“Fomento económico: apoia e conceder” é outra das secções do documento “Um Estado Melhor”, e sente-se uma certa tensão entre dizer que o Estado tem que intervir e a visão de que cabe ao sector privado desenvolver-se por si.
Apesar de ser um comentário apresentado a propósito de várias partes deste documento, esta secção é uma em que a falta de explicitação do quadro conceptual mais dificulta a leitura das propostas.
Em particular, falta uma definição clara de qual o motivo da intervenção do Estado. Apoiar empresas porquê? Tentando uma visão extrema, porque não pode abolir pura e simplesmente todos os apoios às empresas? A vantagem seria a de que cada empresa teria de pensar na sua sobrevivência em termos do valor que gera para o mercado e não em termos de quanto consegue obter de subsídios e apoios do Estado. Começar deste modo obriga também a pensar que motivos fazem com que se queira apoiar empresas e então depois pensar nos instrumentos que melhor conseguem alcançar esses objectivos.
Além deste exercício sobre os princípios que queremos ter para este “fomento”, despertou-me a atenção a discussão de dois aspectos.
O primeiro aspecto é o papel da Caixa Geral de Depósitos. À Caixa Geral de Depósitos é atribuído o papel de “fazer a diferença na orientação do crédito para as PME”. Mas porquê? Isto é, o que impede o sistema bancário e financeiro de financiar bons projectos de PME? Ou o pressuposto é que se deve financiar qualquer projecto de PME mesmo que não tenha perspectivas de rentabilidade? O que me preocupa aqui é o facto de este papel destinado à CGD poder vir a interferir com uma saudável renovação das empresas, incluindo PME. Portugal tem uma aversão grande à ideia de uma empresa falhar e dessa forma eternizam-se empresas pouco viáveis. A CGD não deve ser instrumento para impedir a renovação natural da estrutura empresarial incluindo PME.
Sobre o papel da CGD, como o escrutínio público sobre as suas decisões internas não é compatível com o segredo comercial das operações das empresas, e dado o risco de intervenção política, ao arrepio de racionalidade económica, avançar com a sua privatização plena não me traria problemas de maior. Contra o argumento de se estar a abdicar de um instrumento, relembro que a entrada na zona euro abdicou de instrumentos, a proposta de inscrever a “regra de ouro” sobre as contas públicas na Constituição é abdicar de um instrumento, que dizer que não se fazem mais PPP é abdicar também de um instrumento. Também a CGD pode ser um instrumento mal utilizado, e com a ausência de outros instrumentos mais fácil será cair nessa tentação – de o poder político dar mau uso ao papel da CGD.
O segundo aspecto que merece atenção é a ideia de fundos reembolsáveis, que traduzirá uma forma diferente de selecionar projectos para apoio. Aliás, será crucial determinar como será estabelecido esse projecto de selecção, na medida em que será preciso lidar com os fracassos de alguns projectos. Por mais bem sucedido que seja o programa não evitará casos em que empresas apoiadas não terão capacidade de reembolsar os fundos. E torna-se ainda mais crucial saber em que se distinguem estes fundos reembolsáveis dos créditos que o sistema financeiro possa fornecer – se forem por ter custos mais baratos para quem os recebe, não serão concorrência desleal? (e aqui o que terá a dizer a Autoridade da Concorrência?); se forem por outros motivos, por exemplo, melhor informação ou melhor capacidade de monitorização dos projectos, de onde surgem essas vantagens e porque não podem ser imitadas pelo sector privado?
Isto é, gostava de ter a certeza que estes fundos não são apenas formas de ganhar apoio políticos nesta ou naquela área, sem haver necessariamente ligação a necessidades da economia real. É que raramente se contabiliza o custo das distorções das decisões das empresas para obterem esses fundos e estas verbas. É preciso ser muito claro sobre qual o motivo (falha de mercado) que justifica o apoio, e porque é esta a melhor forma de ultrapassar essa falha de mercado.
27 \27\+00:00 Novembro \27\+00:00 2013 às 09:27
Caro Professor Pita Barros,
Muito sinceramente e por observação empírica, sou contra “fomentos” sobre a forma de subsídios ou créditos. A existir apoios, é preferível que os mesmos se foquem sobre os chamados “custos de contexto” e não sob a forma de subsidiação. No entanto, A existir apoios os mesmos devem ser coordenados directamente pelo Estado e não via bancos (CGD ou outros) e devem manifestar-se sob a forma de crédito fiscal e não apoio directo.
A CGD é um anacronismo bancário quem começou por ser um banco do Estado para remuneração dos seus funcionários e efectuar pagamentos (que acho legítimo e até boa ideia) para actualmente não se distinguir de qualquer banco comercial. Pertencendo ao grupo de pessoas que considera que a CGD devia ou ser privatizada ou deixar de operar comercialmente (i.e. regressar a um banco do Estado com funções a nível de pagamento, contas à ordem não remuneradas – e sem encargos – para funcionários públicos ou pensionistas que as queiram ter e, no máximo, assumir função de comercialização de dívida pública, em substituição dos CTT e do IGCP). causa-se urticária a ideia de tornar a CGD no tal “banco de fomento”.
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27 \27\+00:00 Novembro \27\+00:00 2013 às 13:29
Caro Pedro,
reforço o perigo da sobre-protecção das PME. A distribuição do tamanho das empresas em Portugal mostra quem há um enviesamento (comparando com outros países Europeus) em favor das pequenas empresas. Isto sugere que há um ganho de consolidação que está por fazer. “Apoiar e fomentar” ainda mais as PME torna o ganho de crescimento/consolidação ainda menor do que já é. Em geral, assumindo que absolutamente se quer apoiar alguma empresa, porque não começar a diferenciar empresas pela sua idade e não pelo seu tamanho: idade é uma variável mais exógena e existem algumas razões (assimetria de informação, custo de financiamento) para se proteger uma empresa “nova”. Fica a ideia…
Nuno
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