Quando se faz a pergunta “qual o impacto da crise na saúde?” há uma imprecisão na própria pergunta que condiciona a respectiva resposta.
Consigo encontrar pelo menos duas interpretações que têm sido usadas para esta pergunta, e há ainda uma terceira possibilidade.
A primeira interpretação é ver a pergunta como sendo “qual é impacto da crise económica na saúde da população portuguesa?”, e a segunda interpretação consiste em a ver como “qual é o impacto da crise económica no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?”, sendo que a terceira possibilidade, mais abrangente que a segunda, questiona qual o impacto da crise económica no sistema de saúde português, indo além de considerar apenas o SNS.
Para responder à primeira versão, impacto sobre a saúde por portugueses, temos ainda que fazer uma distinção – qual o impacto “inicial” e qual o impacto “liquido” da actuação do Serviço Nacional de Saúde.
Exemplificando, a incerteza económica, incluindo a (in)segurança do emprego ou ficar desempregado, é susceptível de levar a que haja mais problemas de saúde mental na população (efeito inicial), mas se estes problemas forem detectados e acompanhados o efeito líquido será menor. Se, por outro lado, a situação de crise económica determinasse uma retracção da oferta de serviços de saúde mental, então haveria um reforço do efeito negativo da crise sobre a saúde da população. O que observamos é um equilíbrio entre maior procura (eventualmente) de cuidados de saúde (mental, neste exemplo) e capacidade da oferta (SNS) em a acomodar.
Há, por isso, o problema conceptual de distinguir no que é observado, o que é necessidade acrescida de cuidados de saúde e a resposta que é dada a essa necessidade. Não se pode inferir, como é frequentemente tentador fazer, que um efeito negativo sobre a saúde da população durante o período de crise corresponde forçosamente a uma falta de resposta do sistema de saúde (e do SNS em particular).
Esta distinção conceptual também permite identificar situações em que não ocorrendo um aumento das necessidades de cuidados de saúde, uma redução da oferta (por exemplo, se houver encerramento de serviços) poder resultar em menor saúde da população em tempos de crise.
Os exemplos apontados no relatório para a OMS/Observatório Europeu de Sistemas e de Políticas de Saúde não fizeram esta distinção. Logo é abusivo que o leitor do texto extrapole, sem informação extra, sobre a capacidade do SNS em resolver os problemas de saúde da população durante este período.
Como exemplo de aplicação destas ideias podemos olhar para um indicador da capacidade de resposta do SNS, a mediana do tempo de espera para intervenção cirúrgica, que essencialmente estabilizou nos últimos anos, apesar do aumento da actividade. Se tivesse ocorrido um corte na capacidade de resposta, seria natural ter observado um aumento dos tempos de espera medianos. Especialmente gravoso teria sido encontrar um aumento significativo dos tempos de espera medianos com redução da actividade cirúrgica, resultado provável se houvesse um corte na capacidade disponível.
Noutras áreas terão que ser encontrados outros indicadores, bem como verificar se há crescimento das listas de espera a montante, para consultas de onde resultem indicações para cirurgia.
Há pois um imenso trabalho de recolha e tratamento da informação a fazer.
(continua)
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