Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


Deixe um comentário

Gabinete de Crise, com o tema teletrabalho – vivendo com o coronavirus (26)

Mais uma colaboração com a Rádio Observador, Gabinete de Crise, hoje tendo como convidada a Filipa Castanheira para falar sobre teletrabalho.

Da minha parte, deixo aqui o habitual resumo do meu contributo:

Número da semana: 67% – percentagem de cidadãos portugueses, acima de 18 anos, numa amostra representativa nacional com 1064 pessoas, que disse dar apoio forte a que sejam usados os telemóveis para seguir as pessoas infectadas com COVID-19.

Tema da semana: O apoio às medidas de controle da pandemia em Portugal e na Europa tem sido geral.

O inquérito europeu, realizado pela Universidade de Hamburgo, Universidade Erasmus de Roterdão e a Nova SBE da Universidade Nova de Lisboa, cobriu 7 países (Portugal, Alemanha, Dinamarca, França, Espanha, Reino Unido, e Itália) e mais de 7500 pessoas, com amostra representativa [da população de cada país no que se refere a idade, género e educação,]  decorreu nas duas primeiras semanas de abril, e analisou entre outros aspetos o apoio às medidas de controlo da pandemia e as decisões individuais de prevenção.

Outras medidas, ordenadas das que recebem mais apoio para as que são mais contestadas:

  1. Suspender eventos públicos de massas, 83%, 91% Portugal, 72% na Alemanha
  2. Multa para quem violar 14 dias de quarentena: 83% de apoio forte, mais elevado em Itália 90%, mais baixo na Alemanha 76%, Portugal 86%
  3. Fechar fronteiras: 82% de apoio forte, Portugal 95%, Alemanha 68%
  4. Fechar escolas: 80% de apoio forte, mais elevado em Portugal 91%, mais baixo na Alemanha 65%
  5. Recolher obrigatório (excepto para compras essenciais) de 3 meses: 63%, Itália 78%, Dinamarca 38% (Portugal, 78%)
  6. Usar telemóveis para seguir as pessoas infectadas, 56%, 71% em Itália, 46% na Alemanha, Portugal 67%.
  7. Verificação aleatória da temperatura na rua, 62%, 82% Itália, 36% Dinamarca (Portugal, 77%)
  8. Parar transportes públicos por 3 meses, 41% de apoio, 58% em itália, 26% Alemanha e Dinamarca, Portugal 36%

Ou só para Portugal, por ordem decrescente de apoio:

95% Fechar fronteiras

91% Suspender eventos públicos de massas

91% fechar escolas

86% Multa para quem violar 14 dias de quarentena

78% Recolher obrigatório por 3 meses (excepto compras essenciais)

77% Verificação aleatória da temperatura na rua

67% Utilizar telemóveis para seguir pessoas infectadas e com quem contactaram

36% Parar os transportes públicos por três meses

Mito da semana: o pior já passou. É um meio mito. O “pior” entendido como o número de pessoas infectadas na população não é perfeitamente conhecido. E o número de pessoas infectadas depende do nosso comportamento. Se voltarmos todos a sair como fazíamos em Janeiro, o contágio retomaria e voltaríamos ao início do processo de crescimento muito rápido.

Esperança da semana: O número médio por dia de novos casos tem vindo a baixar nas últimas duas semanas. Ainda está elevado, e baixa devagar, mas dá esperança de que estamos no caminho certo.


comparações entre países europeus – vivendo com o coronavirus (25)

Começamos a divulgar os primeiros resultados do esforço internacional entre as Universidade de Hamburgo, Nova School of Business and Economics, Universita Commerciale Luigi Bocconi e Eramus University Rotterdam.

A primeira divulgação está disponível aqui, em inglês.

Uma primeira observação sobre confiança na informação dada pelos governos e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com diferenças importantes entre países. Na Dinamarca, há uma maior proporção dos cidadãos em confiar no Governo nacional do que na OMS. Em contraponto, em França e Itália confia-se mais na informação da OMS do que na informação dos Governos nacionais. Em Portugal, a diferença de “confiança” não é grande, mas há ainda assim uma ligeira maior confiança na OMS do que no Governo português (3,53 em 4 de confiança no Governo, 3,74 em 4 na WHO, e a titulo de comparação, apenas 2,88 de confiança na informação das redes sociais – facebook, twitter, instagram).

Screenshot 2020-04-23 at 15.39.51


Deixe um comentário

gabinete de crise – vivendo com o coronavirus (24)

E aqui fica mais uma contribuição no programa da Radio Observador – Gabinete de Crise.

Para quem preferir ler, aqui fica um resumo da minha contribuição da semana 4 do Gabinete de Crise.

Número da semana: 90% – mais de 90% das pessoas que responderam a um inquérito da faculdade de economia da Nova nas duas primeiras semanas de abril indicaram um grau de preocupação com a economia elevado ou muito elevado (ao mesmo nível ou até mais elevado que a preocupação com a doença).

Na segunda metade de março: Preocupação pandemia elevada/muito elevada 89%; Preocupação economia elevada/muito elevada 78%

Na primeira metade de abril: Preocupação pandemia elevada/muito elevada 85%; Preocupação economia elevada/muito elevada 92%

Dos que voltaram a responder, na primeira metade de abril e que tinham respondido na segunda metade de março:

Com a pandemia: 43% estão mais preocupados, a preocupação é igual para 52% das pessoas. Com a economia: 76% estão mais preocupados do que antes.

Fonte: inquérito do Nova SBE Health Economics and Management Knowledge Center

(se quiser responder às perguntas da segunda metade de abril, pode fazer aqui).

A decisão de retomar gradual de atividade económica é necessariamente uma decisão política, que é informada pela evolução da componente de saúde pública mas também pela evolução da ansiedade com a componente económica que se começa a gerar. Vai ser preciso um equilíbrio entre os dois elementos para que não se venha a perder o esforço realizado até agora.

 

Tema: Quando e como começar a abrir a economia para o pós-pandemia?

Do anúncio do Presidente da República de ontem – espera-se que esta seja a última renovação do estado de emergência, até dia 2 de maio. Os motivos para mais este período de estado de emergência cobrem três aspetos: a) a tarefa de proteger as pessoas em lares precisa de mais tempo, b) a necessidade de estabilizar os internamentos para que se possa responder a algum aumento de casos – a expressão usada foi “atividade precavidamente aberta” – e c) dar tempo e espaço ao Governo para preparar a abertura gradual da economia – segurança e confiança como elementos essenciais para uma transição adequada.

Devemos por isso acompanhar o que vai ser a experiência de outros países que começaram este processo. Cada país vai ter que encontrar o seu ritmo. Mas podemos e devemos aprender com aqueles países que iniciaram mais cedo este processo.

Terminar as medidas de confinamento tem riscos e pode levar a novos casos de infeção. Em vários países têm sido sugeridos alguns princípios simples para avaliar e calibrar o momento e o ritmo de abertura, e a própria Comissão Europeia disponibilizou um conjunto de sugestões.

Primeiro, uma redução sustentada dos internamentos ou dos novos casos de COVID-19. É algo que podemos publicamente seguir. Este é um elemento comum aos vários países (Estados Unidos incluídos, com baseada do que a Casa Branca publicou ontem online sobre as linhas de orientação para a abertura da economia).

Segundo, o sistema de saúde, no nosso caso o Serviço Nacional de Saúde, tem de ter capacidade para tratar novos casos que surjam com essa abertura da economia, em particular os casos que requeiram internamento e cuidados intensivos.

Terceiro, e provavelmente o mais importante de garantir neste momento: ter a capacidade de testar para detetar rapidamente nos casos e isolar esses casos e os seus contactos (testar e isolar é a única forma de controlar um renascimento da epidemia dado que não existe vacina de medicamento para tratar). O testar também pode ser feito de forma mais eficiente fazendo testes de grupo para a presença do coronavírus.

Se um grupo, como um todo, dá teste negativo, então todos os membros do grupo são negativos. Isto permite acelerar o processo e usar menos testes, desde que haja a presunção de que há muitos casos negativos na população. O que ainda deve ser o caso em Portugal.

De acordo com o plano da Comissão Europeia há alguns pontos operacionais a garantir: ter um bom sistema de recolha de dados a nível local-antes de abrir o Governo deverá enunciar claramente como pretende fazer esta recolha; ter um sistema eficaz de encontrar quem contactou com uma pessoa infetada; está-se a popularizar a ideia de usar apps dos telemóveis para isto (mas é preciso ver como se resolvem os questões de privacidade); ser clara a capacidade de fazer testes rapidamente e com precisão; tem que haver uma adequada protecção dos profissionais de saúde; tem que se ir preparando o sistema de saúde para o aparecimento de uma vacina daqui a 12 – 18 meses. (Portugal nesse aspeto estará provavelmente melhor que outros países dado que tradicionalmente temos boas taxas de Vacinação na população!), e por fim é necessário proteger o que se sabe serem grupos de risco- Idosos em lares são o exemplo mais óbvio.

 

É preciso reconhecer que o vírus não deixou de estar em circulação. Dai a necessidade todos contribuírem para a sua monitorização, e o SNS que tem de estar preparado para responder se for preciso.

Não pode haver problemas com contactos para o SNS com dúvidas dos cidadãos, mesmo que em muitos casos não se confirme a COVID-19. Mais vale ter telefonemas a mais do que deixar espalhar o contágio. Neste aspeto, será muito útil que se possa vir a ter testes de identificação da presença do vírus que possam ser auto-administrados, em casa ou em pontos próximos de casa (farmácias são um óbvio candidato a ser um desses locais).

E agora vamos colocar as “necessidades da economia” em cima disto tudo – com o desaparecimento do turismo internacional, as pessoas que trabalham em atividades relacionadas com esse turismo, de modo formal ou informal, vão ter que se direcionar para outras atividades, que necessitem de mão de obra humana. E essas atividades vão precisar de ter capacidade de dar segurança relacionada com a saúde para evitar contágios seja entre trabalhadores seja no eventual contacto com clientes ou público. Mas como não sabemos como, onde e quando essas transições laborais vão ocorrer, é preciso vir a criar mecanismos suficientemente flexíveis para que sejam feitas de forma segura para todos. É algo que também vai ter de ser pensado durante estas semanas até ao início da abertura da economia.

 

Mito: Já existe um medicamento que permite curar a COVID-19.

Não é verdade. Há neste momento tentativas e ensaios com vários medicamentos, mas não há ainda evidência conclusiva. O medicamento que tem sido indicado por Trump, por exemplo, foi abandonado num ensaio clínico no Brasilpor estar a provocar problemas cardíacos nos doentes. E o caso francês que deu origem tem sido criticado por não poder ser retirado dele que o medicamento é seguro e produz os efeitos desejados. Tem sido experimentado como último recurso apenas, e com efeitos adversos.

 

Nota de esperança: a capacidade de realizar testes para a presença do vírus vai ser muito importante no futuro próximo, e estão em cursos várias linhas de investigação, incluindo algumas nacionais, para melhorar os testes – seja na rapidez dos resultados, seja na sua precisão, seja na facilidade da sua aplicação. Será um elemento crucial para se poder recuperar alguma normalidade de vida até se ter uma vacina.


1 Comentário

mortalidade e normalidade – vivendo com o coronavirus (23)

Nas duas últimas semanas chamou a atenção o crescimento da mortalidade diária em Portugal, retirados os óbitos atribuídos à COVID-19, tendo dado azo mesmo a preocupações quanto ao que poderia estar subjacente a esse crescimento súbito. Num post recente, coloquei aqui a evolução da mortalidade diária e da média de valores diários por semana, para ser mais fácil interpretar e comparar com os anos anteriores (seja a média dos 5 anos anteriores, seja a média dos 11 anos anteriores, em cada dia, conforme os dados oficiais disponíveis).

Ora, passadas duas semanas é tempo de atualizar essas figuras, que estão reproduzidas abaixo. Na primeira figura, o elemento mais importante é a linha vermelha na primeira figura, que traduz a evolução da média diária de óbito (calculada por semana). As linhas cinzentas são a mortalidade média diária por semana nos 5 anos anteriores. A linha roxa é o valor total da média diária por semana, incluindo os casos com COVID-19. A observação anterior que gerou preocupação foi a subida entre as semanas 10 e 13, muito abrupta, e em que o seguimento da linha vermelha traduzia o que era a passagem de um mínimo histórico na mortalidade para perto ou acima do máximo histórico. Os valores das semanas 14 e 15 (as duas semanas que passaram) traduzem porém um retorno da mortalidade sem presença de COVID-19 à “nuvem” das evoluções anuais (nota: esta ideia pode ser tornada precisa calculando desvios-padrão e ser feita com referência aos 11 anos anteriores, mas a figura é suficientemente ilustrativa).

A segunda figura apresenta os valores diários,  em que a linha azul é nessa figura a evolução sem óbitos onde está presente a COVID-19.

Ou seja, os piores receios – de se estar a aumentar a mortalidade por outras causas de forma anormal – não se confirmaram por agora. A ideia de “danos colaterais” – mortalidade por outros motivos aumentar – não deve ser afastada, e será de ir acompanhando essa evolução, mas claramente as estimativas mais elevadas desse efeito foram em grande medida resultado de se ter passado num curto espaço de tempo de valores perto de mínimos históricos para valores nos máximos históricos. A aleatoriedade que naturalmente existe parece estar na base dessa evolução, uma vez que a tendência das semanas 10 a 13 não se prolongou para as semanas 14 e 15.

É também patente que a mortalidade total, com óbitos com COVID-19, está em valores acima do que sucedeu nos últimos 5 anos (primeira figura), e frequentemente os valores diários são o máximo histórico face aos 11 anos anteriores.

A acompanhar de duas em duas semanas, para atualizar, dado que as flutuações diárias têm, como é de esperar, demasiado “ruído”.

figura 1figura 2


Deixe um comentário

the day after – vivendo com o coronavirus (22)

Desta vez, para aberta publicidade do webinar que fiz sobre “o dia seguinte”, com algum exercício de adivinhação (sem consultar entranhas de animais) sobre o sistema de saúde – disponível aqui o video.

Das perguntas colocadas, deixo aqui um primeiro conjunto de respostas:

Supondo que quem já esteve năo estará imune a apanhar de novo, bastará alguns infectados para que se espalhe novamente esta pandemia, correcto? como poderemos contornar este problema?

Na medida do que conheço, ainda não sabemos bem como o vírus se comporta, que imunidade fica e durante quanto tempo se tem essa imunidade. As opções que existem são conseguir uma vacina contra o vírus, conseguir uma cura contra o vírus, ou conseguir a denominada imunidade de grupo (em que o número de pessoas imune por contacto prévio com o vírus é suficiente elevado para que este não se propague de forma epidémica). Não tendo nenhuma das três possibilidades disponível de momento, a resposta ao problema terá que ser, muito provavelmente, uma estratégia como a seguida pela Coreia do Sul – identificação de casos, testes a todos os contactos desses casos, e isolamento até que

Năo poderá a telemedicina retirar valor percebido ao acto médico e à consulta?

Não creio, sobretudo agora. A telemedicina não é mais do que a medicina habitual com outro “veículo”, que tem agora o valor acrescido não ter o risco de contágio por COVID-19, que parece ser uma preocupação instalada nas pessoas.

A telemedicina é uma boa opçăo, no entanto há situaçőes, e eu diria na maioria das situaçőes năo se consegue realizar uma consulta sem ver o doente. Como será feito nestas situaçőes? Por exemplo na especialidade de ortopedia é necessário ver o doente em consulta.

Há referências em que mesmo em ortopedia há avaliações que se podem fazer por telemedicina, mesmo que nalguns casos seja preciso pedir a ajuda de uma outra pessoa. As barreiras são menores do que parecem, e vamos assistir à divulgação de muitas práticas nos próximos tempos.

Dado que o setor da saúde está em défice crónico anos, com os custos adicionais năo previstos por causa do COVID, como é que o sistema de saúde se vai financiar e reinventar, no futuro (próximo)?

Os próximos tempos vão ser, financeiramente, muito diferentes, já que o equilíbrio das contas públicas vai passar a ser avaliado de forma distinta – e para o cumprimento de regras europeias, há até uma margem de despesa pública em saúde que não será incluídas nessas avaliações de do equilíbrio das contas públicas. É uma folga de um par de anos que pode ser aproveitada para o Serviço Nacional de Saúde se reinventar.

Como se coloca a parte da veracidade de sintomas do doente se este pode simplesmente ser um teatro para ter acesso a determinados medicamentos?

Algum desse teatro também pode ocorrer na consulta presencial. E espero que os médicos consigam perceber os sinais desse teatro, seja na consulta presencial seja na consulta por telemedicina. E não sei se o “teatro” é assim tão frequente.

Também é importante pensar nas equipas domiciliárias (unidades de cuidados na comunidade, equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos) na sua segurança. o domicílio é um ambiente năo controlado- Há doentes acamados, em cuidados paliativos que desejam permanecer no domicilio. Se ficarem positivos com covid19, como cuidar deles?

Totalmente de acordo, seja em acesso a equipamentos de proteção, seja definição de protocolos de segurança, seja acesso a testes de despistagem de COVID-19.

Tendo em conta a situaçăo actual de falta de médicos de família, como prevê que esta seja colmatada?

Terá que ser continuado o esforço de recrutamento e de formação nessa área, atendendo a um planeamento baseado nas necessidades e nas reformas e saídas que possam ocorrer. O crescimento da cobertura por médicos de família tendo vindo a aumentar na última década, lentamente é certo, mas tem vindo a aumentar.

Năo corremos o risco de ter um sistema de saude despersonalizado, desigual, e ainda mais injusto?

Corremos sempre esse risco, com ou sem COVID-19. No caso da COVID-19, o elemento de acesso a meios de comunicação digitais introduz um elemento adicional de desigualdade que é preciso acautelar. Em termos de personalização, a utilização de novas ferramentas do mundo digital podem até tornar mais pessoal a relação de cada um com o sistema de saúde (na medida em que haverá mais informação que permite encontrar uma resposta única para cada pessoa, em vez de um modelo igual para todos). Mas talvez a pergunta de “despersonalizado” fosse no sentido de “humano”? nesse aspecto, alguns textos recentes têm evidenciado que em caso de necessidade a primeira preocupação das pessoas é encontrar uma resposta, que dê encaminhamento à sua situação. Não precisa de ser necessariamente um primeiro contacto pessoa a pessoa.

Considera que se năo for resolvida a crónica insuficiencia de financiamento a

Esta pergunta ficou a meio, mas talvez se relacione com outra acima, já respondida.

De quem é a responsabilidade por uma decisăo tomada por um robot em caso de morte ou acidente? Ou quando intervęm dois médicos em telemedicina?

No primeiro caso, se o robot ou intervenção de inteligência artificial tiver lugar apenas numa fase de diagnóstico será minimizada essa questão, que me parece colocar-se mais na parte de decisão sobre tratamentos. Mas haverá certamente formas de definir essa responsabilidade. Quando há intervenção de dois médicos em telemedicina, porque é a situação diferente de quando há dois médicos em sessão presencial, ou quando um médico pede opinião de outro. Não vejo razão para a telemedicina mudar esse aspecto. Pode é tornar mais frequentemente essas intervenções de vários médicos, mas não é algo inédito.

Claro que a telemedicina é melhor do que “nenhuma medicina” mas năo realizaçăo de exame objetivo aumenta sempre a probabilidade de erro de diagnóstico.

É possível que assim suceda em algumas situações, mas pode haver outras em que melhore – fazendo futurologia, se houver um algoritmo de inteligência artificial a observar as imagens em tempo real, poderá detetar alterações que não são visíveis ainda ao olho humano em questões de dermatologia. E alguns dos exames físicos que são feitos presencialmente podem ser feitos mesmo à distância (por exemplo, andar, tossir).

O sistema de saúde é uma “máquina imensa”, especialmente no sector público. Năo será mais expectável que todas estas mudanças surjam no sector privado e o SNS vá depois a reboque?

Neste momento, como vai tudo a reboque da COVID-19, algumas mudanças poderão ser rápidas e simultâneas aos sectores público e privado, nomeadamente tudo o que decorra de adaptações à COVID-19.

Considera que face à omissăo do diagnóstico oncologico e acompanhamento das doenças cronicas poderăo aumentar a carga de doença num futuro próximo?

Há claramente esse risco. Se não se chamar a atenção, é provável que ocorra, mesmo que não seja planeado dessa forma.

O rgpd já hoje pode ser aplicada à telemedecina e prevenir os pacientes que recorram a esta nova forma de medecina?

Creio que os principais direitos garantidos ao abrigo do RGPD também se aplicam na telemedicina. (se estiver errado, algum leitor certamente me corrigirá)

Portugal destaca-se nalgum destes desafios?

Correntemente, não vejo Portugal como líder, mas como é uma transformação que está a ser forçada pela COVID-19, não há motivo para não se dar um salto qualitativo.

Em que medida a crónica insuficiencia de financiamento do SNS afetará a evoluçăo necessária para a adaptaçăo digital que antecipou?

Pode até facilitar no sentido em que se torna óbvio a necessidade de renovações, que podem então ser feitas aproveitando o que for a aprendizagem deste período, sobretudo havendo alguma benevolência com a parte financeira associada com as despesas públicas em saúde.

Será que uma das tendências será também uma preocupaçăo com uma melhor e mais frequente informaçăo ao doente, tal como já acontece há alguns anos noutros países?

Essa exigência provavelmente surgirá dos próprios doentes, consoante vão aprendendo a “navegar” novos modelos de relacionamento com o sistema de saúde e com o Serviço Nacional de Saúde em particular.

A presente colaboraçăo dos hospitais privados ao SNS poderá vir a reforçar os laços entre ambos? Em que medida poderá fomentar esta relaçăo no futuro e eventualmente uma privatizaçăo do SNS?

É mais provável, até tendo em conta as últimas notícias, que a presente colaboração “azede” um pouco as relações entre hospitais privados e o SNS se começarem a existir diferendos na interpretação de como se aplica o acordo que foi estabelecido. Não vejo que esteja aqui em causa uma privatização do SNS, uma vez que se trata de uma situação de emergência e a colaboração estabelecida é apenas para a resposta à pandemia.

Se o financiamento dos hospitais e cuidados de saúde primários năo acompanhar esta mudança dificilmente vamos ver uma mudança sustentável. Esta mudança pode trazer maior eficiência no longo prazo?

Sim.

Qual a sua opiniăo sobre os problemas éticos que podem sugir resultantes de uma assistencia médica mais baseada em data, informaçăo?

São problemas e dilemas aos quais teremos que dar resposta. Não vejo aí uma barreira impossível de ultrapassar.

Nos doentes crónicos em que existe necessidade de efectuar exames, análises como encara a telemedicina ?

Nas análises e exames que não são feitos na consulta presencial, não há alteração substantiva. No que for observação sem toque, também em grande medida se poderá observar via telemedicina. E generalizando-se a telemedicina podemos vir a ter desenvolvimentos que não antecipamos hoje – fazendo uma vez mais futurologia, não podemos afastar que no futuro uma pequena caneta na mão do doente não consiga recolher um conjunto amplo de informação que é transmitida imediatamente ao médico, eventualmente com um quadro comparativo com o passado do doente ou com um grupo de referência.

Formaçăo em telemedicina, uma nova área a ser criada para quem exerce a medicina?

Não sei se é necessariamente uma nova área ou um canal diferente pelo que qual se exerce a mesma medicina (enquanto conhecimento).

A variável tempo e fundamental na gestăo de risco, qual a estimativa de datas face aos cenários actuais, para o Day After, e início da reorganizaçăo do sistema de saúde e investimentos com vista a nova procura e oferta, sabendo-se time-constrained entre a 1ª vaga e 2ª vaga estimada no inverno 2020/2021?

Estas transformações vão levar mais tempo do que apenas o possível tempo entre o final da atual situação e a potencial 2ª vaga.

Qual a posiçăo das seguradoras relativamente a um possivel aumento de diagnósticos errados em telemedicina. Poderá ser isto um entravo à generalizaçăo da telemedicina – demasiado riscos para os médicos?

Para esta pergunta não tenho resposta. Mas estando a telemedicina em expansão, e havendo pressão crescente para evitar contactos presenciais por medo da COVID-19, é provável que seja encontrada forma de ultrapassar esses entraves, se realmente existirem.


Deixe um comentário

dados oficiais – vivendo com o coronavirus (21)

Ainda o tema do acesso a dados: de acordo com o website do Ministério da Saúde que dá informação sobre a COVID-19, é possível, neste momento, a grupos de investigadores interessados solicitar os dados sobre os casos tratados. Ou seja, apesar das muitas queixas, intensificadas nos últimos dias, o Ministério da Saúde esteve a tratar, como tinha sido assegurado, dos processos necessários para disponibilização de mais informação sobre os casos.

Sendo fácil exigir e criticar, é justo que agora se agradeça a disponibilização dos dados (ok, já sei que haverá logo quem diga, sim, mas ainda falta….). De qualquer modo, passa a existir mais informação, que permitirá análises mais detalhadas da COVID-19, e que provavelmente originará questões que vão necessitar de outro tipo de informação. Passa também a ser exigido a quem solicitou os dados que agora faça o melhor possível com o que está disponibilizado, melhorando o nosso conhecimento sobre a pandemia, mesmo dentro das limitações que vão certamente ser apontadas a estes dados.

Alguns comentários rápidos.

Os dados são tornados anónimos de modo a que não se consiga saber a identidade da pessoa a quem respeitam – é o adequado.

É fornecida informação sobre as características dos campos da base de dados – fica satisfeito o elemento central de uma carta aberta que circulou sobre o acesso aos dados, no que respeita a saber a definição dos dados (a outra parte da carta aberta, sobre o formato do boletim diário de divulgação geral, não é relevante aqui).

O processo de solicitação dos dados é simples – basta preencher um formulário, identificando o investigador e a universidade a que pertence. É bom que assim seja, afasta as minhas preocupações mais sombrias, expressas num post anterior, pelo menos para este conjunto de dados disponibilizados. Na verdade, até me parece simples demais – não faria mal que os investigadores dissessem em dois ou três parágrafos o que pretendem fazer com os dados, e que houvesse um compromisso assinado pelos investigadores quanto ao uso que vão fazer dos dados e quanto ao envio em primeira mão dos resultados do que fizerem, para conhecimento e não para aprovação, obviamente). Talvez haja esse compromisso, e seja pedido antes do envio dos dados, desconheço se assim é, uma vez que nada é dito sobre este aspecto.

São os dados definitivos? claro que não, enquanto houver COVID-19 os dados irão mudar por se adicionarem mais doentes, e mesmo alguma informação passada poderá ser atualizada (é normal que assim seja, sobretudo porque os dados estão a ser fornecidos muito rapidamente).

São os dados suficientes? bom, aqui os investigadores vão agora queixar-se que os dados nunca são suficientes, uma vez que dependendo das questões que queiram tratar há sempre mais informação que seria bom ter (e que frequentemente não estará disponível de qualquer modo). O próximo passo é dos investigadores e do seu trabalho.

(11 de abril de 2020 – coloco a data, para o caso deste post ficar desatualizado por retirarem ou alterarem a possibilidade de solicitar os dados, ou mudar algum elemento do processo)


Deixe um comentário

Gabinete de crise nº 3, na série vivendo com o coronavirus (20)

Terceiro programa Gabinete de Crise, na Rádio Observador, sobre “estamos a conseguir tirar pressão ao Serviço Nacional de Saúde?, pressão devido à COVID-19 naturalmente, e tendo como convidado Pedro Ponce, médico de cuidados intensivos, a dar o relato da realidade que vê.

Do meu lado, o contributo por escrito segundo as linhas habituais (a versão oral é sempre ligeiramente diferente da versão escrita, por isso sugiro ouvir primeiro, e ler depois).

Número da semana: -60% de movimento de pessoas em lojas, mercados, supermercados e farmácias depois da declaração do estado de emergência, menos do que em geral. É importante por revelar que em locais de compra de bens essenciais, locais candidatos a serem pontos de transmissão de contágio, houve uma diminuição acentuada da circulação de pessoas. Também revela que a logística de abastecimento destes bens esssenciais tem sido assegurada por produtores, transportadores e distribuidores.

Tema da semana: a capacidade do sistema de saúde em dar resposta, tendo como centro o Serviço Nacional de Saúde em Portugal. Primeiro ponto, nenhum sistema de saúde está preparado – no sentido de ter capacidade imediatamente disponível – para responder a uma pandemia que leve a um número elevado de casos de internamento e em unidades de cuidados intensivos. O que é importante é perceber suficientemente cedo os sinais do que possa estar a chegar e preparar da melhor forma – o que significa neste contexto, só colocar dentro do hospital quem realmente precise e mobilizar a capacidade adicional para as zonas de intervenção críticas. Nesta pandemia, tivemos algum tempo de avanço – vimos o que sucedeu na China, e depois em Itália e Espanha. Comparação internacional das capacidades dos sistemas de saúde: a informação é antiga e não tem em conta estes elementos de flexibilidade. Antecipamos com quatro linhas de atuação – primeiro, ganhar tempo – com identificação e isolamento dos primeiros casos; segundo, estratégia global de manter doentes que não precisam de internamento fora dos hospitais – o que ficou conhecido como os 80 – 15 – 5. Ter anunciado e feito desde o início garantiu que não se “inundou” os hospitais logo à partida; c) mobilização de capacidade interna – preparando outros serviços que não apenas pneumologia para receber doentes COVID e adquirindo mais ventiladores; Faz parte deste esforço adiar cirurgias não urgentes (mas as cirurgias urgentes devem continuar, e quem precisar deve continuar a ir procurar ajuda) d) contratar antecipadamente com o setor privado a opção de usar capacidade que tenham, se vier a ser necessário usá-la. Com a incerteza sobre o que vai ser realmente necessário, esta flexibilidade de utilização progressiva de capacidade é importante. Até porque a capacidade aqui é não só camas, ventiladores mas também profissionais de saúde. E se ventiladores podem ser comprados, não se consegue formar profissionais de saúde a tempo. Em momentos anormais, os números de capacidade normal dizem muito pouco, sendo muito mais importante ter a flexibilidade de adicionar capacidade antecipadamente e conforme se previr que vai sendo necessário. De momento, estas linhas de resposta parecem estar a conseguir evitar as situações dramáticas que foram reportadas em Espanha e Itália, e agora em Nova Iorque.

Mito da semana:  vai haver uma vacina em breve, até ao Verão. É falso porque a produção de uma vacina, com os testes necessários para garantir que protege e é segura, bem o próprio processo de a produzir, não leva menos de um ano depois de descoberta, e neste momento não há sequer uma descoberta comprovada. Há várias tentativas em curso, mas sem certeza do que possam originar.

Esperança da semana: os números de novos doentes confirmados indiciam que as medidas de restrição de mobilidade e distanciamento social estão a começar a produzir os efeitos pretendidos. A esperança é que esta evolução se confirme nos próximos dias e semanas, e para que isso aconteça é necessário manter o esforço.


1 Comentário

dados e peritos – vivendo com o coronavirus (19)

A discussão dupla sobre a cedência de dados da pandemia para investigação que ajude nas estratégias para lidar com a COVID-19 e sobre os peritos que estão a apoiar a Direção-Geral de Saúde e o Ministério da Saúde ganhou luz mediática. Até certo ponto estão ligadas, por fazerem parte do que parece ser um certo secretismo.

Convém, no entanto, ganhar alguma perspectiva. Primeiro, quem está a apoiar a DGS não é assim tão secreto. Basta aceder à entrevista de Baltazar Nunes ao Expresso, disponível aqui (embora com paywall). Apenas por estarem a fazer o seu trabalho, e darem-no à DGS, sem fazerem uma conferência de imprensa de cada vez enviam a informação não é problema. Até pode ser uma vantagem, estarem concentrados nesse trabalho em vez de ofuscados pela luz mediática.

Haveria vantagem quanto a mim de fazerem como tem sucedido noutros países: divulgarem um texto técnico, que possa ser apreciado enquanto tal. Os dois melhores exemplos vieram de Inglaterra (com o documento do grupo do Imperial College aqui) e da Austrália (document aqui). Se é uma discussão técnica que se pretende, tem que existir um documento técnico de suporte, e os comentários e sugestões de melhoria da análise devem ser feitos sobre esse documento e não na discussão pública via meios de comunicação social. De preferência ser colocado em inglês para que uma comunidade mais alargada possa ter conhecimento e entrar na discussão. O documento se preferirem até pode ser assinado por um grupo, sem menção dos nomes. Aliás, até começo a pensar que deve ser conhecido o grupo todo, para que a análise do documento e do modelo seja completamente independente dos nomes que a elaboraram. Não é a constituição do grupo que interessa, é a qualidade técnica do seu trabalho. De outro modo, entraremos facilmente numa “guerra” de protagonistas à volta da luz mediática (sim, estou a usar várias vezes o termo propositadamente). Ou seja, o pedido deve ser sobre o documento técnico que descreva o suporte das análises que guiam as decisões públicas, e não sobre quem está ou não está presente nesse grupo.

Vamos agora à questão dos dados, e cedência para efeitos de investigação. Sobre os dados mais agregados e a sua ligação a diversos modelos de previsão, expressei há dias a minha visão, na newsletter da Associação Portuguesa de Economia da Saúde, disponível aqui. O resumo é simples: os dados divulgados publicamente devem ter a menção de que são preliminares, provisórios ou definitivos, o que dá indicação de que poderão ser, ou não, revistos brevemente ou a médio prazo. Mas o que se está a discutir quando se fala em cedência de dados para investigação é mais do que isso – são os dados referentes ao percurso dos doentes, devidamente anonimizados – para proteção da privacidade de cada um, e que permitam perceber aspectos clínicos da COVID-19 e aspectos da resposta organizada do Serviço Nacional de Saúde. São dados mais sensíveis. Como tal a sua cedência tem que obedecer a regras que garantam o seu bom uso (para os fins de investigação que ajude na estratégia de resposta à COVID-19). Aqui, provavelmente a melhor forma é usar formas de cedência de dados já testadas noutros contextos – o Ministério da Saúde definir que conjunto de dados quer ceder para investigação, dando informação sobre que dados estão disponíveis e em que condições. As equipas de investigação então ficam com o dever de se  registarem, apresentando as linhas fundamentais da sua proposta de investigação. Essa proposta será validada (rapidamente, assegurando o respeito pelas condições de cedência – por exemplo, não vender os dados obtidos desta forma, e receberem sempre os resultados da investigação produzida) pelo Ministério da Saúde, que publicita a cedência dos dados para o grupo de investigação, tornando público o respectivo plano proposto.

Fazer de outra forma, e dar apenas a um grupo de investigação, ou apenas a uma instituição, o acesso aos dados seria um procedimento na melhor tradição portuguesa de discriminar uns face a outros, e de abdicar da contribuição de uma inteligência colectiva disponível e que deve ser aproveitada neste contexto atual. Seria abdicar de ter ideias concorrentes exploradas para o bem comum.

A questão da cedência dos dados, que ganhou alguma natureza oficial nas últimas decisões do Governo (aqui, numa notícia recente do jornal Público, e aqui) não pode ser transformada numa predileção por esta ou por aquela instituição (seja ela qual for). Afinal, o essencial é poder contar com o contributo da comunidade científica portuguesa.

 


Deixe um comentário

a vida nos dias que correm – vivendo com o coronavirus (18)

Desde o primeiro caso de COVID-19 verificada em Portugal, a 2 de março, que a vida se foi alterando progressivamente, até à declaração do estado de emergência (ainda assim suave). Para compreender como estamos a viver este período, muito se tem feito e escrito. As redes sociais multiplicam as opiniões e contas, e surgem diversos inquéritos para saber em mais detalhe como se processa a “nova vida”, fazendo deste período um dos mais documentados da nossa história colectiva em praticamente tempo real.

Nesta corrente, também o grupo de investigação que integro na faculdade de economia da Universidade Nova tem acompanhado as decisões e como estamos a lidar com este momento (com um inquérito online, que entrevistas cara a cara estão banidas por agora). A revista Visão publicou alguns dos principais resultados, disponíveis em minuto e meio de video aqui, sobre a semana antes da entrada em vigor do estado de emergência.

Sendo um inquérito online, como outros que têm estado a circular, a amostra obtida pelas pessoas que respondem não é uma representação estatística apurada da sociedade portuguesas e tem fortes elementos de auto-seleção de interesse no assunto e disponibilidade para responder. Ainda assim, ajuda a ganhar uma visão do que nos vai acontecendo e como vamos vivendo este tempo.

Nessa semana, ainda antes do estado de emergência, era já visível uma grande preocupação das pessoas, transversal à sociedade. E essa preocupação aumentou nos dias seguintes à declaração do estado de emergência. Preocupação com a doença em si, e também com as respetivas consequências económicas, sobretudo nos sectores mais imediatamente afetados (turismo, restauração, comércio).

Screenshot 2020-04-06 at 09.31.14

(Fonte: Revista Visão online)

Mesmo antes das medidas do estado de emergência um número considerável de pessoas e de empresas tinha iniciado o processo de isolamento e de redução, ou paragem, de atividade. Também a ida aos supermercados para abastecimento foi realizada no início dessa semana, aspecto que surge agora identificado também no Google mobility report como se vê da figura seguinte, baixando depois.

Screenshot 2020-04-06 at 09.22.31

(Fonte: Google mobility report Portugal)

Se nos quiser ajudar a conhecer como estamos três semanas depois, agradecemos e pode responder aqui – a informação prestada é anónima, os resultados agregados irão sendo apresentados publicamente com regularidade e ajudando a compreender como estamos e como podemos ultrapassar melhor este período.


2 comentários

preocupações adicionais do covid-19 – vivendo com o coronavirus (17)

Na semana passada, os dados da mortalidade diária indicavam uma subida anormal da mortalidade em Portugal desde o início de Março de 2020.

Para perceber porque essa subida do número de óbitos diários chama a atenção, é útil reconhecer que normalmente no início do ano, em Janeiro, há um maior número de óbitos por dia, que depois tende a descer até ao final do Verão, retomando no Outono um perfil de subida. Este padrão tem sido regular nos últimos 11 anos (os dados facilmente disponíveis), com excepções pontuais.

A mortalidade em Portugal vinha desde Janeiro a seguir o padrão normal, até ligeiramente melhor do que nos últimos anos. No início de Março, ainda antes de se iniciarem os óbitos associados com a covid-19 oficialmente conhecidos, a mortalidade diária inverte a tendência anterior, e inicia uma tendência de subida.

Em meados do mês de Março, começam a ser publicados pela Direção-Geral de Saúde a informação sobre os óbitos diários associados à covid-19, que podem então ser subtraídos à mortalidade total. Ora, mesmo fazendo essa subtração a subida da mortalidade diária continua (obviamente, menos forte do que se incluirmos os dados da mortalidade associada à covid-19). A figura abaixo ilustra esta evolução com dados agrupados por semana (para reduzir as flutuações diárias em termos de representação gráfica), onde se vê claramente a inversão da tendência de descida e a manutenção da tendência de subida da restante mortalidade (o que num contexto de paragem da atividade económica, incluindo circulação rodoviária e acidentes de trabalho que pudessem existir, não tem fatores acrescidos de risco). Ainda assim, está no limite superior do que se passou nos últimos cinco anos no valor global, embora como o ponto de partida para a inversão foi baixo, significar que o período de subida foi o mais constantes dos últimos 6 anos).

figura 1

(nota: esta figura é essencialmente similar a uma de há dois dias atrás, com a diferença de ter mais uma semana de dados em março de 2020, e de ter colocado mais semanas dos outros anos, para se avaliar bem a diferença face à tendência de descida geral que costuma existir nesta altura do ano)

Há várias potenciais explicações, que não são mutuamente exclusivas, e para as quais será relevante ter informação que as permita quantificar:

a) mortalidade adicional por as pessoas recorrerem menos aos serviços de saúde quando justificadamente o deveriam fazer – a redução no recurso às urgências parece existir, o que poderá ser resultado de situações graves não estarem a ser atendidas. A informação útil que suponho esteja disponível facilmente algures no sistema de saúde é a divisão entre óbitos em meio hospitalar (ou em serviços de saúde) e óbitos em casa ou noutro local. Se estes últimos estiverem a aumentar, em causas de morte que em geral deveriam levar as pessoas a procurar auxílio, poderá estar a verificar-se um “dano colateral” da covid-19.

b) mortalidade adicional associada à covid-19 mas que não está a ser identificada como tal. Esta possibilidade também deverá ser facilmente identificada nos dados, pois deveria estar a ocorrer mais óbitos por pneumonias não identificadas.

c) mortalidade adicional, nos serviços de saúde, por desvio de recursos para resposta à covid-19, com consequências no tratamento de outras patologias. Esta possibilidade é menos forte do que o apelo que possa intuitivamente , no contexto atual. Apesar da pressão da covid-19 ser grande não parece ter chegado à intensidade que se vê noutros países.

d) haver qualquer outro motivo pontual para a subida da mortalidade (nesse caso, qual?).

Para responder a estas questões, é preciso informação mais fina de que não se dispõe publicamente. Na medida em que possa ser dada uma resposta por parte do sistema de saúde a este aumento de mortalidade, deveria receber alguma atenção desde já.

Deixo a Figura 2 com os dados diários, para ilustrar que o efeito não decorre da utilização da média semanal.

figura 2

[Editado: 05/04/2020 – figura 2 adicionada; figura 1 com nova legenda]