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Guião da reforma do Estado (19)

1 Comentário

A secção 3.9 é inteiramente dedicada à educação, e é uma das áreas onde mais inovação em termos de propostas pode ser encontrada. Começa logo à cabeça por se afirmar que a função educativa do Estado não é colocada em causa, mas não se define quais os limites e objectivos dessa função educativa. Por exemplo, abrange o ensino superior ou não?

As duas linhas de força escritas no documento são a maior exigência (traduzida em maiores pontos de avaliação geral dos alunos, isto é, exames nacionais) e a maior liberdade de escolha. Curiosamente, a liberdade de escolha quanto a submeter os alunos a menos exames nacionais não é permitida (enfim, só para ilustrar como os termos são usados de forma pouco exacta em muitos casos, e como ao dizer-se liberdade de escolha frequentemente quer-se dizer liberdade para escolherem aquilo que alguém quer se escolha).

De qualquer modo, todo o tom das propostas é o de abrir possibilidades e experimentar mais do que impor soluções,  o que é uma abordagem adequada a uma área sensível como esta. É porém necessário uma grande transparência e honestidade intelectual na montagem dessas experiências piloto e na sua avaliação.

Por exemplo, é dito que se parte de duas premissas: “a proximidade é, em geral, mais humanista, a descentralização, por regra, é mais eficiente”. Estas duas premissas carecem de demonstração, e de evidência quanto aos seus limites. Tomando a descentralização, porque não descentralizar ao nível de cada rua? Dirão que é absurdo e eu concordo, mas significa que descentralização tem então limites, e não sendo verdade que descentralizar até ao nível mais baixo de cada rua ou de cada casa é adequado, então qual é nível adequado?

As mesmas dúvidas quanto à proximidade, qual a linha em que a decisão por proximidade se torna em favoritismo ou discriminação?

Não sei o suficiente do sector para conseguir contra-argumentar com outros níveis de centralização ou proximidade, mas por isso mesmo preciso de ser convencido que estas propostas são as que de facto fazem sentido.

Relativamente à autonomia das escolas, simpatizo com a ideia de controlar sobretudo os resultados alcançados pelos alunos sem impor que haja apenas um caminho para alcançar esses resultados. O Estado fica com a missão de verificar se os resultados alcançados (conhecimentos adquiridos) são os adequados à função educativa que definiu. Mas se uns caminhos são melhores que outros como lidar com a diversidade resultante? Um exemplo rápido, pensemos numa escola que oferece tempo adicional de estudo em matemática, e numa outra que oferece esse mesmo tempo adicional mas em formação musical. Os resultados medidos em exame dos alunos de matemática da primeira escola serão provavelmente melhores que os da segunda, mas pode-se afirmar inequivocamente que os resultados da primeira são melhores que os da segunda?

Por fim, é proposta a ideia de “escolas independentes”, ou seja, gestão pelos próprios professores mediante um processo de concurso de gestão. Aqui a dúvida principal é porque serão os professores bons gestores e em que condições? E se não forem que consequências são retiradas em termos do que fazer se a qualidade de ensino se degradar? Terão que existir mecanismos rápidos de resolução de litígios e a capacidade de assumir decisões difíceis. Estar preparado para o pior para que tudo corra pelo melhor. Se foquei primeiro nas desvantagens, há que reconhecer o potencial de os professores ficarem assim com liberdade para experimentarem abordagens inovadoras e terem a responsabilidade pelo resultado. Terão também o risco de iniciarem um projecto numas condições e o Estado unilateralmente alterar essas condições a meio, mas isso será avaliado por cada grupo de professores na altura de concorrer à gestão de uma escola. Além de saber qual o grau de liberdade efectivo para gerir que vão ter. Poderão contratar e despedir professores?

O que não está explícito é se professores de uma escola se podem candidatar a gerir melhor outra escola que não a sua. Seria interessante saber que esta espécie de mercado interno pela gestão das escolas é uma possibilidade ou não.

Continuando no campo da educação, é dito “Como é sabido, globalmente, as escolas com contrato de associação respondem bem nos rankings educativos”. Ok, eu não sei. Por favor, indiquem referências concretas. “Como é sabido” pretende traduzir uma ideia de ignorância a quem contestar a afirmação; como sou ignorante, agradeço demonstração da afirmação. A evidência deve ser clara e inequívoca. A mera posição nos rankings não é suficiente, uma vez que é necessário acomodar a possibilidade de os alunos dessas escolas com contrato de associação não serem idênticos nas suas características aos restantes. O que deve ser demonstrado é para iguais condições de partidas, as escolas com contratos de associação geram melhores resultados. Os rankings usualmente publicados não fazendo esse controle para as condições de partida. Ou seja, agradeço mesmo a indicação de referências que demonstrem de forma credível a  afirmação.

Ainda assim, não creio que seja de excluir experimentar diferentes formas de atingir os mesmos resultados, desde que devidamente acompanhados, e com capacidade de intervenção rápida e decisiva em caso de necessidade. Qualquer contrato desse tipo deve evitar que o Estado fique refém do outro lado.

(comentário lateral: estas propostas parecem chamar o sector privado a colaborar no campo educação, e com contratos que podem ter alguma duração temporal – ou será que serão apenas contratos anuais – é que se forem contratos com alguma duração, daqui a pouco são similares a esquemas de parceria público – privado, que noutro local se disse não querer…)

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

One thought on “Guião da reforma do Estado (19)

  1. Quando falamos em gestão de uma escola podemos estar em falar em duas coisas diferentes. Uma a gestão da actividade ( que tem em vista os resultados do ensino e a satisfação dos utentes-alunos e pais e passa pela capacidade de escolha de professores competentes e pela sua motivação) e e a outra gestão economico financeira. A melhor solução será a entrega das escolas a grupos de professores e estes contratarem um gestor para tratar da parte economico e financeira e deixando para os professores o core business (lembro do exemplo daquela serie americana sobre uma escola de dança em que isto acontecia).
    As USFs demostraram bem que a gestão da actividade profissonal pelos próprios complementada por uma contratualização rigorosa, é muito mais motivadora e com melhores resultados do que os sistma burocratico.

    Mas também não vejo nada contra a escolas poderem pertencer a entidades privadas. O importante é a existência de uma contratualização exigente e que o acesso de todos se mantenha numa rede que é pública mas em que as unidades são concessionadas ou privadas convencionadas.

    São os interesses corporativos dos instalados e dos sindicatos que falam na defesa da escola pública eque defentem estúpidos concursos nacionais.

    António Alvim

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