As referências à saúde encontram-se espalhadas por diferentes partes do Relatório do Orçamento do Estado.
O elemento mais importante do orçamento do ministério da saúde é a transferência para o Serviço Nacional de Saúde, que apresenta um ligeiro aumento face ao ano anterior. Era inevitável que tal sucedesse face às alterações nas remunerações de pessoal decorrentes das medidas adoptadas de reposição de cortes salariais e de voltar às 35 horas semanais.
Como não se tem o detalhe de como as verbas do Serviço Nacional de Saúde serão distribuídas, à semelhança de todos os orçamentos anteriores, desconhece-se que alterações haverá dentro do Serviço Nacional de Saúde.
Ainda assim, do que é dito no Relatório do Orçamento do Estado é possível fazer alguns comentários adicionais.
Há a proposta de construção de três novos hospitais. Com o tempo que demoram os processos de lançamento e inicio das respectivas obras ainda não haverá efeitos no presente orçamento. Mas orçamentos futuros do Serviço Nacional de Saúde terão de contar com os efeitos orçamentais associados com essas novas unidades. Nalguns casos poderão ser positivos (substituição de vários hospitais muito antigos por um novo em Lisboa tem essa possibilidade, tal como em Évora). Seria bom ter uma ideia dos encargos ao longo do tempo destes novos hospitais.
Os objectivos e princípios apresentados pelo Ministério da Saúde neste documento estão de acordo com o programa de governo, não havendo novidades especiais a assinalar em termos de política do ministério da saúde. Não há ideias que não tenham sido anteriormente referidas. Nesse sentido, há uma linha seguida.
No campo puramente de gestão orçamental, há uma novidade e uma omissão. A omissão é como será tratada a questão das dívidas dos hospitais EPE, que têm tido uma estabilidade de crescimento desde há vários anos, interrompida apenas por poucos meses e que nos últimos 14 meses esteve sempre a crescer.
O aumento de orçamento para o Serviço Nacional de Saúde mais as poupanças que se dizem ir conseguir (e todos os anos são anunciadas este tipo de poupanças) são inferiores ao aumento “habitual” da dívida dos hospitais EPE. Ou seja, se toda a dinâmica se mantiver este orçamento tem uma subestimação da despesa real.
A novidade que encontrei é a criação de “dotações centralizadas no Ministério das Finanças” sendo 100 milhões “visando reforçar a sustentabilidade do sector da saúde”, o que sugere uma intervenção mais clara do ministério das finanças na gestão das dividas em atraso. Mas como o problema é de gestão e não apenas financeiro, ter-se-á de ver em que se traduz esta dotação centralizada.
Um comentário ainda para as parcerias público-privadas, em que se prevê um aumento de despesa resultante de maior serviço à população, havendo por isso benefícios recolhidos pela população, e é um aumento determinado pelos próprios objectivos do ministério da saúde. Não há aqui, pelo que é possível ler no relatório do orçamento do estado, qualquer renegociação extraordinária, nem também qualquer sinal sobre a continuação, ou não, da exploração clinica pela gestão privada nos atuais hospitais em regime PPP (e cuja decisão terá de ser tomada em breve).
Por fim, e fora do âmbito no ministério da saúde, tem-se o chamado “fat tax”, em que há tributação de produtos com efeitos potencialmente negativos para a saúde, em que a tributação de bebidas açucaradas gera uma receita que fica consignada ao ministério da saúde (embora não corresponda necessariamente a um aumento das verbas do ministério da saúde uma vez que pode ser compensada parcialmente ou totalmente por menos transferências a partir de impostos gerais). Este tipo de impostos em termos orçamentais pode ser vitima do seu próprio sucesso. Não se pode querer ao mesmo tempo ter sucesso na intervenção em termos de saúde pública (redução do consumo deste tipo de bebidas) e gerar receita fiscal suficientemente importante (que depende do consumo não se reduzir).
É também um tipo de intervenção que terá efeitos difíceis de medir em termos de saúde da população e não serão certamente imediatos. Será por isso importante não pelo aspecto de receita fiscal mas pela alteração de hábitos de consumo com reflexos a prazo na saúde. Ou seja, se houver pouca receita fiscal face ao esperado significa que os resultados de alteração de consumo terão sido mais favoráveis e a medida mais bem sucedida nos seus objectivos. Aqui a discussão será certamente sobre os impactos distributivos – se os consumos dos produtos que serão tributados não forem muito diferentes entre grupos de rendimento, então o peso do novo imposto se os consumos não se alterarem muito, ou se se alterarem de forma sensivelmente idêntica entre todos os grupos de rendimento, será maior na população de menores rendimentos. Numa análise antiga para o Reino Unido (
aqui) sobre os hipotéticos efeitos de um fat tax, os efeitos redistributivos eram assinalados precisamente neste sentido, embora globalmente os valores fossem bastante baixos. Um estudo de 2014 para a Comissão Europeia (
aqui) é bastante ambíguo nos resultados que reporta, indicando que há grande incerteza sobre o que sucederá em termos de ajustamento dos agentes económicos (consumidores e empresas). Em Portugal, a experiência anterior com tributação de sacos plásticos gerou uma resposta forte no sentido de menor utilização de sacos plásticos (e menor receita fiscal, obviamente) (ver
aqui uma discussão neste blog).
Globalmente, é um orçamento para o ministério da saúde que encerra alguns riscos embora não seja à partida um mau orçamento. As medidas preconizadas são
também relativamente consensuais. A questão é mesmo como as levar a cabo, sendo que numa primeira fase é natural que gerem mais despesa antes de começarem a dar resultados de poupança, nas que são destinadas a esse fim, e claro que medidas destinadas a fazer mais trarão normalmente maior despesa.
(nota final: é sabido que o texto do orçamento é escrito sempre sob grande pressão e por diferentes pessoas – mas o cuidado em uniformizar palavras como sector e setor é desejável)
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