Momentos económicos… e não só

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Em homenagem a João Lobo Antunes

Nos próximos dias muito se escreverá sobre João Lobo Antunes. A participação no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, e antes na Comissão Gulbenkian do projecto “Health in Portugal: a Challenge for the Future”, deram-me a oportunidade de com ele colaborar.

Muitos o conheceram melhor e durante mais tempo, e terão maior capacidade de descrever e falar de João Lobo Antunes, pelo que deixo simplesmente a homenagem a quem sempre valia a pena ouvir, subscrevendo o texto da mensagem institucional do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, do qual é/foi Presidente:

“Homem da ciência, médico, ensaísta, pensador, o Professor João Lobo Antunes deixa uma marca indelével na cultura portuguesa e a certeza de que a sua obra permanecerá, perpetuada na nossa memória e no nosso quotidiano. Deixa a todos uma enorme saudade também pelas suas qualidades pessoais, a sua generosidade e o seu afeto, que tocaram todos quantos tiveram a felicidade de o conhecer.”

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isto hoje tem um lado um pouco demagógico, a partir de uma carta aberta ao Presidente da República

Via facebook surgiu várias vezes a carta aberta ao Presidente da República que uma estudante que pretende entrar em medicina escreveu na Visão (ver aqui), por ter ficado de fora por poucas décimas. Surgiu também um comentário de resposta de um recém licenciado em medicina (também na Visão), e até o Bastonário da Ordem dos Médicos se pronunciou (em coerência com o que tem sido a sua posição), estes dois tomando a posição de que existem já demasiados médicos em Portugal (e mais serão com a formação que entendem ser excessiva neste momento).

Compreendo o desencanto, que se vê em muitos jovens, da jovem estudante. A sua carta e os comentários surgidos misturam diferentes argumentos e problemas: a) o sistema de acesso ao ensino superior; b) a capacidade de formação; c) o destino depois da formação no ensino superior.

Sobre o sistema de acesso ao ensino superior, não é claro o que seria um sistema alternativo que garantisse a igualdade de oportunidades. É certo que alguns ficarão de fora das suas primeiras preferências em termos de cursos e áreas de formação, mas não é evidente que haja interesse e capacidade de ter um sistema de ensino superior que garantisse que se teria sempre a possibilidade de entrar no curso pretendido (seria preciso um excesso de capacidade). Pode-se, e se calhar deve-se, discutir com mais cuidado que princípios estão por detrás das vagas oferecidas em termos de cursos e de locais (universidades que os oferecem). A situação actual decorre de um equilíbrio entre o que as universidades querem oferecer porque têm os professores para esses cursos, o que Governo / Estado quer em balanço entre regiões, não abrindo mais vagas nalgumas universidades públicas para que outras universidades igualmente públicas possam ter alunos (claro que esta posição não é normalmente assumida como política), o que o Governo / Estado entende serem formações mais ou menos relevantes, e a procura efectiva dessas formações (que também influencia o elemento anterior).

Sobre a capacidade de formação em medicina, esta tem que ser vista com cuidado, procurando identificar métodos e formas de ensino que procurem dar uma formação adequada de forma eficiente (isto é, utilizando da melhor forma as possibilidades de formação que existem).

Sobre o argumento de haver depois médicos a mais, ou não, não deixa de ser curioso que os mais fortes defensores de reduzir as vagas de medicina (e aumentar assim o número de jovens com o mesmo grau de descontentamento da estudante que escreveu a carta aberta) sejam os jovens médicos, muitos ainda estudantes de medicina. Como já expressei noutros textos deste blog nos últimos anos, a minha visão é muito diferente – o objectivo do ensino superior na área de medicina não é ser formador de pessoal para o Serviço Nacional de Saúde ou, numa visão mais corporativa, formar poucos médicos para garantir rendimentos elevados aos que conseguem entrar nas escolas de medicina. O ensino superior deveria ser um instrumento para a formação dos jovens portugueses de uma forma que lhes permita seguir as suas ambições e os seus sonhos, seja na medicina seja em história de arte seja em psicologia, etc…

Prefiro um médico português a trabalhar na Alemanha, porque essa é a sua vocação, do que ter uma formação que não gosta num posto de trabalho que não gosta em Portugal.

Mas se querem usar argumentos económicos, também o podemos fazer, e não levam à restrição de entradas em medicina. O principal argumento apresentado é o de se fazer investimento em médicos que depois vão para fora do país. Os contra-argumentos são simples: vai haver emigração de médicos por pressão dos países do Norte da Europa que vão ter escassez de médicos, pensar que a emigração resulta apenas de desemprego médico em Portugal e que não existirá procura externa é, muito provavelmente, errado. Mas mesmo que fosse esse o caso, seria sempre possível definir que excesso de custos de formação de medicina seria pago pelos alunos com um empréstimo que seria anulado se ficassem a trabalhar em Portugal e pago se fossem trabalhar para o estrangeiro (afinal era esse objectivo, certo? evitar que fossem pagas formações a quem emigrasse). Ou outro mecanismo qualquer. Mas podemos ir mais longe, tendo capacidade formativa superior às necessidades efectivas do país em termos de recursos humanos (o que implica uma visão de planeamento central das profissões, que aceitemos para efeitos de argumento), porque não pode ser esta também uma “indústria exportadora”? formar bem médicos para o espaço europeu, incluindo formar candidatos que não sejam portugueses que trariam para Portugal as propinas e as despesas de vida, e talvez até a decisão de ficar num país com uma baixa taxa de natalidade (relembro que estou a usar argumentos económicos).

Ou seja, o desencanto da estudante que escreveu na Visão tem tudo para gerar uma discussão “viral” demagógica. Tem, porém, um fundo de realidade que merece discussão porque encerra também uma visão de sociedade e de missão para o ensino superior.

(os textos anteriores deste blog sobre as entradas em medicina estão aqui, aqui, aqui, aqui aqui, e ainda aqui)


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 30 – Outubro 2016)

Os números da dívida dos Hospitais EPE divulgados ontem, referentes à execução orçamental de Setembro de 2016 apresentam ligeira melhoria face ao mês anterior (redução na dívida de 2 milhões de euros, e um valor inferior em quase 32 milhões de euros ao que é a tendência histórica – ou seja, baixou 2 milhões de euros em vez de subir quase 30 euros). Sendo uma boa notícia, é ainda insuficiente para se pensar em atingir o objectivo anunciado de ter dívida no final de 2016 inferior ao valor de 2015 ou para se pensar que há uma inversão de tendência (pois por várias vezes têm surgido ligeiras descidas de dívida, que nos meses seguintes volta a subir com renovado vigor). O padrão de evolução do último ano, o período mais longo sem haver pelos menos 4 meses consecutivos de descida da dívida, tem sido caracterizado por três a quatro meses de alguma estabilidade e depois um salto ascendente na dívida. O valor agora divulgado insere-se bem nessa padrão. Ainda assim, permite uma revisão de estimativa de crescimento histórico ascendente de 29,44 milhões de euros/mês para 28,92 milhões de euros/mês.

Com o aproximar do final do ano, é de esperar que a pressão para contenção da despesa hospitalar e das dívidas em atraso tenha algum efeito; a ocorrer só nos primeiros meses de 2017 se terá um visão definitiva sobre se houve um efeito permanente ou apenas temporário.

 

(editado: sobre este tema, ver também o artigo de Marta Reis no “i” online, aqui)

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Análise económica e junk food

O “fat tax” (ou como já lhe chamaram o “sweet tax”) surge como uma tentativa de utilizar instrumentos económicos, como impostos, com objectivos de saúde pública. Embora a discussão tenha estado muito voltada para a importância de alterar os hábitos dos consumidores, convém não esquecer que há também o ajustamento que as empresas podem fazer e sobre o qual se sabe muito pouco.

No caso do imposto sobre as bebidas com elevado teor de açúcar, uma forma de ajustamento natural das empresas será uma redução do preço antes do imposto, o que tende a compensar, no preço final, o efeito pretendido pelo aumento do imposto.

Os textos do Diogo Nogueira Leite nos Bloggers da Saúde e da Marlene Carriço no Observador tratam de vários aspectos relacionados com o tema, que complementam esta observação sobre o que as empresas podem fazer.

Um outro instrumento possível é limitar (ou banir, no limite) a publicidade a estes produtos. No caso do tabaco, as proibições ou limitações de publicidade têm tido menos efeito que utilizar impostos. Mas curiosamente, num trabalho sobre um tipo de junk food – batatas fritas – um conjunto de investigadores encontrou um efeito positivo de ter limitações de publicidade, apesar de haver desvio de consumo para outros tipos de junk food e ter ocorrido uma redução de preços como forma de manter os consumidores (isto se a publicidade não for valorizada por si) (texto original aqui). Há assim vários “instrumentos económicos” disponíveis e em cada caso é necessário também conhecer como os diversos agentes económicos se adaptam às novas condições de mercado.


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Conferência “Portugal em Exame”

Hoje decorre no Museu da Carris a conferência “Portugal em Exame”, com a nova geração da Nova School of Business and Economics (os ditos millenials) a darem a sua visão sobre as transformações da economia portuguesa.

Nestas conferências corre-se sempre o risco de ter os “mesmos do costume” a falar para os “mesmos do costume”, veremos se a nova geração consegue introduzir desafios e ideias novas.

Intervenção inicial de Francisco Pinto Balsemão, com ênfase sobre a necessidade de sair do “marcar passo” em que se tem estado desde o início do milénio, com um crescimento que não tem sido suficiente para assegurar uma convergência em termos de PIB per capita com o agregado da União Europeia. A falta de investimento surge como uma preocupação fundamental.

Seguiu-se Carlos Alvares do Banco Popular, que fala do capital humano e da importância de reter talento, mas também da necessidade de “capital” para investir. Importância de ter um “pacto” para as políticas de crescimento e emprego. Necessidade de ter leis menos complexas e mais claras (um melhor funcionamento da Justiça é um aspecto importante para quem quer investir, nacional ou estrangeiro). Também é preciso uma política fiscal mais estável e previsível. A banca está a fazer o seu trabalho, na visão de Carlos Alvares, mas precisa de ajuda, não de ajuda no sentido de intervenção pública, mas sim em não ter regras que impliquem dificuldades em pequenos empresários em fazer suprimentos para as suas empresas, mesmo que tenham os fundos para isso depositados no sistema bancário. É um elemento pouco usual referir, mas acaba por ilustrar bem como os pequenos, ou não tão pequenos, grãos na engrenagem do funcionamento económico criam dificuldades que cumulativamente penalizam a dinâmica empresarial e o crescimento económico.

Seguiu-se a apresentação do Nova Economics Club, com Henrique Pita Barros, Miguel Costa Matos e Patricia Filipe (foto abaixo). Tema da apresentação: como transformar o pais? transformação económica e empresarial e transformação social. Primeiro tema: capacidade financeira das empresas. Ciclo vicioso de problemas de liquidez, pagamentos em atraso, baixo crescimento, que gera problemas de liquidez. Não é um problema de falta de bons projectos e sim um problema de capitalização e de crédito. Segundo tema focado: digitalização dos processo de produção e comercialização. Importância dos robots nos processos de fabrico – menor intensidade da sua utilização do que sucede noutros países europeus. A infraestrutura em si mesma é boa, com bom acesso a internet, que precisa de ser mais aproveitada pelas empresas portuguesas.

Terceiro tema: o papel das empresas na promoção da igualdade de género, como problema de civilização mas também como “custo” para o desenvolvimento económico por desaproveitar talento que poderia ser melhor usado.

Quarto tema: precariedade no mercado de trabalho, e o problema de criar investimento intangível dos próprios trabalhadores e das empresas na relação laboral, que favoreça a produtividade futura.

Segue-se um painel “político” (assim classificado pelo moderador), com Francisco Louçã e Luis Marques Mendes.

Francisco Louçã identifica 5 problemas: 1) grande divida externa, nomeadamente privada; 2) média de crescimento actual no euro foi muito baixa, período de estagnação; 3) nível baixo de investimento, e a história secreta do investimento é que descontadas as amortizações temos crescimento negativo; 4) nível de desigualdade, pobreza e desemprego estrutural que é muito importante; 5) tem uma condição de regras europeias que nos limita na utilização de medidas de política (a União Europeia é um projeto falhado que não tem capacidade de resolver os seus problemas). Defende aumento da procura para responder à estagnação (exportações, investimento e consumo). Efeito de confiança de aumentar pensões e rendimentos. Com taxa de juro zero, não há política monetária para facilitar o investimento. A chave da economia portuguesa é “confiança” e que para isso é preciso libertar-se dos tratados europeus.

Luis Marques Mendes –  há incerteza no plano europeu e mundial, uma Europa cada vez menos competitiva à escala global, problemas de natureza conjuntural e estrutural são agravados por esta incerteza. Ou seja, é necessário reduzir incerteza naquilo que está ao nosso alcance. Reforçar confiança [num ponto que é comum com Francisco Louçã]. Mais do mesmo não é solução. Três prioridades: sustentabilidade financeira no Estado (implica também repensar as funções do estado para ter menor despesa, combater centralismo, cultura do mérito dentro do estado [a minha sugestão é que se releiam as intervenções e sugestões surgidas nas Sextas da Reforma]); estabilidade das políticas públicas; entendimento, mesmo que informal, quanto ao nível global da despesa pública. Não será possível ter pactos de regime em Portugal, mas considera exequível um acordo social de médio prazo até final da legislatura. Último ponto: competitividade e sistema financeiro sólido para financiar a economia (problema que não ficou resolvido no tempo da troika), papel da capitalização das empresas. Necessidade de um choque de atitude: cultura de criar riqueza e de criar valor.

Francisco Louçã: problema de crescimento da economia portuguesa não está na recente crise internacional, está na entrada do euro; “destroçou” a competitividade da economia portuguesa.

[temas que gostaria de ter visto mais tratados: – não haver referência clara à forma de ter investimento que seja verdadeiramente produtivo e capacidade do sistema de financiamento das empresas – bancos sobretudo – conseguir fazer uma seleção adequada dos projectos de investimento ; não haver referência à forma de facilitar a dinâmica empresarial – entrada mas também saída de empresas e recolocar os activos em utilização útil; não terem tocado no tema de precariedade salarial como forma de distorção do mercado de trabalho]

(e termina por aqui a breve incursão no jornalismo económico informal :D)

 

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ainda discutindo a ADSE

No dia 11 de Outubro passado participei numa sessão promovida pelo movimento CidSenior sobre a evolução da ADSE, onde tive o prazer de partilhar mesa com Jorge Simões (ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde, que elaborou um estudo sobre a evolução da ADSE e as opções possíveis), Eugénio Rosa (economista, próximo dos sindicatos e influente nesse meio com as propostas que defende) e Alberto Regueira (da CidSenior), com moderação de Alberto Ramalheira.

Rápidos destaques das intervenções:

Jorge Simões – Discutiu a ADSE no contexto do sistema de saúde e do Serviço Nacional de Saúde. Referiu o papel da ADSE como entidade financiadora de actividades do sector privado. Falou dos três estudos existentes que têm conclusões similares quanto ao exercício de gestão e propriedade plena dos descontos realizados pelos quotizados. Defendeu que o Ministério da Saúde não deve assumir a responsabilidade da gestão. A intervenção do Ministério da Saúde deve ser feita pelo Serviço Nacional de Saúde. Dadas as características particulares da ADSE, o Ministério da Saúde deve ter poderes de tutela. Outros pontos centrais: garantir a gestão democrática da ADSE pelos seus associados; alargamento dos beneficiários dentro do perímetro do Estado (contratos individuais de trabalho na administração pública não devem ser excluídos); as famílias devem ser contribuintes activas do sistema; promoção do regime convencionado em detrimento do regime livre; revisão dos preços e benefícios terá de ser realizada – a ADSE tem que conhecer o mercado e a actividade clínica; é importante conhecer as preferências dos beneficiários.
Eugénio Rosa – Referiu a importância de dar segurança aos beneficiários e de estes terem controle sem haver desresponsabilização do Estado. Não se deve tomar a ADSE como um mero seguro de saúde. Falou das diferenças de custos por escalão etário. Falou na ADSE como instrumento complementar ao Serviço Nacional de Saúde. Quanto à questão da ADSE financiar os prestadores privados, referiu que o Serviço Nacional de Saúde também o faz. Referiu ainda que a ADSE faz parte do estatuto laboral dos funcionários públicos, é um complemento salarial dado em espécie, daqui retirando implicações: que o âmbito da ADSE é a função pública, e como tal é só para os trabalhadores da função pública e não deve ser alargada a toda a população. Defende um modelo de instituto público de gestão participada, com a sua criação através de um diploma inovador. Apresentou ideias sobre o desenho organizacional para garantir uma efectiva participação dos associados.

Alberto Regueira – Focou no que motiva o interesse pela ADSE, incluindo uma referência ao mau funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, e a importância da relação de confiança com o médico. Falou na importância de ser gerida por profissionais de forma eficiente. Colocou diversas questões para discussão: porque manda o Governo na ADSE se esta é auto-financiada? que participação dos associados está prevista pela solução do Ministério da Saúde? irá haver apoio financeiro público à ADSE? porque não abrir a novas camadas de associados, mesmo fora do sector público? o que sucederia ao Serviço Nacional de Saúde se tivesse que responder à actividade da ADSE?

A discussão que se seguiu evidenciou a diferença entre as soluções de associação mutualista privada, com estatuto de utilidade pública, e de instituto público de gestão partilhada, sendo discutidas as vantagens e desvantagens, possibilidades e impossibilidades, de cada um dos modelos.

Não ficou a discussão fechada, pelo que certamente iremos continuar a falar do tema.

 

 

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Imagem cortesia de Jorge Simões


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Orçamento de Estado 2017 – saúde

As referências à saúde encontram-se espalhadas por diferentes partes do Relatório do Orçamento do Estado.
O elemento mais importante do orçamento do ministério da saúde é a transferência para o Serviço Nacional de Saúde, que apresenta um ligeiro aumento face ao ano anterior. Era inevitável que tal sucedesse face às alterações nas remunerações de pessoal decorrentes das medidas adoptadas de reposição de cortes salariais e de voltar às 35 horas semanais.
Como não se tem o detalhe de como as verbas do Serviço Nacional de Saúde serão distribuídas, à semelhança de todos os orçamentos anteriores, desconhece-se que alterações haverá dentro do Serviço Nacional de Saúde.
Ainda assim, do que é dito no Relatório do Orçamento do Estado é possível fazer alguns comentários adicionais.
Há a proposta de construção de três novos hospitais. Com o tempo que demoram os processos de lançamento e inicio das respectivas obras ainda não haverá efeitos no presente orçamento. Mas orçamentos futuros do Serviço Nacional de Saúde terão de contar com os efeitos orçamentais associados com essas novas unidades. Nalguns casos poderão ser positivos (substituição de vários hospitais muito antigos por um novo em Lisboa tem essa possibilidade, tal como em Évora).  Seria bom ter uma ideia dos encargos ao longo do tempo destes novos hospitais.
Os objectivos e princípios apresentados pelo Ministério da Saúde neste documento estão de acordo com o programa de governo, não havendo novidades especiais a assinalar em termos de política do ministério da saúde. Não há ideias que não tenham sido anteriormente referidas. Nesse sentido, há uma linha seguida.
No campo puramente de gestão orçamental, há uma novidade e uma omissão. A omissão é como será tratada a questão das dívidas dos hospitais EPE, que têm tido uma estabilidade de crescimento desde há vários anos, interrompida apenas por poucos meses e que nos últimos 14 meses esteve sempre a crescer.
O aumento de orçamento para o Serviço Nacional de Saúde mais as poupanças que se dizem ir conseguir (e todos os anos são anunciadas este tipo de poupanças) são inferiores ao aumento “habitual” da dívida dos hospitais EPE. Ou seja, se toda a dinâmica se mantiver este orçamento tem uma subestimação da despesa real.
A novidade que encontrei é a criação de “dotações centralizadas no Ministério das Finanças” sendo 100 milhões “visando reforçar a sustentabilidade do sector da saúde”, o que sugere uma intervenção mais clara do ministério das finanças na gestão das dividas em atraso. Mas como o problema é de gestão e não apenas financeiro, ter-se-á de ver em que se traduz esta dotação centralizada.
Um comentário ainda para as parcerias público-privadas, em que se prevê um aumento de despesa resultante de maior serviço à população, havendo por isso benefícios recolhidos pela população, e é um aumento determinado pelos próprios objectivos do ministério da saúde. Não há aqui, pelo que é possível ler no relatório do orçamento do estado, qualquer renegociação extraordinária, nem também qualquer sinal sobre a continuação, ou não, da exploração clinica pela gestão privada nos atuais hospitais em regime PPP (e cuja decisão terá de ser tomada em breve).
Por fim, e fora do âmbito no ministério da saúde, tem-se o chamado “fat tax”, em que há tributação de produtos com efeitos potencialmente negativos para a saúde, em que a tributação de bebidas açucaradas gera uma receita que fica consignada ao ministério da saúde (embora não corresponda necessariamente a um aumento das verbas do ministério da saúde uma vez que pode ser compensada parcialmente ou totalmente por menos transferências a partir de impostos gerais). Este tipo de impostos em termos orçamentais pode ser vitima do seu próprio sucesso. Não se pode querer ao mesmo tempo ter sucesso na intervenção em termos de saúde pública (redução do consumo deste tipo de bebidas) e gerar receita fiscal suficientemente importante (que depende do consumo não se reduzir).
É também um tipo de intervenção que terá efeitos difíceis de medir em termos de saúde da população e não serão certamente imediatos. Será por isso importante não pelo aspecto de receita fiscal mas pela alteração de hábitos de consumo com reflexos a prazo na saúde. Ou seja, se houver pouca receita fiscal face ao esperado significa que os resultados de alteração de consumo terão sido mais favoráveis e a medida mais bem sucedida nos seus objectivos. Aqui a discussão será certamente sobre os impactos distributivos – se os consumos dos produtos que serão tributados não forem muito diferentes entre grupos de rendimento, então o peso do novo imposto se os consumos não se alterarem muito, ou se se alterarem de forma sensivelmente idêntica entre todos os grupos de rendimento, será maior na população de menores rendimentos. Numa análise antiga para o Reino Unido (aqui) sobre os hipotéticos efeitos de um fat tax, os efeitos redistributivos eram assinalados precisamente neste sentido, embora globalmente os valores fossem bastante baixos. Um estudo de 2014 para a Comissão Europeia (aqui) é bastante ambíguo nos resultados que reporta, indicando que há grande incerteza sobre o que sucederá em termos de ajustamento dos agentes económicos (consumidores e empresas). Em Portugal, a experiência anterior com tributação de sacos plásticos gerou uma resposta forte no sentido de menor utilização de sacos plásticos (e menor receita fiscal, obviamente) (ver aqui uma discussão neste blog).
Globalmente, é um orçamento para o ministério da saúde que encerra alguns riscos embora não seja à partida um mau orçamento. As medidas preconizadas são
também relativamente consensuais. A questão é mesmo como as levar a cabo, sendo que numa primeira fase é natural que gerem mais despesa antes de começarem a dar resultados de poupança, nas que são destinadas a esse fim, e claro que medidas destinadas a fazer mais trarão normalmente maior despesa.
(nota final: é sabido que o texto do orçamento é escrito sempre sob grande pressão e por diferentes pessoas – mas o cuidado em uniformizar palavras como sector e setor é desejável)


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A economia do Prémio Nobel da Literatura

Não me lembro de um prémio Nobel da literatura ter chamado tanto a atenção como o deste ano atribuído a Bob Dylan  (anúncio aqui). O que está no web site sobre a motivação do prémio é:

“The said interest shall be divided into five equal parts, which shall be apportioned as follows: /- – -/ one part to the person who shall have produced in the field of literature the most outstanding work in an ideal direction …”

(Excerpt from the will of Alfred Nobel)”

Tipicamente, a atribuição do prémio Nobel nos últimos anos dava normalmente a conhecer a uma audiência internacional, e tinha por isso um impacto económico na vida dos laureados mais forte do que apenas o valor monetário do prémio. Para as editoras livreiras é também um impulso de vendas dos trabalhos do autor premiado (às vezes ainda sem distribuidor em Portugal, creio).

Com a atribuição do prémio Nobel a Bob Dylan, este “impulso económico” alarga-se claramente para fora do âmbito das editoras de livros, e passa a incluir toda a componente de música. E enquanto a produção de livros em lingua portuguesa é naturalmente local, a divulgação da música não será local e sim mundial. Não é claro se esta exposição à parte musical irá reforçar as vendas de livros de Bob Dylan, ou se será substituta, ou se até surgirão produtos conjuntos música e livros, mas claramente a “economia” do Nobel da literatura deste ano será substancialmente diferente do que sucedeu nos outros anos.


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Dívidas, despachos e centralização

Há cerca de duas semanas o Governo tomou a decisão de publicar um despacho, despacho 143/2016, em que o Secretário de Estado da Saúde determina que investimentos passam a estar “submetidos à autorização da tutela”e que as compras normais passam a ter “visto da tutela” se excederem a média mensal dos meses de janeiro a agosto. Como é dito, pretende-se com esta medida o “cumprimento dos objectivos que foram comprometidos  no Orçamento do Estado de 2016”.

Este despacho foi já criticado dentro do corrente “arco da governação” e no “arco da oposição”, como seria de esperar. Corresponde a um centralizar e “asfixiar” de despesa para controlar desvios à execução orçamental.

Embora não se diga que não será dada autorização, o mero processo de pedir autorização ou visto da tutela será suficiente para atrasar qualquer decisão de despesa (mesmo que seja autorizada, será só, parece-me, no inicio de 2017, quando já não contar para o défice orçamental de 2016). Mas se é despesa de 2016 que surgirá depois em 2017, fica para daqui a uns dias ver o que surge em termos de proposta de orçamento do estado para 2017 – se aumenta o suficiente para acomodar alguns investimentos que passarão de 2016 para 2017.

Já na parte referente a consumíveis e stocks que é preciso repor, o mais provável, visto de fora, é que os fornecedores antecipem que vão receber atrasado e como tal ajustem os preços para cima, e as dívidas não registadas irão crescer, e surgir também neste caso depois em 2017. É com estes mecanismos que se abre a porta para a “dívida debaixo do tapete”, uma vez que não se assumirá o risco de não dar assistência por falta de material (embora aqui e ali sejam já apresentados exemplos disso).

Esta é claramente uma medida de final de ano, a tentar controlar a despesa. A questão é saber se poderia ser feito de outra forma. A opção de simplesmente gastar como se não interessasse o défice orçamental não é grande ideia, pois não é certo por quanto tempo mais Portugal conseguiria fazer derrapar o défice orçamental do estado sem ter problemas sérios de colocação da dívida pública.

Mas dentro da ideia de controlo da despesa, creio que se deveria anunciar que as entidades que se encontrem dentro do seu orçamento anual beneficiam de uma “via verde” de aprovação (na verdade, defendo que poderiam ser até mesmo excluídas da regra deste despacho, como reconhecimento da sua capacidade de gestão), incidindo os esforços de verificação e controle nas restantes. Esta regra de gestão discricionária não é mais do que a tradução prática de uma sugestão de Orlando Caliço apresentada na sua contribuição para o ciclo de reflexões “Sextas da Reforma” (p. 207 e seguintes), de uma forma geral para toda a administração pública e que se aplica aqui de igual modo.

Ou seja, este despacho faz uso de um instrumento, centralização da autorização da despesa, mas a meu ver esse uso deveria ser feito de outra forma, dando um claro sinal de confiança em quem tenha até agora gerido bem e focando esforços de forma visível para todos nos restantes casos. É certo que a centralização tem custos que só se revelarão mais à frente, como assinalei, mas também será mais fácil perceber quais são, quanto são e como intervir sobre eles se a atenção estiver focada nas situações mais complicadas.


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Que democracia? (conferência da FFMS)

Continuando o post de ontem sobre a conferência da Fundação Francisco Manuel dos Santos Que Democracia?, algumas notas adicionais.

Sessão Democracia sem «demos»?, com Chantal Mouffe (e aqui) e Jean Cohen (e aqui), onde provavelmente o titulo mais adequado depois de ver a sessão será “Democracia sem demónios?”, em que os “demónios” em causa são os populismos, de direita e de esquerda. Este foi o elemento de clivagem entre as duas participantes, pois Chantal Mouffe defendeu abertamente a necessidade de um “populismo de esquerda” para contrabalançar o(s) “populismo(s) de direita” enquanto Jean Cohen tem a visão contrária, baseada na ideia de o populismo ser baseado na exclusão e na legitimidade dos “outros”. Segundo J Cohen, a democracia é cidadania e inclusão, enquanto C Mouffe defendia o populismo como uma forma de demarcação de posições.

Sessão: Democracia Europeia vs. democracias nacionais, com Vivien A. Schmidt e Wolfgang Streeck

A posição de Vivien Schmidt é a de existência de uma tensão entre o nível da União Europeia e o nível nacional que pode ser colocada como a primeira tendo “policies and no politics” e a segunda tendo “politics but no policies”. O problema da democracia coloca-se mais ao nível nacional, com a participação dos cidadãos, enquanto ao nível europeu o questionamento é sobre a legitimidade (que não é colocada em causa, mas sim como se articula com os níveis nacionais). Vivien vê os actuais problemas da União Europeia como resultando de se ter tentado ter políticas (policies) através de regras deixando de lado a acção política (politics). As regras não funcionaram como pretendido, o que criou o sentimento de falta de legitimidade ao nível europeu. Comentou também que a atitude dos políticos nacionais, em que culpam “Bruxelas” pelo que corre mal e recolhem os louros das “conquistas que fizeram” quando as políticas correm bem, não ajuda a criar uma percepção correcta da contribuição de cada nível político. Referiu também que tem havido um reinterpretar pela sombra (“by stealth”) das regras da União Europeia como forma de introduzir flexibilidade sem uma revisão firma dessas regras. Propõe ver a União Europeia como um conjunto de diferentes círculos (ou grupos) em torno de políticas comuns, com cada país a ter uma voz nos círculos em que participa.

Wolfgang Streeck adoptou uma postura mais drástica, dizendo que o euro foi um desastre e questionando o que é a União Europeia em termos formais. Na verdade, acabou por não ter grande contributo adicional em termos de pensamento.

A discussão andou depois muito à volta do que leva a um maior crescimento económico, e com o apelo de trazer as políticas (policies) de novo para o nível nacional.