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Trocas de identidade, ghost writing e jornais

 

Quando se escreve para jornais, correm-se sempre alguns riscos. Há umas semanas recebi o convite para escrever um comentário sobre um dos ensaios recentes da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sobre parcerias público – privadas.

Assim fiz, o artigo saiu tão bom que o jornalista do DN que tratou de incluir na paginação (acho eu) não acreditou que eu pudesse ser o autor, vou encarar como um elogio, e atribuiu o texto a Joaquim Miranda Sarmento (o autor do ensaio). Apesar do texto estar assinado no final.  Como assumo as minhas ideias, que não precisam de ser subscritas pelo Joaquim Miranda Sarmento, aqui fica a informação de que o texto saído hoje no suplemento Qi do Diário de Notícias sobre PPPs é da minha autoria, e a versão completa (uma vez que houve ligeira edição do DN) segue abaixo.

Nestas coisas de troca de identidade involuntária apenas posso garantir que não fiz ghost writing ! Mas que ficou no ar a correlação com o regresso dos Monty Python.

 As PPP foram boas ou más para Portugal?

O convite para um comentário ao ensaio Parcerias Público – Privadas, da autoria de Joaquim Miranda Sarmento, partiu do jornal Diário de Notícias. Tal como o texto original é um ensaio, também neste comentário é usado o lema pensar livremente.

Os comentários refletem a minha opinião, mais ou menos informada, consoante os casos, pela evidência disponível e pela discussão teórica sobre o tema. Todos estes comentários estão sujeitos ao contraditório do leitor, a quem se lança o mesmo desafio: pensar, sem restrições, o que são e que efeitos produzem na economia portuguesa as parcerias público – privadas (PPP).

Sobre o que são as PPP

O ensaio de Miranda Sarmento faz uma apresentação e discussão das parcerias público – privadas (PPP) em Portugal, embora contenha uma referência ao contexto internacional. Um texto desta natureza tem que inevitavelmente começar com a definição do que são as PPP. O ensaio não foge a essa regra. A definição apresentada diz-nos em geral se cada autor adopta uma visão mais jurídica ou mais económica no tratamento do tema. Neste ensaio, adopta-se uma visão mais próxima dos aspectos económicos.

A definição apresentada define PPP como um contrato entre o sector público e uma entidade privada, “de acordo com requisitos definidos no contrato” para prestação de um serviço que será remunerado. A esta definição falta uma característica fundamental, que está presente de qualquer modo no restante texto do ensaio e que é o elemento económico mais relevante para se perceber como funciona e que problemas pode ter uma PPP: o ser um contrato de muito longo prazo (dez, vinte, trinta ou mais anos). É a duração do contrato que determinará um conjunto de efeitos que em relações de duração mais curta, por exemplo de um ano, não necessitam de ser analisados.

É igualmente importante distinguir, tal como é feito no ensaio, as PPP do que é uma privatização (definida como transferência de ativos e gestão desses ativos para a esfera de decisão privada) mas também do que é a contratação pura de um serviço a ser prestado ou um produto a ser adquirido pelo Estado.  Por exemplo, se uma empresa privada prestar um serviço de limpeza das instalações de uma entidade que preste cuidados de saúde à população, com um contrato renovado anualmente e onde estão especificadas condições e objectivos da limpeza, há um contrato com requisitos a serem preenchidos e um serviço a ser remunerado, mas não há uma PPP. O elemento que faz a distinção é a duração da relação económica.

O ensaio é claro a estabelecer que o uso das PPP é interessante do ponto vista financeiro para o Estado. Ao contrário do que usualmente se pensa, o interesse não decorre do custo de financiamento e sim de outras vantagens económicas (e que não são a desorçamentação, isto é, retirar do Orçamento do Estado essa despesa no momento atual, como se falará adiante). O custo do financiamento público é normalmente mais baixo que o custo do financiamento privado porque há menor risco de um Estado não pagar do que uma empresa ou instituição financeira. Ter uma PPP para baixar o custo de financiamento não tem sentido, pois só muito raramente sucede. O custo financeiro do Estado suportar risco é também inferior a esse custo no sector privado, apenas pela maior capacidade de diversificação de risco. Assim, a existência de PPP não pode ser justificada pelos custos de financiamento ou pela transferência de riscos para o sector privado. Se apenas as componentes financeiras estão presentes, a PPP não tem justificação económica. Este aspecto, embora aflorado no ensaio, não está suficientemente destacado, na minha opinião. E tal implica que a vantagem económica de uma PPP tenha que ser procurada noutros elementos, o que permitirá perceber o papel das transferências de risco nas PPP, um dos elementos mais susceptíveis de ter interpretações erradas.

Uma PPP tem vantagem económica se conseguir construir a infraestrutura ou prestar o serviço de forma mais eficiente do que se for uma entidade pública a fazê-lo. Será da divisão entre as duas partes das poupanças geradas por essa maior eficiência que se conseguirá ao mesmo tempo remunerar a parte privada e levar a menor despesa pública. Atingir estes dois objectivos ao mesmo tempo só é possível com ganhos de eficiência e os ganhos de eficiência obtidos pela parte privada são conseguidos por esta ter que suportar o risco associado com o maior custo, se não for eficiente.

Significa este princípio que a existência de partilha de risco num contrato PPP não é um objectivo do contrato. É um instrumento do contrato. Esta distinção faz toda a diferença, uma vez que a vantagem da PPP tem que ser encontrada noutros aspectos que não a capacidade de suportar risco.

Uma questão interessante é porque há necessidade de a parte privada de uma PPP constituir uma empresa independente que tem como único objecto a PPP. Há, por um lado, que monitorizar a actividade por parte das entidades públicas, que se torna mais simples desta forma. E há, por outro lado, a vantagem da própria parte privada isolar a PPP e os seus riscos das outras actividades que possa ter.

O custo de financiamento de uma PPP

A discussão do ensaio sobre o custo de financiamento de uma PPP ilustra uma tensão fundamental. O custo de financiamento privado é tanto mais baixo quanto menor for o risco suportado pela parte privada, mas ter a parte privada a suportar risco é essencial para que as vantagens económicas da realização da PPP sejam realizadas.

A preponderância do sector financeiro em Portugal fez com que aos poucos a atenção se fosse desviando da partilha de risco como instrumento para a parte privada ser eficiente para colocar a parte pública a suportar risco como forma de baixar o custo de financiamento. O que é inverter a lógica de criação da PPP em primeiro lugar, apesar de ser racional o que é defendido pelo sector financeiro, apenas e legitimamente interessado em garantir as suas aplicações de fundos. O problema resulta de esta inversão de lógica reduzir os ganhos económicos associados com a realização da PPP. Sem esses ganhos pode questionar-se a vantagem de se realizar as PPP, de um ponto de vista económico.

A partilha de risco

Na secção do ensaio dedicada à partilha do risco, é colocada em destaque a capacidade do sector privado em gerir melhor o risco. Na verdade, é muito mais do que isso. A eficiência que o operador privado vai procurar ter está intimamente relacionada com o risco que suportar. O risco faz parte dos incentivos à eficiência do sector privado. Não é uma questão de gestão de risco, é uma questão de incentivos. E incentivos que diferem entre sector público e sector privado, muito pela natureza de cada um.

Um exemplo simples ilustra este argumento. O Estado pode querer contratar uma PPP para a construção de uma estrada. A opção pela PPP baseia-se na expectativa de o sector privado conseguir fazer mais barato e dentro do prazo (ambos os aspectos podem influir na escolha por esta opção). Em que medida a PPP é diferente do Estado simplesmente contratar um empreiteiro para realizar essa mesma construção? Se o Estado contratar  diretamente, e a meio da obra lhe for dito que afinal o custo será mais elevado por aspectos inesperados (são sempre inesperados, claro), então a tradição tem sido o Estado acabar por pagar mais para a obra não ficar a meio e ser terminada. A PPP, por estabelecer um contrato mais claro, mitiga este aspecto (porquê, será referido mais à frente). Mas há também um aspecto de inovação. Quando o Estado especifica tudo e contrata o empreiteiro para realizar a obra, este último não se preocupará com as condições futuras nem tentará encontrar formas de baixar os custos de manutenção futuros.

A PPP utiliza o risco para levar a parte privada a procurar ser eficiente. Por exemplo, se houver risco associado com chuva que leve a custos elevados de reparação, a gestão da PPP por ter que suportar esse risco quando assegura a manutenção a preço fixo pré-determinado, irá procurar os materiais e o modo de construção da estrada que minimizem os problemas associados com a reparação quando há muita chuva e risco de inundações, bem como preparar as bermas para um rápido escoamento das águas e fácil limpeza.

Para perceber melhor o papel instrumental do risco, basta pensar no que seriam as decisões privadas caso o contrato PPP dissesse que o sector público pagaria tudo o que a parte privada gastasse desde que apresentasse a respectiva factura. Não é difícil adivinhar que se assistiria a uma explosão de custos em vez da desejada eficiência.

A vantagem de usar uma PPP do ponto de vista do Estado está em ganhar um compromisso com um preço fixo e se houver custos a mais na construção, terá de ser o parceiro privado a suportar. Como consequência a parte privada terá todo o interesse em ser eficiente. E são os ganhos dessa maior eficiência que, divididos entre o sector público e o sector privado, permitem simultaneamente ao sector público gastar menos do que se tentasse construir diretamente e dar ao sector privado uma remuneração pelo risco que tem de suportar (e essa remuneração é maior do que custo do financiamento público).

Embora esteja de algum modo subjacente ao longo do texto, não é explicitamente assumido o risco como instrumento de incentivo, aspecto que obriga a que em cada partilha de risco se discuta em que medida a partilha ou transferência de risco decidida contribuiu para o valor da parceria, para os benefícios que se irão obter e não apenas para os custos resultantes. Esquece-se facilmente o papel da partilha de risco para a determinação dos benefícios, dando-se atenção desproporcionada, do ponto de vista social do valor da PPP, aos custos de financiamento privados e como a remuneração das PPP os irão cobrir.

No ensaio, a identificação dos riscos possíveis de surgir é feita de forma cuidada, com a distinção ente aqueles que são manipuláveis pelo sector público (por exemplo, mudanças nas políticas económicas seguidas que afectem o valor da PPP) e os riscos que são susceptíveis de alguma intervenção do sector privado que os reduza ou controle.

Retomando o exemplo da construção da estrada, é fácil de entender que o risco político de o Governo decidir mudar o traçado da estrada depois de iniciada a obra não deve significar que a parte privada tem obrigação de cumprir o novo traçado ao custo anterior que propôs para um traçado definido inicialmente.

Faltou, a meu ver, dar a devida atenção a um aspecto complementar: qual o impacto de ser o privado a gerir o risco. Não basta que o risco seja susceptível de ser influenciado por decisões da parte privada. É necessário que o efeito dessa intervenção seja suficientemente elevado para gerar eficiência que pague ao sector privado ter que suportar esse risco.

PPP como instrumento de desorçamentação

As PPP são um instrumento de investimento público bastante complexo nos incentivos que gera e na arquitetura financeira que envolve. Como se não fosse suficiente, há uma dimensão política, associada com o sector público, que não pode ser ignorada. A palavra chave neste aspecto é desorçamentação. Os Governos fogem às limitações existentes à despesa pública no momento de decisão, fazendo repercutir esse custo apenas em orçamentos futuros.

E a rentabilidade política de um investimento vultuoso tem vantagem certas e imediatas do anúncio e do início do projeto e tem os custos futuros e incertos do ponto de vista do decisor político atual que poderá já não ter esse lugar quando a factura para pagar chegar, como diz J M Sarmento “Uma boa PPP (na forma e nas condições) não transforma uma mau investimento num bom investimento”.

Vantagens e desvantagens

Pelos motivos expostos anteriormente, e por considerar que a partilha de risco é um instrumento, discordo da inclusão da partilha dos riscos como uma vantagem das parcerias público – privadas. Tomá-la como uma vantagem significa que a partilha de riscos tem valor por si própria. A meu ver, não creio que tal seja verdade. Diferentes partilhas de risco só criam valor económico se induzirem ações e comportamentos da parte privada que gerem maior eficiência do que a mesma actividade ser feita pelo sector público.

Uma desvantagem que não se encontra mencionada de forma detalhada no ensaio é o custo de gestão para o Estado dos contratos das PPP. São contratos complexos e são o que no jargão técnico se designa por contratos incompletos. Devido ao tempo de duração destes contratos de parceria, é virtualmente impossível escrever no contrato todas as decisões que se terão de tomar no futuro face a acontecimentos que não são sequer previsíveis e previstos no contrato. E esses acontecimentos podem ditar alterações ao contrato e renegociações do mesmo.

Como referido pelo autor, uma crítica apontada aos contratos PPP é “uma redução da qualidade, pela pouca ou nenhuma concorrência a que o privado fica sujeito.” A pergunta pode ser facilmente devolvida, porque teria o Estado, no exercício direto da mesma actividade, maior qualidade? Este é um efeito que precisa de ser qualificado, sendo necessário estabelecer em que condições se pode esperar que surja. Se a qualidade implicar custos mais elevados e não for verificável em termos contratuais, então poderá constituir um problema sério num contrato PPP. Mas se os elementos centrais da qualidade do serviço ou infraestrutura forem relativamente simples de especificar e medir, então a sua inclusão no contrato de parceria evitará eventuais reduções de qualidade.

Se o ganho de uma PPP advém da maior eficiência do sector privado, possível apenas por o sector privado suportar risco que o motiva a ter essa eficiência, então o contrato de PPP tem que deixar à parte privada espaço de gestão suficiente para que consiga ser de facto mais eficiente. O contrato de PPP deve estabelecer os objectivos a serem atingidos e não o caminho pelo qual se alcançam esses objectivos. Se o sector público exigir uma PPP em que a parte privada faça exatamente as mesmas escolhas que o sector público faria então está, à partida, a destruir parte do valor que uma PPP traria. Fica só mesmo a diferença de o sector privado ter uma maior capacidade de dizer não a pedidos de custos adicionais, o que pode ser manifestamente pouco para justificar uma parceria em diversos casos. Contudo, definir e medir objectivos é bastante mais complicado do que especificar processos.

A definição da PPP acaba por ter que resolver mais um dilema. Se especifica muito detalhadamente o contrato retira margem à inovação organizacional que a PPP possa trazer. Mas se não faz essa especificação detalhada, perde capacidade de controlar o desenvolver  da actividade. Para cada situação terá de ser encontrado o equilíbrio entre estas duas forças de sinal contrário. A própria noção de que há serviços públicos que cumprem a missão de compensar externalidades, uma questão central é até que ponto um contrato PPP consegue refletir essa externalidade.

A seleção da parte privada

Um outro aspecto crucial do processo de construção de uma PPP é o processo pelo qual se faz a seleção das propostas vencedoras. Em particular, não é difícil que se tenham situações conhecidas como a maldição do vencedor, que significa apenas que o mais optimista ganha e que esse optimismo é excessivo, e acaba por ganhar uma empresa privada que poderá ter dificuldade em alcançar as eficiências que anuncia. A maldição do vencedor é mitigada quando os concorrentes têm em conta nas suas ofertas que se ganharem é porque foram excessivamente optimistas. Não parece que essa preocupação tenha estado presente, em geral, nas PPP portuguesas. Assim, as PPP onde se verificou uma concorrência mais acesa para ganhar o contrato serão também aquelas onde será mais natural vir a observar dificuldades em a parte privada cumprir esse mesmo contrato sem perdas financeiras, apenas por excesso de optimismo no momento da licitação do contrato.

Renegociação dos contratos PPP

Um contrato de longo prazo tem inevitavelmente alterações de circunstâncias que motivam o desejo de um dos lado, ou de ambos, em alterar o contrato. É o que se denomina de renegociação de contrato. A flexibilidade para alterar o contrato PPP tem o custo de uma renegociação, e as renegociações tendem a ser normalmente mais vantajosas para a parte privada, pela melhor capacidade e maior poder de negociação, do que a parte pública.

A discussão das renegociações de contrato é um aspecto central de uma PPP. A brevidade que recebe e apenas em termos do reequilíbrio financeiro subestima, na minha opinião, a importância dos aspectos de renegociação e como deveriam ser acautelados.

A renegociação não deve ser um procedimento fácil nem frequente. Sobretudo não pode ser uma forma da entidade privada aumentar as suas receitas de forma arbitrária.

Outros dois aspectos centrais são a parte pública manter a capacidade de retomar e gerir a infraestrutura em caso de falência da parte privada (renegociação com aumento de preço pago à parte privada não deve ser a única opção a estar disponível) e definir de forma clara os direitos e deveres de cada uma das partes em caso de renegociação. Um exemplo pode ser dado com base nas PPP para a construção e gestão clínica dos hospitais.

A introdução de novidades tecnológicas no tratamento de doentes a pedido da parte pública pode implicar nova renegociação e tal será certamente necessário sempre que implicar custos acrescidos.

Ora, o contrato poderia especificar o direito a introduzir a inovação tecnológica a um preço determinado segundo uma regra pré-definida. Por exemplo, o preço usado para a mesma inovação nos hospitais de um país de referência. Ou, não dizendo nada, como que deixa à parte privada a capacidade de estabelecer o preço que quer receber por uma inovação. É importante reconhecer que explicitamente ou por omissão o contrato de uma PPP também estabelece o poder de negociação das partes em caso de renegociação. E em contratos de muita longa duração, como é o caso aqui, a probabilidade de haver uma renegociação, pelo menos, durante a vigência do contrato é elevada.

A PPP como contrato incompleto

Uma característica fundamental de um contrato PPP, seja a dez, 20 ou 30 anos, é o de ser um contrato incompleto em termos económicos por muito bem redigido que esteja em termos jurídicos. Um contrato ser incompleto em termos económicos significa que não é possível prever em detalhe tudo o que pode acontecer durante a duração do contrato e o que deverá ser a ação de cada uma das partes quando acontece algo inesperado face ao que está escrito no contrato. Apenas o que está escrito no contrato será válido e será tomado à letra. Um exemplo extremo, se num hospital se especificar a limpeza do chão a cada “x” horas, respeita-se o contrato limpando o chão e deixando por limpar as paredes.  Para lidar com aspectos desta natureza, é necessária um acompanhamento permanente da PPP para evitar que qualquer pequena diferença de interpretação do contrato se torne um motivo de renegociação e para construir uma relação de confiança que permita resolver de comum acordo as pequenas ocorrências. A existência de competências de acompanhamento destes contratos na esfera pública acaba por ser essencial para que os mesmos tenham os pequenos diferendos resolvidos rapidamente, antes que se tornem grandes divergências.

Os dados nacionais e internacionais

A revisão internacional da experiência com as PPP, apresentada no ensaio, revela uma associação entre utilizar de forma mais intensa este instrumento e a dificuldade de controle da despesa pública. A associação não estabelece causalidade, sendo que se hoje é claro que mais PPP implicam mais encargos públicos fixos e logo maior rigidez da despesa do Estado, é igualmente verdade que os países com maior propensão a descontrole das contas públicas poderão ter usado as PPP como forma de adiarem as suas dificuldades financeiras.

Uma outra regularidade que é possível identificar é que os países que tiveram PPPs com sucesso no sentido de bons resultados e custos controlados envolvem situações em que é relativamente fácil especificar o serviço e as condições da sua prestação (ou seja, os aspectos de incompletude contratual não são muito grandes).

O ensaio revê as PPP nos vários sectores em que ocorreram. Infelizmente, e provavelmente devido a ausência de informação, não há qualquer menção às renegociações e ao que estas implicaram em termos de custos acrescidos para o sector público.

PPP e corrupção

Fora do texto ficou um aspecto sobre o qual pouco se sabe, em Portugal e no Estrangeiro: que oportunidades e realidades de corrupção se encontram associadas às PPP. A possibilidade de renegociação de condições e de pagamentos adicionais facilita que surjam essas oportunidades. É natural que haja pouca informação, a nível global, e que não se lancem suspeitas deste teor. Sendo um tema de tratamento difícil, teria sido um contributo importante para a discussão, mesmo que breve, sobre as condições em que pode surgir e que sinais de alerta se devem procurar para aferir da eventual existência deste problema.

Desafios futuros

Para Portugal, as PPP colocam dois desafios. De um lado o que fazer com as PPP atuais, o seu peso sobre as contas públicas deveria levar à procura de forma de reduzir esses encargos. De outro lado, saber se a atual contribuição das PPP para a situação de despesa pública e sua inflexibilidade justifica que sejam abandonadas como instrumento da política pública de investimento. A aprendizagem dos últimos 20 anos, nacional e internacional, sugere cautela com o seu uso.

As PPP têm actualmente um forte peso no Orçamento do Estado. O autor retoma no ensaio a proposta de comprar as PPP contra emissão de dívida pública, substituindo a inflexibilidade contratual dos pagamentos a realizar por um pagamento de juros da dívida pública. Esta aquisição aproveitaria o elevado valor de obtenção de liquidez para os grupos nacionais envolvidos em PPP, como forma de reduzir os encargos futuros. Por outro lado, a gestão dos encargos de juros desta dívida seria realizada em conjunto com toda a restante dívida pública.

Para as PPP em que os ganhos de eficiência se encontram apenas e sobretudo na fase de construção atempada e com custos mais baixos da infraestrutura esta opção será mais atrativa. No caso das PPP em que a gestão contínua por parte da entidade privada é a fonte de eficiência, esta opção implicará a passagem da gestão para a parte pública e eventualmente custos superiores nessa gestão.

Poderá não se ter aqui uma solução única, e a compra da PPP ser mais aconselhável para algumas PPPs do que para outras. As condições exatas em que é desejável esta solução terão de ser definidas caso a caso.

Considerações finais

As PPP não são apenas um instrumento financeiro de desorçamentação pública. São um instrumento complexo de usar risco para dar incentivos a que uma parte privada faça melhor do que o seria conseguido pela parte pública.

Uma PPP como contrato de longo prazo tem características muito diferentes dos contratos de curto prazo do sector público com o sector privado.

Os contratos PPP são um instrumento que se encontra à disposição dos Governos. São contratos que trazem financiamento privado no momento atual contra pagamentos futuros. Mas esta característica financeira dos contratos PPP não é distintiva. Também a emissão de dívida pública tem essa característica e a uma taxa de juro bastante mais baixa. A vantagem de uma PPP não está na sua arquitetura financeira, está na capacidade de conseguir fazer melhor pela atuação da parte privada. Para que assim suceda, é necessário que a parte privada tenha os incentivos adequados para o fazer, o que normalmente implica estar sujeita a riscos que possa influenciar. Contudo, estar sujeita a riscos gera custos de financiamento acrescidos.

É por isso essencial que a PPP gere ganhos de eficiência suficientes para que o sector público pague menos do que se realizasse diretamente o projeto e ao mesmo tempo se consiga pagar o custo de financiamento acrescido pelo facto de o projeto ser realizado pelo sector privado e não pelo sector público. Encontrar este equilíbrio não é fácil.

Além das condições em que é vantajoso ter uma PPP é preciso assegurar que a relação de longo prazo entre a parte pública e a parte privada decorre de forma satisfatória para ambos os lados, sabendo-se que irão surgindo acontecimentos e necessidades que não foram previstas no contrato. Por muito detalhado que seja um contrato PPP, e são normalmente muito detalhados, é virtualmente impossível especificar todas as circunstâncias futuras que podem vir a afectar o valor do contrato. Lidar com esta incompletude contratual obrigará nos casos de maior dimensão a uma renegociação contratual mas nos restantes casos poderá e deverá ser resolvido com acordo e interpretação do contrato pelas partes, preferencialmente num clima de confiança mútua.

O papel das PPP como instrumento de fuga a restrições orçamentais imediatas foi claramente ilustrada no texto, sendo salutar que de futuro a utilização deste instrumento tenha como elemento constante de análise o impacto em termos de responsabilidade de orçamentos futuros

As PPP são um instrumento válido em condições que a teoria e a prática têm ajudado a esclarecer. A sua utilização deve resultar de uma avaliação cuidada das vantagens e desvantagens face a  instrumentos alternativos. Também a definição do objectivo da PPP deve ser tido em conta. Se o objectivo fizer pouco sentido, dificilmente a PPP será avaliada de forma positiva. Por exemplo, se a construção de uma autoestrada com a recurso a PPP for errada por não existir tráfego suficiente para justificar a sua construção dificilmente numa avaliação posterior da PPP será encontrado valor social na sua utilização.

Pergunta natural neste contexto é saber se as PPP foram boas ou más para a economia portuguesa. Isto é, se este instrumento contribuiu para o desenvolvimento e para o crescimento da economia nacional.

A resposta mais direta é que tiveram um efeito pernicioso por conta da desorçamentação que geraram.

Do lado positivo estará porém o valor social dos investimentos realizados. A este respeito, embora tenham certamente gerado infraestruturas mais rapidamente do que se tivesse sido usado o investimento público tradicional, o facto de algumas dessas infraestruturas terem valor social duvidoso (autoestradas quase desertas, por exemplo) e não serem investimento reprodutivo sugerem que globalmente foram um instrumento para investimentos públicos pouco interessantes.

A sua complexidade como instrumento de políticas públicas é evidente, e as condições da sua aplicação são exigentes, incluindo a preparação técnica do sector público para lidar com contratos de longo prazo.

Pedro Pita Barros

Lisboa, Novembro de 2013

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Guião da reforma do Estado (19)

A secção 3.9 é inteiramente dedicada à educação, e é uma das áreas onde mais inovação em termos de propostas pode ser encontrada. Começa logo à cabeça por se afirmar que a função educativa do Estado não é colocada em causa, mas não se define quais os limites e objectivos dessa função educativa. Por exemplo, abrange o ensino superior ou não?

As duas linhas de força escritas no documento são a maior exigência (traduzida em maiores pontos de avaliação geral dos alunos, isto é, exames nacionais) e a maior liberdade de escolha. Curiosamente, a liberdade de escolha quanto a submeter os alunos a menos exames nacionais não é permitida (enfim, só para ilustrar como os termos são usados de forma pouco exacta em muitos casos, e como ao dizer-se liberdade de escolha frequentemente quer-se dizer liberdade para escolherem aquilo que alguém quer se escolha).

De qualquer modo, todo o tom das propostas é o de abrir possibilidades e experimentar mais do que impor soluções,  o que é uma abordagem adequada a uma área sensível como esta. É porém necessário uma grande transparência e honestidade intelectual na montagem dessas experiências piloto e na sua avaliação.

Por exemplo, é dito que se parte de duas premissas: “a proximidade é, em geral, mais humanista, a descentralização, por regra, é mais eficiente”. Estas duas premissas carecem de demonstração, e de evidência quanto aos seus limites. Tomando a descentralização, porque não descentralizar ao nível de cada rua? Dirão que é absurdo e eu concordo, mas significa que descentralização tem então limites, e não sendo verdade que descentralizar até ao nível mais baixo de cada rua ou de cada casa é adequado, então qual é nível adequado?

As mesmas dúvidas quanto à proximidade, qual a linha em que a decisão por proximidade se torna em favoritismo ou discriminação?

Não sei o suficiente do sector para conseguir contra-argumentar com outros níveis de centralização ou proximidade, mas por isso mesmo preciso de ser convencido que estas propostas são as que de facto fazem sentido.

Relativamente à autonomia das escolas, simpatizo com a ideia de controlar sobretudo os resultados alcançados pelos alunos sem impor que haja apenas um caminho para alcançar esses resultados. O Estado fica com a missão de verificar se os resultados alcançados (conhecimentos adquiridos) são os adequados à função educativa que definiu. Mas se uns caminhos são melhores que outros como lidar com a diversidade resultante? Um exemplo rápido, pensemos numa escola que oferece tempo adicional de estudo em matemática, e numa outra que oferece esse mesmo tempo adicional mas em formação musical. Os resultados medidos em exame dos alunos de matemática da primeira escola serão provavelmente melhores que os da segunda, mas pode-se afirmar inequivocamente que os resultados da primeira são melhores que os da segunda?

Por fim, é proposta a ideia de “escolas independentes”, ou seja, gestão pelos próprios professores mediante um processo de concurso de gestão. Aqui a dúvida principal é porque serão os professores bons gestores e em que condições? E se não forem que consequências são retiradas em termos do que fazer se a qualidade de ensino se degradar? Terão que existir mecanismos rápidos de resolução de litígios e a capacidade de assumir decisões difíceis. Estar preparado para o pior para que tudo corra pelo melhor. Se foquei primeiro nas desvantagens, há que reconhecer o potencial de os professores ficarem assim com liberdade para experimentarem abordagens inovadoras e terem a responsabilidade pelo resultado. Terão também o risco de iniciarem um projecto numas condições e o Estado unilateralmente alterar essas condições a meio, mas isso será avaliado por cada grupo de professores na altura de concorrer à gestão de uma escola. Além de saber qual o grau de liberdade efectivo para gerir que vão ter. Poderão contratar e despedir professores?

O que não está explícito é se professores de uma escola se podem candidatar a gerir melhor outra escola que não a sua. Seria interessante saber que esta espécie de mercado interno pela gestão das escolas é uma possibilidade ou não.

Continuando no campo da educação, é dito “Como é sabido, globalmente, as escolas com contrato de associação respondem bem nos rankings educativos”. Ok, eu não sei. Por favor, indiquem referências concretas. “Como é sabido” pretende traduzir uma ideia de ignorância a quem contestar a afirmação; como sou ignorante, agradeço demonstração da afirmação. A evidência deve ser clara e inequívoca. A mera posição nos rankings não é suficiente, uma vez que é necessário acomodar a possibilidade de os alunos dessas escolas com contrato de associação não serem idênticos nas suas características aos restantes. O que deve ser demonstrado é para iguais condições de partidas, as escolas com contratos de associação geram melhores resultados. Os rankings usualmente publicados não fazendo esse controle para as condições de partida. Ou seja, agradeço mesmo a indicação de referências que demonstrem de forma credível a  afirmação.

Ainda assim, não creio que seja de excluir experimentar diferentes formas de atingir os mesmos resultados, desde que devidamente acompanhados, e com capacidade de intervenção rápida e decisiva em caso de necessidade. Qualquer contrato desse tipo deve evitar que o Estado fique refém do outro lado.

(comentário lateral: estas propostas parecem chamar o sector privado a colaborar no campo educação, e com contratos que podem ter alguma duração temporal – ou será que serão apenas contratos anuais – é que se forem contratos com alguma duração, daqui a pouco são similares a esquemas de parceria público – privado, que noutro local se disse não querer…)


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Guião da reforma do Estado (18)

Ainda no campo do fomento económico, surge a inevitável referência aos mecanismos de seguros de crédito à exportação e ao capital de risco. Quanto a este último, sendo uma ideia tão repetida ao longo dos últimos anos, há que perceber porque ainda não se encontra uma evidência decisiva sobre o bom ou mau funcionamento dos mecanismos existentes. Se calhar até existe essa evidência e apenas não é divulgada, e se for esse o caso aqui está a oportunidade de o fazer.

A minha grande dúvida é sobre a escala necessária para que os mecanismos de capital de risco funcionem. É o mercado interno português suficiente para isso, ou deveria ser pensada uma solução conjunta com outros países, nomeadamente Espanha aqui ao lado, ou mesmo a nível comunitário?

Apesar de se reclamar como não dirigista, o Governo assume como áreas estratégicas a agricultura, a floresta, o turismo e o mar. Mas também se diz que os “cluster industriais portugueses merecem uma aposta consistente”. Sobre energias renováveis, a aposta de há dez anos do Governo de então, nada se diz.

Concordando com a ausência de dirigismo, até porque provavelmente mais do sectores o desenvolvimento mais interessante ocorrerá em nichos de ponta dentro de cada sector, impossibilitando uma política geral destinada a promover um ou outro sector, não fica claro quais os aspectos transversais que devem ser garantidos para que esses nichos de excelência possam ser desenvolvidos qualquer que seja o sector. Aqui, provavelmente mais do que apoios a empresas, há que retirar obstáculos ao seu desenvolvimento e os apoios serem direccionados para desenvolvimento de competências genéricas.


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Guião da reforma do Estado (17)

“Fomento económico: apoia e conceder” é outra das secções do documento “Um Estado Melhor”, e sente-se uma certa tensão entre dizer que o Estado tem que intervir e a visão de que cabe ao sector privado desenvolver-se por si.

Apesar de ser um comentário apresentado a propósito de várias partes deste documento, esta secção é uma em que a falta de explicitação do quadro conceptual mais dificulta a leitura das propostas.

Em particular, falta uma definição clara de qual o motivo da intervenção do Estado. Apoiar empresas porquê? Tentando uma visão extrema, porque não pode abolir pura e simplesmente todos os apoios às empresas? A vantagem seria a de que cada empresa teria de pensar na sua sobrevivência em termos do valor que gera para o mercado e não em termos de quanto consegue obter de subsídios e apoios do Estado. Começar deste modo obriga também a pensar que motivos fazem com que se queira apoiar empresas e então depois pensar nos instrumentos que melhor conseguem alcançar esses objectivos.

Além deste exercício sobre os princípios que queremos ter para este “fomento”, despertou-me a atenção a discussão de dois aspectos.

O primeiro aspecto é o papel da Caixa Geral de Depósitos. À Caixa Geral de Depósitos é atribuído o papel de “fazer a diferença na orientação do crédito para as PME”. Mas porquê? Isto é, o que impede o sistema bancário e financeiro de financiar bons projectos de PME? Ou o pressuposto é que se deve financiar qualquer projecto de PME mesmo que não tenha perspectivas de rentabilidade? O que me preocupa aqui é o facto de este papel destinado à CGD poder vir a interferir com uma saudável renovação das empresas, incluindo PME. Portugal tem uma aversão grande à ideia de uma empresa falhar e dessa forma eternizam-se empresas pouco viáveis. A CGD não deve ser instrumento para impedir a renovação natural da estrutura empresarial incluindo PME.

Sobre o papel da CGD, como o escrutínio público sobre as suas decisões internas não é compatível com o segredo comercial das operações das empresas, e dado o risco de intervenção política, ao arrepio de racionalidade económica, avançar com a sua privatização plena não me traria problemas de maior. Contra o argumento de se estar a abdicar de um instrumento, relembro que a entrada na zona euro abdicou de instrumentos, a proposta de inscrever a “regra de ouro” sobre as contas públicas na Constituição é abdicar de um instrumento, que dizer que não se fazem mais PPP é abdicar também de um instrumento. Também a CGD pode ser um instrumento mal utilizado, e com a ausência de outros instrumentos mais fácil será cair nessa tentação – de o poder político dar mau uso ao papel da CGD.

O segundo aspecto que merece atenção é a ideia de fundos reembolsáveis, que traduzirá uma forma diferente de selecionar projectos para apoio. Aliás, será crucial determinar como será estabelecido esse projecto de selecção, na medida em que será preciso lidar com os fracassos de alguns projectos. Por mais bem sucedido que seja o programa não evitará casos em que empresas apoiadas não terão capacidade de reembolsar os fundos. E torna-se ainda mais crucial saber em que se distinguem estes fundos reembolsáveis dos créditos que o sistema financeiro possa fornecer – se forem por ter custos mais baratos para quem os recebe, não serão concorrência desleal? (e aqui o que terá a dizer a Autoridade da Concorrência?); se forem por outros motivos, por exemplo, melhor informação ou melhor capacidade de monitorização dos projectos, de onde surgem essas vantagens e porque não podem ser imitadas pelo sector privado?

Isto é, gostava de ter a certeza que estes fundos não são apenas formas de ganhar apoio políticos nesta ou naquela área, sem haver necessariamente ligação a necessidades da economia real. É que raramente se contabiliza o custo das distorções das decisões das empresas para obterem esses fundos e estas verbas. É preciso ser muito claro sobre qual o motivo (falha de mercado) que justifica o apoio, e porque é esta a melhor forma de ultrapassar essa falha de mercado.


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Guião da reforma do Estado (16)

As funções de soberania são tratadas na secção 3.6, e não há grandes comentários a fazer da minha parte. Segue o padrão encontrado noutras secções de defender medidas que se encontram em curso, de manter as funções sociais que são actualmente desempenhadas pelo Estado e em ser pouco claro sobre alguns aspectos, que terão, deverão ser, clarificados.

A questão central que ficou para tratar, do meu ponto de vista, é a de saber qual o espaço para políticas nacionais num contexto comunitário.

Na secção 3.7 abordam-se as funções de regulação, supervisão e inspecção, mas não se trazem ideias novas sobre as funções a desempenhar em termos de regulação, e o próprio modo de nomeação e funcionamento dos reguladores sectoriais tem uma lei quadro recente, pelo que aqui é basicamente reafirmar a bondade do que foi feito.

Questões que poderiam ser abordadas, como  a junção de vários reguladores num só, como foi feito noutros países, não foram introduzidas, e na verdade, para o nível de desenvolvimento dos sectores regulados e dos reguladores, creio que seria prematuro fazê-lo neste momento (até porque esses modelos de concentração de reguladoras que se observam lá fora ainda não demonstraram provas da sua bondade).


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Guião da reforma do Estado (15)

Curiosa a secção 3.5 do guião da reforma do estado, que se propõe abdicar da criação de mais empresas públicas e de parcerias público – privadas como instrumentos de intervenção do Estado.

Há aqui uma decisão política.

Além disso, há apenas a menção ao papel da UATP – unidade de acompanhamento técnico de projetos, que tem relatórios regulares sobre as PPP.

Sobre as PPP, vale a pena também ir ver o que se tem escrito sobre o assunto, sendo o mais recente o ensaio de Joaquim Miranda Sarmento para a colecção Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

 


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Guião da reforma do Estado (14)

A secção 3.4 do guião da reforma do Estado é dedicado aos municípios (“Agregar municípios, mais descentralização de competências”).

Apesar de pessoalmente pensar que a oportunidade de mudar o mapa administrativo do país para uma divisão mais eficiente se perdeu quando a decisão do Governo foi a de agregar algumas poucas freguesias, estabelecer as condições em que agregações de municípios propostas pelos próprios podem ser consideradas não deixa de ser uma ideia a explorar.

Dentro dessas condições deve estar o requisito de que o orçamento da nova entidade resultante deverá ser menor que a soma dos orçamentos dos municípios que lhe dão origem. Só assim se garantirá um movimento no sentido de maior eficiência.

No restante das ideias de descentralização, o principal risco que não se encontra clarificado no documento é como se vai lidar com a descentralização da despesa sem haver também descentralização da receita, e sobretudo como se vai lidar com a capacidade de descentralizar dívida – dívida contraída localmente mas cuja responsabilidade de pagamento acaba por ficar centralmente localizada (paga por todos). Ou de uma forma mais simples, como conter o incentivo a gastar demais quando a conta é a dividir por todos, como nos jantares de grupo que acabam com digestivos que ninguém quereria por decisão em que o pagamento fosse individual?

Esta secção termina com considerações sobre ordenamento do território que não sei avaliar se fazem ou não sentido, deixando para que especialistas da área se pronunciem em detalhe.


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Guião da reforma do Estado (13)

Chega-se agora ao capítulo 3, “Um Estado moderno no século XXI”. A primeira secção é pouco relevante, e a segunda, sobre reforma dos ministérios diz respeito à organização interna do Estado. Dificilmente mexer apenas nas orgânicas dos ministérios será suficiente. O próprio processo do Estado se ir ajustando à evolução da sociedade e das condições tecnológicas deverá se incluído na discussão.

Esta ideia subjacente de que se o Estado mudar o organigrama, de repente tudo fica a funcionar bem é perigosa e presumivelmente errada. Qualquer reforma dos processo do Estado tem levado muito tempo a concretizar quando se olha para a experiência internacional. Basta ir reler as experiências relatadas na conferencia realizada na Fundação Calouste Gulbenkian no inicio do ano, por organização conjunta do Banco de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian e Conselho das Finanças Públicas (ver aqui).

É proposta uma avaliação custo-benefício das entidades, uma iniciativa chamada PREMAC 2. Embora seja compreensível o princípio subjacente de avaliar o contributo de cada entidade, da forma como se escreve, é fácil prever que qualquer entidade vai lutar pela sua sobrevivência, e empolar os benefícios do que faz. Será crucial determinar como é que estas análises serão sistematizadas e usadas – relembremos que as PPPs e os investimentos públicos que hoje se colocam em dúvida em termos da sua utilidade e capacidade de gerar retorno social também tiveram análises custo-benefício na sua base, bem com análises de rentabilidade dos projectos, e todos os projectos realizados passaram nesses testes. Frequentemente à conta de projecções de procura e de valor dos benefícios gerados irrealistas. O que impedirá que aqui suceda o mesmo, admitindo que a ideia desta avaliação será realmente levada a sério? Quase dá para prever que cada entidade não só justificará a sua existência como terá capacidade de apresentar números que indicam que deve expandir-se.


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Comandante Ronaldo

Não fico doente com futebol, gosto de ver e de vez em quando há jogos que marcam uma década ou uma geração. Durante muitos anos, a memória que havia de um jogo no Mundial de 1966 contra a Coreia do Norte preenchia o imaginário do “impossível alcançado”. Eusébio era a figura emblemática desse jogo da geração dos meus pais.

Mais tarde, assisti via televisão ao primeiro “jogo de uma geração”, também ele um jogo de apuramento para um Mundial de Futebol, o Alemanha – Portugal, jogado em Estugarda, em que Carlos Manuel faz uma arrancada para um golo fabuloso e Bento defende tudo o que há para defender. Desde então perdemos quase sempre com a Alemanha, ganhamos um jogo num Europeu com três golos de Sérgio Conceição, mas não ficou marcante como essa vitória.

Saltamos mais uma geração e encontramos o jogo Inglaterra – Portugal no Euro 2000, ao fim de 20 minutos Portugal está a perder 2-0. É a partir daqui que Figo, emblema dessa geração, leva a equipa a uma reviravolta para 3-2, arrancando com um golo também ele fabuloso, a iniciar a recuperação. Mas esta geração deixa também um outro momento para este imaginário colectivo, quando Ricardo, num outro Portugal – Inglaterra, em 2004,  descalça as luvas para defender o remate e depois decide marcar o pénalti  que deu a passagem à ronda seguinte. Este jogo com a Inglaterra não foi um “jogo de uma geração”, mas um momento em que o arrojo e a confiança em fazer diferente deram resultado.

Passa mais uma geração de jogadores, e assistimos a bons jogos, a lágrimas de Cristiano Ronaldo em diversos jogos decisivos que a selecção nacional perdeu, a um jogador que vai crescendo na sua forma de encarar estes jogos. O jogo de ontem Portugal – Suécia entra para esta lista de “jogo de uma geração”. Não tanto pelo que se ganhou, que foi mais um apuramento, mas pela forma como da adversidade se fez a vitória. Depois do tom depreciativo com que J Sepp Blatter se referiu a Cristiano Ronaldo, o termo “Comandante” ou “El Comandante” acabou por ser apropriado. E neste jogo Suécia – Portugal, Comandante Ronaldo carregou em cada arrancada para golo o peso das aspirações de um país em ter a alegria de ir ao Mundial do Brasil, mundial com um sentimento próprio, como bem descreveu Ferreira Fernandes. Irão certamente existir mais casos de “jogo de uma geração”, talvez até mesmo nesta geração (esperemos que sim), mas este jogo lá ficará também. Por instantes, para-se e a vida segue dentro de momentos, e assim:

Obrigado Comandante Ronaldo.

comandante ronaldo


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Guião da reforma do Estado (12)

A secção 2.3 é dedicada ao tema “flexibilizar para melhorar a economia”. Não se resistiu uma vez mais a um exercício prévio de auto-elogio sobre o que o Governo conseguiu. Esse exercício deveria ter sido acompanhado de demonstração factual, pelo menos relativamente a dois pontos: reforma da lei do arrendamento e reforma do código de trabalho. Nestes dois pontos, para quem estiver interessado, há um acompanhamento feito aqui (mercado de trabalho) e aqui (arrendamento) pelo Nova Economics Club, clube de alunos do mestrado de economia da Nova.

Ainda a propósito da flexibilização da economia é referido o regime de trabalho portuário, “com impacto nas exportações” – e quantificação, se faz favor? – e a “opção pelo ensino dual e pela empregabilidade nos sistemas de formação” – e aqui fiquei perdido com o que queriam transmitir…

A secção 2.4 tem como tema preservar e viabilizar o estado social, e sente-se a falta de uma visão global para a presença do estado em cada área mencionada. Não é só o aspecto das desigualdades que está aqui em causa, o Estado não existe apenas para lidar com a exclusão social. Há motivos para intervenção mais geral que apenas a redistribuição de rendimento (directa ou através de prestação de serviços a populações específicas)?

O crescimento do produto é o objecto da secção 2.5 e também aqui se retoma uma visão limitada de ser a descida do IRC a “bala mágica” que fará crescer o investimento que por sua vez fará crescer o emprego. É uma visão simplista e como tal perigosa.

Sobre o IRC, comentei anteriormente, mas vale a pena aqui retomar um outro ângulo. Qual é realmente o argumento pelo qual a redução do IRC promove investimento? Porque permite um maior retorno privado no investimento realizado? Ou porque permite às empresas reter fundos que depois utilizam em investimento? A primeira pergunta lida com os incentivos, em sentido lato, a realizar investimento enquanto a segunda lida com as condições.

Para responder a estas perguntas é necessário conhecer quem beneficia da descida de IRC e porque irá investir mais. Estando os maiores lucros situados em sectores de bens não transacionáveis e onde se tem argumentado existirem “rendas excessivas”, não será contraditório estar a permitir que maior parte dessas rendas fique nas empresas? É também nesses sectores que se quer estimular o investimento, e não nos sectores exportadores?

Por outro lado, não é o investimento que cria emprego. É a perspectiva de querer produzir mais que origina o desejo das empresas empregarem mais factores produtivos, quer equipamento quer pessoas, para conseguirem aumentar a sua produção de bens e serviços. Investimento e emprego estarão correlacionados, mas não porque investimento causa emprego, e sim porque desejo de produzir mais implicam ter mais equipamento, que se consegue investindo, e mais pessoas a trabalhar. Investimento aqui tem que ter um sentido geral de fomentar aquisição de bens de equipamento e contratação de pessoas. Nesse sentido, a existência de créditos fiscais deveria ser pensada tendo em conta a soma destas duas componentes, e não apenas de uma delas. Identificando investimento apenas com investimento em equipamento estar-se-á na verdade a distorcer contra emprego – se houver créditos fiscais que baixem o custo de adquirir equipamento mas não o custo de empregar pessoas, então as opções para aumentar a escala de produção tenderão a utilizar relativamente mais equipamento e a preterir a contratação de trabalhadores. Para surpresa de quem pensar que investimento em equipamento causa emprego de trabalhadores.