Nos últimos dias circulou na imprensa (aqui, pelo menos) e nas redes sociais a referência a um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o período do programa de ajustamento e o seu impacto na saúde em Portugal.
Um primeiro comentário que é uma rectificação: esse não é um estudo da OMS, no sentido de ter sido feito pelos seus quadros. É um trabalho de uma equipa liderada por Constantino Sakellarides, realizado a pedido conjunto da OMS (Europa) e do Observatório Europeu de Sistemas e de Políticas de Saúde, e sujeito a escrutínio interno e externo no seu processo de elaboração. Não reflecte qualquer posição ou avaliação oficial da OMS ou do Observatório Europeu. Traduz a posição dos autores, com a informação disponível na altura da sua elaboração (o texto conta com mais de um ano de idade).
O segundo comentário é para as posições expressas pelos autores. Um dos principais pontos, se calhar mesmo o principal ponto, destacado pelo documento é a crítica à ausência de uma monitorização regular e sistemática dos efeitos da crise na saúde dos portugueses.
Em abstracto, é uma crítica que pode ser sempre feita – é normalmente sempre possível fazer mais e melhor nestes acompanhamentos. No caso concreto, é legítimo que os autores entendam questionar se deveria haver, ou não, mais informação, análise e reacção a essa análise durante este período.
Inclino-me para uma resposta positiva, com a nota adicional de que existem mecanismos de recolha de informação que podem contribuir para esta monitorização e se cujas entidades que os poderiam disponibilizar se fecham sobre si mesmas.
Um sistema completo de monitorização implicaria, provavelmente, como gold standard, seguir uma amostra representativa da população, o que seria útil com ou sem crise. Só que montar tal amostra não só tem custos elevados como possivelmente levantaria a questão de quem faria a análise dos dados recolhidos.
Também se poderia ter pensado em usar outras formas menos onerosas, embora menos precisas, de recolher informação que fornecesse indicadores avançados.
Uma vez mais, suspeito que teriam de ser ultrapassadas barreiras institucionais a esta definição, recolha e análise.
Pelo que consta do relatório, constata-se que há, na verdade, pouca evidência publicamente disponível, embora os autores tenham feito um esforço de recolha do que existia à data do trabalho. E com base no que foi recolhido, a equipa de trabalho avançou com as suas interpretações, que devem ser confrontadas com a evidência posterior que esteja disponível.
(continua)