidados parte dos profissionais que conhecem a realidade que servem e assegura o seu compromisso para com o sucesso da iniciativa.

Terceiro, poderá contribuir para uma melhor articulação entre níveis de cuidados, um aspecto normalmente reconhecido como importante mas conhecido pela sua dificuldade na prática.

Quarto, tem potencial para uma redução de custos, quer para o hospital, quer para o próprio utente, neste último caso sobretudo custos de tempo e incómodo. Para o hospital, implicará sobretudo custos evitados de internamento desnecessário. Se não envolver custos acrescidos, para além dos associados com a reorganização necessária do espaço físico, a proposta da “walking clinic” será provavelmente bem vista aos olhos da administração do hospital.

Sendo claros os benefícios que esta iniciativa potencialmente tem, é adequado pensar igualmente nos desafios que se lhe colocam, e como poderão ser vencidos.

Primeiro desafio, como reagirão os doentes. É necessário assegurar que estes reconhecem o novo modelo de contacto como de igual qualidade à alternativa de três consultas. Não será certamente difícil garantir essa percepção do doente, mas convém não descurar este aspecto.

Segundo desafio, o modelo da “walking clinic” obriga a uma coordenação de tempos (dos médicos envolvidos) e do espaço que será importante respeitar de forma continuada. O risco é funcionar bem no início e mais tarde conforme forem surgindo necessidades de excepções, as três consultas passem a 2 + 1 e depois se caia novamente no modelo 1 +1 +1. A reorganização do espaço físico e sua manutenção são fundamentais para que o modelo da “walking clinic” seja interiorizado pelos profissionais envolvidos e pela organização, pelo hospital.

Terceiro desafio, articulação com os cuidados de saúde primários. A (sempre desejada) articulação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares é muitas vezes prometida e raramente cumprida. Esse risco existe aqui também. Correndo o risco de ser injusto com a proposta da “walking clinic”, essa articulação parece limitar-se a procedimentos administrativos de referenciação. Seria importante que semanalmente ou de duas em duas semanas houvesse uma reunião conjunta de apreciação e seguimento dos casos referenciados entre quem referencia e os profissionais envolvidos na “walking clinic”. A presença física e contacto directo agilizam a discussão e a compreensão mútua quanto à melhor forma de orientar o percurso do doente no sistema.

Quarto desafio, sendo louvável que na proposta se considere desde já um horizonte temporal para avaliação dos resultados da mesma, é de toda a importância que os critérios (e consequências) dessa avaliação sejam conhecidos desde o início. Essa definição permitirá uma maior facilidade de recolha de informação, e uma maior objectividade na avaliação da experiência inicial e definição de ajustamentos posteriores que se venham a revelar necessários.

Quinto desafio, sobreviver ao entusiasmo inicial. Como em todas as iniciativas que partem de baixo para cima, há um entusiasmo e um compromisso com a proposta que é patente na defesa da ideia. Inevitavelmente, este entusiasmo irá chocar contra uma “muralha” de dificuldades no dia a dia da sua aplicação. Essa muralha terá aspectos administrativos, institucionais e possivelmente até pessoais. Importa que essas dificuldades sejam ultrapassadas, e que a cada dificuldade superada o entusiasmo seja renovado. Será preciso acarinhar a “walking clinic” não apenas nos momentos iniciais, mas durante os seus primeiros anos, até que se torne “tradição”.

Comparando benefícios com custos, o saldo parece resultar positivo para todos os intervenientes, utentes, profissionais de saúde e administração do hospital. Não se dispondo de informação sobre os custos implicados e benefícios esperados, em termos previsionais, a apreciação resulta da presunção de que os custos adicionais estão sobretudo associados com a reorganização do espaço físico e os benefícios com a redução de tempos de internamento e a utilização mais racional dos meios de diagnóstico disponíveis.

Cabe agora provar que a promessa se concretiza. Tenho a esperança de que num prazo breve se escreverá um comentário à “walking clinic” não em termos condicionais e sim no presente de uma aposta ganha.

 

(post gémeo com estado vigil)


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debate via blog sobre limite orçamental na Constituição,

continua aqui (No reino da Dinamarca), em resposta aos argumentos do André Barata e do Sérgio Pinheiro.

Neste momento, faz falta a contribuição de um Constitucionalista…

e de quem mais quiser contribuir, claro 😀


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Colocar na Constituição limites ao défice público e/ou à dívida pública, sim ou não?

Nos últimos dias voltou a ganhar atenção a questão de haver vantagem, ou não, de colocar na constituição limites ao défice público e/ou à dívida pública. O André Barata lançou aqui ontem a discussão, defendendo que tal não deverá ser feito. O principal argumento é a perda de flexibilidade de decisão que implica.

Curiosamente, a perda de flexibilidade é também o principal argumento para que seja inscrito um limite constitucional ao défice e/ou à dívida pública. Embora em geral a perda de flexibilidade seja má, uma vez que é fácil pensar que o resultado sem flexibilidade pode ser sempre conseguido com flexibilidade de decisão, pois se for óptimo pode-se actuar exactamente da mesma forma. Ou seja, sem restrições é sempre possível alcançar pelo menos o mesmo resultado que com restrições.

Só que esta descrição é demasiado simples em muitas situações. A minha preferida para ilustrar intuitivamente o problema está presente na ilustração abaixo.

Esta ilustração corresponde a um vaso grego relatando um episódio da Odisseia – Ulisses amarrado ao mastro para poder ouvir o canto das sereias. Neste caso, a perda de flexibilidade (estar amarrado ao mastro) permite-lhe ouvir o canto das sereias, melhor resultado do que a alternativa com flexibilidade – ouvir o canto das sereias e afogar-se no mar atrás delas.

A decisão de ficar amarrado constitui um “compromisso credível” com uma acção concreta, não se atirar ao mar. E esse compromisso tem um valor, no caso ouvir o canto das sereias.

A transposição desta ideia simples para o campo da actividade económica, e em particular para as decisões dos governos quanto a despesa pública, a discussão das condições em que é desejável e quais as suas implicações para a própria gestão dos ciclos económicos e do crescimento económico, tem sido feita desde há praticamente três décadas e meia. Deu mesmo origem à atribuição do prémio Nobel de 2004 a Finn Kydland e Edward Prescott (a justificação pode ser vista aqui), e as raízes da discussão já estavam de alguma forma presentes no trabalho iniciado por Buchanan nos anos 60 (também ele um prémio Nobel da economia, ver aqui). Uma descrição mais detalhada em português do valor da perda de flexibilidade pode ser consultada no capítulo 4 do livro Economia Pública, de Pinto Barbosa.

Sendo então que existe valor em “regras” que limitam decisões futuras, não se deve saltar   imediatamente para a conclusão de que é melhor ter uma regra constitucional de limitação do défice ou da dívida, ou que é melhor não ter apenas para não perder flexibilidade. É preciso conhecer quais os benefícios da perda de flexibilidade, e quais os riscos de manter a flexibilidade.

Há também o problema operacional de definir como os limites seriam definidos, qual a definição de défice? estrutural, ajustado do ciclo económico? (que mantém alguma flexibilidade)? quem o calcula? que verificações existem? permite-se reacção a choques extremos não antecipados (por exemplo, catástrofes naturais, como é sugerido pelo André Barata)? Existem mecanismos alternativos para garantir o mesmo resultado?

Antes de concluir por um lado ou por outro, a favor ou contra a limitação constitucional ao défice público, importa dar resposta a diversas perguntas – não é uma tarefa fácil, mas definir posições nesta matéria deve ir para além de intuições ou ideologias.

A forma de apresentação também influencia fortemente a nossa percepção e posição – suponhamos que o governo anunciava um compromisso de não aumentar mais impostos, presentes e futuros. Colocado a votação ou sondagem, certamente que este compromisso teria o acordo da maior parte da população (toda?).  Mas esse compromisso significa que a despesa pública, o défice público, fica limitado pela evolução dos impostos de acordo com a actividade económica. E se houver uma catástrofe natural, para respeitar o compromisso, terá que reduzir outra despesa pública. Um compromisso de não aumentar impostos é equivalente a colocar na Constituição um limite ao défice público.

 

(post gémeo com o blog No Reino da Dinamarca)


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saúde e BPN

Nas discussões da conferência da CNECV surgiu pelo menos duas vezes, por pessoas diferentes, a questão de porque é que se quer poupar mil milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde, por um lado, e se continua a “enterrar” mais do que isso no BPN.

Esta é uma pergunta que tenho também ouvido noutros contextos e que merece resposta cuidada, porque é demasiado fácil entrar em demagogia sobre o assunto. Vale a pena antes de responder recuperar a história do processo.

O BPN foi nacionalizado no início da crise financeira internacional. Embora houvesse questões de suspeitas de fraude envolvidas (isto porque caberá ao sistema de justiça decidir…independentemente das nossas posições e visões pessoais), o principal receio que motivou a intervenção, tal como foi apresentado na altura, era o de se criar um efeito de peças de dominó, colocando em questão todo o sistema financeira nacional apenas por reacções desproporcionadas num contexto internacional adverso. Ou resumindo, para evitar o pânico e a corrida aos bancos.

Este motivo era sério, e na altura justificava-se.

Cerca de 6 meses depois era já claro que o BPN não apresentava risco sistémico – o seu desaparecimento não implicaria uma corrida ao bancos, nem o colapso do sistema financeiro português (pelo menos a julgar pela informação pública disponível). Ora, nessa altura deveria ter sido tomada uma decisão definitiva sobre o banco, vender ou extinguir. Vender é sempre mais atractivo, pode-se pensar em recuperar algum valor. Só que não há compradores, nas actuais condições económicas, pelo que para vender se torna necessário fazer alguma “limpeza” interna no banco. Aqui é que o julgamento começou, a meu ver, a ser menos claro, e a não haver a coragem de fechar o banco.

Situação que aliás perdura. Claramente, não aprendemos com os erros passados, uma vez que sempre que se procurou salvar empresas ou instituições em muito difícil condição económica e financeira, o resultado foi sempre “enterrar dinheiro dos contribuintes”, sem mais efeito do que adiar o encerramento.

Este é um processo de decisão, que se iniciado por boas razões se foi complicando à boa maneira portuguesa.

Mas mesmo que estejam aqui em causa vários milhões, encerrar o banco não evitará todos os custos – há compromissos a ser respeitados.

Ligando à saúde, mesmo que se conseguisse um encerramento que evitasse os milhares de milhões que entraram no saneamento do BPN, e se usasse esse valor no Serviço Nacional de Saúde, teria-se quando muito a capacidade de “limpar” as dívidas atrasadas, mas sem alterar o modo de gastar (uso gastar propositadamente no lugar de funcionamento) do Serviço Nacional de Saúde, então o problema voltaria a surgir em poucos anos. Desviar a verba do BPN alivia o momento, descansa as consciências, mas não resolveria as dificuldades subjacentes.

É importante relembrar que o corte pretendido nas despesas públicas com saúde não se destina a pagar os cerca de 3 000 milhões de euros assumidos no Orçamento do Estado como estando em dívida aos fornecedores do Serviço Nacional de Saúde.

O processo do BPN pode estar a ser mal gerido, mas é independente do que se passa na saúde.

O sector público da saúde precisa de gastar menos, mas essa necessidade não é afectada pela solução para o BPN.


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no dinheirovivo.pt de hoje,

a contribuição habitual de segunda-feira, aqui, com uma sensação de profecia que se cumpriu,

União Europeia – Consegue-se aprender com os erros?

12/12/2011 | 17:17 | Dinheiro Vivo

A cimeira europeia do final da semana passada acabou por dominar, como seria de esperar, todas as atenções.

Não se chegou a qualquer solução real, como seria de esperar dadas as posições expressas antecipadamente pelos diversos países, Reino Unido incluído. A ideia de se avançar para uma “união de estabilidade orçamental” com os 17 países do euro é uma proposta de recurso, para tentar solucionar a actual instabilidade.

A necessidade de uma maior “estabilidade orçamental”, com controle comum, entendido a maior parte das vezes como controle alemão, tem sido implícita ou explicitamente justificada com os “excessos orçamentais”, sobretudo dos países do Sul da Europa.

Contudo, por politicamente atractiva que seja esta visão no Norte da Europa, e aceite tacitamente pelos países em situação de resgate financeiro ou com receio de dele virem a precisar, não deixa de esconder um aspecto crucial. Um aspecto que é crucial por estar na origem da actual crise política no seio da União Europeia: em finais de Novembro de 2003, há oito anos, numa cimeira europeia ficou decidido não iniciar procedimentos relativamente aos défices orçamentais excessivos da França e da Alemanha.

Na altura, escrevi no Semanário Económico: “passou a ser verdade que regras como as do Pacto de Estabilidade e Crescimento dificilmente serão cumpridas pelos países grandes em condições de dificuldade. Daqui resulta a necessidade de os decisores políticos, devidamente preparados, apresentarem iniciativas com imaginação suficiente para que se consiga processar uma coordenação de políticas orçamentais, com credibilidade suficiente para que seja sempre respeitada. A não suceder, a prazo, o próprio objectivo de uma zona euro estável poderá ficar comprometido.” (as vantagens da informática é a facilidade em recuperar o passado).

A meu ver, o elemento fundamental de estabilidade a médio e longo prazo não é controle orçamental dos países do Sul, como tem sido feito crer. O crucial é estabelecer mecanismos em que os países grandes, leia-se no contexto do euro França e Alemanha, não tenham capacidade ou interesse em subverter em função dos seus interesses quando forem abrangidos por esses mecanismos.

Obviamente que há detalhes operacionais a serem trabalhados, dado que limites fixos constitucionalmente e/ou por tratado internacional para variáveis como o défice público e a dívida pública vão exigir, para além dos mecanismos de penalização, uma definição exacta de cada conceito e de como se mede.

Mas mais importante é perceber se os mecanismos a instituir são suficientemente fortes para que no futuro, daqui a 5 ou 8 anos, a França ou a Alemanha não queiram argumentar com situações de excepcionalidade para não serem abrangidos.

É neste sentido que o novo tratado terá de ser mais exigente do que as anteriores regras. A credibilidade das regras, a reputação do mecanismo, estabelece-se quando é difícil fazer a sua aplicação, isto é, quando são aplicadas aos países com maior peso, e não quando é fácil (ou seja, na “punição” dos países mais pequenos).

A União Europeia tem que aprender com os seus erros. Em concreto, com as ações que comprometeram a credibilidade dos mecanismos criados para defesa do espaço do euro.

Nova School of Business and Economics 
ppbarros@novasbe.pt


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crowding-out, explicado por

Ricardo Reis, Universidade de Columbia: aqui

Numa recente sessão no Parlamento, surgiu uma confrontação entre o deputado João Galamba e o Governador do Banco de Portugal Carlos Costa sobre um termo técnico – crowding-out – a propósito do crédito à economia, com direito a texto escrito por João Galamba.

Ricardo Reis faz uma exemplar discussão dos argumentos usados. A ler.