A secção 2.3 é dedicada ao tema “flexibilizar para melhorar a economia”. Não se resistiu uma vez mais a um exercício prévio de auto-elogio sobre o que o Governo conseguiu. Esse exercício deveria ter sido acompanhado de demonstração factual, pelo menos relativamente a dois pontos: reforma da lei do arrendamento e reforma do código de trabalho. Nestes dois pontos, para quem estiver interessado, há um acompanhamento feito aqui (mercado de trabalho) e aqui (arrendamento) pelo Nova Economics Club, clube de alunos do mestrado de economia da Nova.
Ainda a propósito da flexibilização da economia é referido o regime de trabalho portuário, “com impacto nas exportações” – e quantificação, se faz favor? – e a “opção pelo ensino dual e pela empregabilidade nos sistemas de formação” – e aqui fiquei perdido com o que queriam transmitir…
A secção 2.4 tem como tema preservar e viabilizar o estado social, e sente-se a falta de uma visão global para a presença do estado em cada área mencionada. Não é só o aspecto das desigualdades que está aqui em causa, o Estado não existe apenas para lidar com a exclusão social. Há motivos para intervenção mais geral que apenas a redistribuição de rendimento (directa ou através de prestação de serviços a populações específicas)?
O crescimento do produto é o objecto da secção 2.5 e também aqui se retoma uma visão limitada de ser a descida do IRC a “bala mágica” que fará crescer o investimento que por sua vez fará crescer o emprego. É uma visão simplista e como tal perigosa.
Sobre o IRC, comentei anteriormente, mas vale a pena aqui retomar um outro ângulo. Qual é realmente o argumento pelo qual a redução do IRC promove investimento? Porque permite um maior retorno privado no investimento realizado? Ou porque permite às empresas reter fundos que depois utilizam em investimento? A primeira pergunta lida com os incentivos, em sentido lato, a realizar investimento enquanto a segunda lida com as condições.
Para responder a estas perguntas é necessário conhecer quem beneficia da descida de IRC e porque irá investir mais. Estando os maiores lucros situados em sectores de bens não transacionáveis e onde se tem argumentado existirem “rendas excessivas”, não será contraditório estar a permitir que maior parte dessas rendas fique nas empresas? É também nesses sectores que se quer estimular o investimento, e não nos sectores exportadores?
Por outro lado, não é o investimento que cria emprego. É a perspectiva de querer produzir mais que origina o desejo das empresas empregarem mais factores produtivos, quer equipamento quer pessoas, para conseguirem aumentar a sua produção de bens e serviços. Investimento e emprego estarão correlacionados, mas não porque investimento causa emprego, e sim porque desejo de produzir mais implicam ter mais equipamento, que se consegue investindo, e mais pessoas a trabalhar. Investimento aqui tem que ter um sentido geral de fomentar aquisição de bens de equipamento e contratação de pessoas. Nesse sentido, a existência de créditos fiscais deveria ser pensada tendo em conta a soma destas duas componentes, e não apenas de uma delas. Identificando investimento apenas com investimento em equipamento estar-se-á na verdade a distorcer contra emprego – se houver créditos fiscais que baixem o custo de adquirir equipamento mas não o custo de empregar pessoas, então as opções para aumentar a escala de produção tenderão a utilizar relativamente mais equipamento e a preterir a contratação de trabalhadores. Para surpresa de quem pensar que investimento em equipamento causa emprego de trabalhadores.