Nas discussões da conferência da CNECV surgiu pelo menos duas vezes, por pessoas diferentes, a questão de porque é que se quer poupar mil milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde, por um lado, e se continua a “enterrar” mais do que isso no BPN.
Esta é uma pergunta que tenho também ouvido noutros contextos e que merece resposta cuidada, porque é demasiado fácil entrar em demagogia sobre o assunto. Vale a pena antes de responder recuperar a história do processo.
O BPN foi nacionalizado no início da crise financeira internacional. Embora houvesse questões de suspeitas de fraude envolvidas (isto porque caberá ao sistema de justiça decidir…independentemente das nossas posições e visões pessoais), o principal receio que motivou a intervenção, tal como foi apresentado na altura, era o de se criar um efeito de peças de dominó, colocando em questão todo o sistema financeira nacional apenas por reacções desproporcionadas num contexto internacional adverso. Ou resumindo, para evitar o pânico e a corrida aos bancos.
Este motivo era sério, e na altura justificava-se.
Cerca de 6 meses depois era já claro que o BPN não apresentava risco sistémico – o seu desaparecimento não implicaria uma corrida ao bancos, nem o colapso do sistema financeiro português (pelo menos a julgar pela informação pública disponível). Ora, nessa altura deveria ter sido tomada uma decisão definitiva sobre o banco, vender ou extinguir. Vender é sempre mais atractivo, pode-se pensar em recuperar algum valor. Só que não há compradores, nas actuais condições económicas, pelo que para vender se torna necessário fazer alguma “limpeza” interna no banco. Aqui é que o julgamento começou, a meu ver, a ser menos claro, e a não haver a coragem de fechar o banco.
Situação que aliás perdura. Claramente, não aprendemos com os erros passados, uma vez que sempre que se procurou salvar empresas ou instituições em muito difícil condição económica e financeira, o resultado foi sempre “enterrar dinheiro dos contribuintes”, sem mais efeito do que adiar o encerramento.
Este é um processo de decisão, que se iniciado por boas razões se foi complicando à boa maneira portuguesa.
Mas mesmo que estejam aqui em causa vários milhões, encerrar o banco não evitará todos os custos – há compromissos a ser respeitados.
Ligando à saúde, mesmo que se conseguisse um encerramento que evitasse os milhares de milhões que entraram no saneamento do BPN, e se usasse esse valor no Serviço Nacional de Saúde, teria-se quando muito a capacidade de “limpar” as dívidas atrasadas, mas sem alterar o modo de gastar (uso gastar propositadamente no lugar de funcionamento) do Serviço Nacional de Saúde, então o problema voltaria a surgir em poucos anos. Desviar a verba do BPN alivia o momento, descansa as consciências, mas não resolveria as dificuldades subjacentes.
É importante relembrar que o corte pretendido nas despesas públicas com saúde não se destina a pagar os cerca de 3 000 milhões de euros assumidos no Orçamento do Estado como estando em dívida aos fornecedores do Serviço Nacional de Saúde.
O processo do BPN pode estar a ser mal gerido, mas é independente do que se passa na saúde.
O sector público da saúde precisa de gastar menos, mas essa necessidade não é afectada pela solução para o BPN.