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o relatório da ocde (10)

O capítulo 1.2 do relatório da OCDE apresenta de forma detalhada uma ideia que noutros contextos, e por outras pessoas, já tinha sido apresentada para Portugal – melhorar as infraestruturas de transporte para que Portugal possa ser uma porta de entrada para produtos no Sul da Europa.

Tal significa aproveitar a rede de auto-estradas e desenvolver sobretudo o transporte ferroviário, o que terá de ser feito em conjunto com as autoridades espanholas. No caso das auto-estradas, a ideia é não construir mais e sim aproveitar o que há integrando com portos e caminhos de ferro.

Sobre as auto-estradas, refere o relatório da OCDE a importância de aumentar a eficiência da sua utilização através de definição de portagens adequadas.

Este é um aspecto, a meu ver, que tem sido pouco e mal discutido: Qual o papel das portagens?

O custo de ter mais ou menos um carro ou camião ou TIR a passar numa auto-estrada é basicamente o custo de manutenção que essa passagem implica. O custo de construção da infraestrutura está incorrido. Não será passarem mais ou menos carros que o pagam. Portagens muito elevadas significam apenas que se desvia tráfego para outro lado que seria vantajoso que fosse realizado pela auto-estrada.

Nalguns casos, nomeadamente à entrada das grandes cidades, existem situações de congestionamento nos acessos rodoviários, o que sugeriria uma portagem definida para refrear a utilização da mesma e evitar esse congestionamento.

Claro que entretanto as estradas foram construídas e têm que ser pagas, mas deve-se pensar na forma mais eficiente de fazer esse pagamento, e não apenas na forma mais fácil de simplesmente ir aumentando portagens até que seja impossível pagar a auto-estrada por ninguém lá passar e ao mesmo tempo impor-se o custo de alternativas mais demoradas em tempo.

A experiência dos últimos dois anos, com o aumento das portagens verificado, será um bom ponto de partida para estudar e pensar qual o sistema mais eficiente. Uma ideia, que já surgiu, como a de diferenciar portagens de acordo com a hora do dia é algo a explorar. Mas também as diferenças entre tipos de veículos. Apesar do relatório falar em que existe ainda margem para aumentar algumas portagens, tal poderá ser contraditório com a ideia de utilização eficiente de infraestruturas rodoviárias na ausência de problemas de congestão evidentes.

Outro aspecto eventualmente interessante é saber se Portugal por ter uma densidade de auto-estradas tão acima dos restantes países desenvolveu alguma capacidade própria de gestão ou manutenção que permita vender como serviço esse conhecimento adquirido. A venda de serviços como a Via Verde é o exemplo mais óbvio, mas talvez existam outros – por exemplo, gestão de infraestruturas de comunicações presentes nas auto-estradas será outro exemplo?

Por fim, deverá ainda pensar-se numa maior utilização do factor preço na gestão do trânsito urbano de forma eficiente, seja através de portagens nos acessos seja, quando não existam portagens, pelo preço do estacionamento.


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o relatório da ocde (9)

A secção seguinte do primeiro capítulo do relatório da OCDE tem um título que remete para a necessidade de uma regulação das indústrias de rede que seja mais amiga da concorrência

Este acaba por ser mais um assunto recorrente das avaliações que são feitas, e é preciso compreender não porque a recomendação é feita, e sim porque é sempre e sucessivamente feita. Significa que os progressos têm sido sempre lentos se não mesmo inexistentes.

Aqui, inclino-me cada vez mais a acreditar que conseguimos desenvolver uma verdadeira especificidade nacional – a liberalização protegida.

O exemplo dado pela OCDE é referente à electricidade, em que praticamente todos os intervenientes conseguiram ver as suas posições protegidas com remunerações garantidas.

É certo que as empresas tinham contratos que tiveram de ser alterados na transição para um ambiente de concorrência, mas assegurar o valor dos contratos é uma coisa, outra é fazer dos mecanismos de compensação das alterações havidas alavancas para o exercício de domínio de mercado. Não sei se não será preferível nalguns casos tomar acções mais radicais – como comprar os contratos, em lugar de distorcer as regras de mercado para dar remunerações equivalentes às que existiriam antes das medidas destinadas a introduzir concorrência. É que acaba por ser confuso que na vontade de fazer uma transição para regras de mercado em concorrência se tenham introduzido mecanismos no funcionamento do sector que acabam por distorcer essa concorrência. Este aspecto a propósito da electricidade, está também presente nas condições do gás natural, e hoje em menor medida nas telecomunicações.

A preocupação com a protecção dos consumidores deverá ser assumida de uma forma diferente, através de obrigações de serviço universal concessionadas em concurso/leilão para obter melhores condições, ou por apoio directo às famílias, no conjunto de todos apoios que hoje em dia existem.


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o relatorio da ocde (8)

O relatório da OCDE dá, no seu primeiro capítulo, atenção especial às restrições da legislação ambiental, que é destacada como área para simplificação.

Simplificação não significa tornar a legislação menos exigente. Deve-se, neste como noutro campos, antecipar o que será a exigência dos nossos parceiros europeus e comerciais, e chegar lá primeiro. Aliás, seria interessante desenvolver as tecnologias que permitem cumprir legislações ambientais mais exigentes em vários domínios e depois batermo-nos por vender essas tecnologias e fazer delas vantagem, em lugar de andar a pedir adiamentos para ajustamento, que normalmente acabam em ter de comprar as tecnologias que outros desenvolveram.

Nesta mesma secção, volta a referir o habitual problema da morosidade da justiça portuguesa, e em que mais uma vez não é de todo claro que se temos um problema operacional (má capacidade de decisão em tempo útil) ou um problema da qualidade das leis. A existência de revisões de códigos que se sucedem, mas em que pouco parece se alterar nesse campo, deverá fazer pensar no que estará a ser elemento mais estrangulador do sistema.


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o relatório da ocde (7)

Uma das secções ainda do primeiro capítulo do relatório da OCDE é referente à qualidade do enquadramento institucional. Começa por reconhecer as transformações já introduzidas durante o programa de assistência financeira.

Ainda assim, reconhecendo a importância dada à qualidade das instituições, devemos reflectir sobre a capacidade de as criar, de aceitar as regras criadas, e da forma de garantir a “qualidade” adequada a cada uma nas pessoas colocadas à frente das instituições. O mero decalque das instituições que funcionaram noutros países poderá não dar o mesmo resultado por pequenos detalhes.

São referidas as alterações no licenciamento aprovadas em 2012, em que teria sido especificado um calendário detalhado para revisão de regimes legais. Será que está tudo a acontecer no tempo previsto? Esta é oportunidade para reportar publicamente a capacidade das instituições nacionais não só de existirem, mas também de funcionarem dentro dos prazos devidos.


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o relatório da ocde (6)

O relatório da OCDE prossegue com uma breve discussão sobre os ganhos potenciais das reformas estruturais. Essa discussão baseia-se em análises estatísticas com base em 15 países (Australia, Austria, Belgium, Canada, Denmark, Finland, France, Germany, Greece, Italy, Netherlands, Norway, Spain, Sweden and United-States, p. 51 da referência dada no relatório da OCDE). Dado que Portugal não esteve incluído, a extrapolação é além da média dos países utilizados, e teria sido interessante que a OCDE reflectisse nas suas análises a situação portuguesa de uma forma mais completa. Mesmo que aceitasse a análise realizada com esses 15 países como boa, deveria mostrar onde se situaria Portugal nessa análise e de que país estaria mais próximo. Dizer apenas que a economia portuguesa terá a ganhar até 2020 um aumento de produtividade em 3,5% não permite saber qual a importância relativa de outros factores. É também relevante saber o caminho até lá, bem como os passos que podem acelerar ou travar essa evolução.

Note-se que este valor não é garantir um crescimento de 3,5% ao ano, todos os anos, nem é garantir um aumento de 3,5% na taxa de crescimento da economia portuguesa. Da forma como está escrito, é aumentar o nível de produtividade, no espaço de 7 anos, para um valor 3,5% superior ao de hoje, tudo o resto constante na economia. O que corresponde, para lá se chegar, a um aumento de 0,5 pontos percentuais na taxa de crescimento da economia em cada um dos anos face à ausência dessas reformas, se este efeito fosse distribuído de forma uniforme (o que pode não ser o caso).


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hoje, sobre a importância da qualidade da gestão para os resultados de saúde

As discussões sobre as poupanças na despesa pública têm dominado todas as atenções, e o mesmo se tem passado na saúde. De certo modo, nas condições actuais é quase inevitável que toda e qualquer medida adoptada seja julgada pelas consequências que tem sobre a despesa pública em saúde. A pergunta mais vezes feita é sobre onde cortar, logo seguida de como cortar. Quando se olha para os valores agregados da despesa em saúde em Portugal, a discussão fica quase sempre paralisada na aparente divergência entre se dizer que se gasta muito (despesa em saúde como percentagem do PIB elevada) e que se gasta pouco (valor per capita baixo, na comparação internacional). Mais interessante é saber se poderemos obter os mesmos resultados de saúde com menos recursos. E é interessante por duas razões – por um lado, significa que temos de conhecer como é que os recursos disponibilizados são transformados em cuidados de saúde e estes em resultados de saúde (são dois passos), por outro lado, é preciso conhecer que contribuição dá cada actividade em termos de benefícios – por exemplo, nem sempre mais uma consulta, mais um cirurgia ou mais um medicamento prescrito ou mais uma TAC têm valor adicional em termos de saúde das pessoas (embora consumam recursos).

Centrando, antes desse segundo passo, a atenção no primeiro passo, os vários estudos que têm sido produzidos nos últimos dois anos (para não recuar mais no tempo) mostram que existe variabilidade de situações suficiente para se pensar que existe ainda potencial para obter resultados similares com menos recursos.

O problema é identificar onde. Para dar essa resposta, é necessário descer um pouco mais na análise das organizações.

Um exemplo concreto é dado pela gestão das unidades de saúde, em particular dos hospitais. Muito se tem falado ao longo da última década sobre essa avaliação da gestão e consequências que poderia e deveria ter, mas não se desenvolveram os instrumentos necessários para medir de forma adequada essa gestão.

Medir de forma adequada não significa compilar centenas de indicadores que possam ter uma associação com a qualidade de gestão, mas não perfeita, e como tal possam ser justificáveis por outros factores. Se um mesmo resultado dos indicadores puder ser justificado por melhor ou pior gestão ou por evolução de outros aspectos (digamos, um surto de gripe de estirpe nova), então penalizar ou premiar a gestão poderá ser injusto e inadequado no sentido de punir ou premiar aspectos que não estavam de facto no controle da gestão.

A solução é encontrar uma medição quantitativa mais directa da qualidade de gestão, e identificar os indicadores construídos por rotina ou que podem ser obtidos a partir de informação rotineiramente recolhida, que com ela têm forte associação.

A forma de medir quantitativamente a qualidade da gestão tem sido desenvolvida de várias formas. Uma que me parece especialmente feliz é devida a Nicholas Bloom (e os co-autores com quem trabalha), da Universidade de Stanford, que envolve entrevistas realizadas e classificadas segundo um sistema que procura assegurar uma passagem consistente de elementos qualitativos para quantitativos.

Numa aplicação a hospitais ingleses, onde foram realizadas essas entrevistas de forma sistemática e construída uma base de dados para análise, encontraram uma relação sistemática entre qualidade de gestão, utilizando este instrumento, e indicadores de qualidade de cuidados prestados.

Além do resultado genérico, de quantificação do impacto de melhorias de gestão em resultados de saúde medidos por redução de taxas de mortalidade, identificaram que áreas da gestão eram mais responsáveis por essa melhoria – surgindo à cabeça a gestão dos recursos humanos, seguido do estabelecimento de objectivos. Sem efeito imediato e significativo, a gestão de operações e a monitorização e controle, como áreas de actividade da gestão. Ou seja, onde maiores ganhos, no sistema inglês, em termos de gestão é numa melhoria da política de recursos humanos (tem depois vários elementos dentro dela a serem considerados).

Este resultado permite pensar que áreas da gestão a ser melhoradas têm maior impacto em termos de resultados de saúde. Também se pode ver a relação com indicadores financeiros (e aqui os resultados encontrados são de maior diversidade, não se estabelecendo uma relação estatística sistemática).

É de todo o interesse que o mesmo tipo de evidência seja obtido para Portugal, para que não se continue a discutir com base apenas em percepções, mais ou menos informadas pelas experiências de cada um. E constituirá também informação útil para quem está à frente das instituições.

Neste tipo de abordagem, até existe quem tenha iniciado parte do caminho (Vitor Raposo, na Universidade de Coimbra), mas falta uma maior abrangência e generalização das unidades de saúde abrangidas (e podemos começar pelos hospitais).

 

Referência para consulta: Carol Propper, Nicholas Bloom, Stephan Seiler and John Van Reenan, The impact of competition on management quality: evidence from public hospitals.


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perguntas e (tentativas) de resposta

Lançou  A. Küttner de Magalhães ontem num comentário, algumas perguntas, que merecem uma resposta (ou tentativa de resposta):

Gostaria de deixar aqui alguns aspectos quanto aos médicos:

1 – não seria de já no proximo ano lectivo, de reduzir o numero de vagas em medicina ? ( licenciatura das mais dispenddioas para os nossos impostos, e pode ser mais uma para todos emigrarem)

Não creio que se deva reduzir o número de vagas de medicina, mesmo que haja depois formados a emigrarem. Vejo a responsabilidade do ensino superior público como sendo perante a população, e não perante os empregadores. Desenvolvi o argumento aqui. A única razão para limitar vagas será a capacidade formativa adequada de cada escola, e se essa for uma restrição activa então a resposta deverá ser aumentar a capacidade formativa.

2 – que fazer com todos os médicos que se licenciaram no último ano lectivo e no em curso, que não terão sequer acesso ao internato? ( ficam com o canudo e sem experiência…..)

Duas respostas: primeiro, fazer o planeamento necessário para que haja as vagas de internato adequadas; segundo, e aqui especulando bastante, será que todos os formados querem seguir para carreira clínica, será que não existem oportunidades de emprego alternativas que não impliquem internato? Não conheço o suficiente dos números envolvidos nem da validade e existência dessas alternativas para  saber as respostas.

3 – como melhor (bem) aproveitar todos os médicos que estão no fim das especialidades? (dado que teminada a licenciatura, o internato e a especialidade – se bem que nestas últimas duas etapas já são muito uteis, uma vez que já tratam doentes, como se sabe – podem não ter vagas.

Boa questão, até há um par de anos a principal preocupação era que iríamos ter falta de médicos e que se estava a importar médicos de outros países. O caminho será encontrar o equilíbrio entre oferta e procura, usando os mecanismos que o Serviço Nacional de Saúde tem, mas sem se substituir à livre decisão de cada médico sobre a sua vida. A responsabilidade sobre aproveitar bem os médicos formados é a mesma que se tem sobre os historiadores formados, ou sobre os economistas, ou os engenheiros. A importância do custo da formação não é, a meu ver, argumento (ver resposta à primeira pergunta).

O que significa encontrar esse equilíbrio entre oferta e procura? oferecer mais vagas nas especialidades que o SNS preveja vir a ter mais necessidade; oferecer projectos de vida interessantes em zonas geográficas que tradicionalmente atraiam menos médicos.

4 – como fazer que médicos mais velhos deixem o SNS quando estão em idade de o fazer se se ameça – a todos nós médicos ou porteiros – em acabar com reformas e pensões?

Na verdade, o problema dos últimos anos tem sido fazer com que esses médicos mais velhos não desapareçam já do sistema.  Mas assumindo que se quer fazer com que deixem o SNS (e não sei se concordo em absoluto com essa ideia), talvez possam ter um papel menos clínico activo e mais formativo, resolvendo também alguns dos aspectos de capacidade de formação de novos médicos referido acima. O balanço entre as diversas funções dos médicos no Serviço Nacional de Saúde poderá evoluir ao longo do tempo.

Aliás, podemos até pensar de forma mais ampla, e considerar que Portugal poderá tentar criar uma capacidade formativa em Medicina que exceda a sua estrita necessidade com o objectivo de formar médicos que irão trabalhar noutros países, uma vez que se prevê um aumento da necessidade de médicos quer no Norte da Europa quer nos países emergentes ou em desenvolvimento (surgiu há dias a necessidade de recrutamento do Brasil, mas também Angola e Moçambique irão necessitar de formar mais médicos conforme forem tendo crescimento económico e recursos para suportar sistemas de saúde mais amplos).


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o relatório da ocde (5)

A secção 1.1 do relatório da OCDE discute o papel da regulação de mercados para o desenvolvimento de um ambiente favorável ao desenvolvimento das empresas.

O ponto de partida da OCDE é que a pressão concorrencial é a melhor forma de levar as empresas a ter custos menores e preços mais favoráveis, aumentar a qualidade do que produzem e inovar.

Esta perspectiva vê a concorrência como estímulo para a mudança. Significa não só um papel activo para a Autoridade da Concorrência, mas também o Estado resistir à tentação de dar regimes de excepção, sobretudo nas áreas cruciais para a inserção nas cadeias de valor internacionais (ver post anterior). Seria interessante ter um código de conduta do Estado para as suas relações com as grandes empresas.

Quais as melhores práticas para evitar a “captura” do Estado? (captura no sentido dos agentes do Estado serem convencidos sistematicamente pelas posições das grandes empresas, muitas vezes porque os restantes afectados não têm dimensão para fazer ouvir a sua voz – uma grande empresa pode ter um departamento apenas dedicado aos assuntos de regulação e concorrência, uma pequena empresa dificilmente saberá o que pode fazer neste campo).

Um exemplo dado frequentemente é a passagem de licenciamentos ex-ante para verificações ex-post. O licenciamento ex-ante, na sua complexidade, é algo que em geral protege as grandes empresas (as que têm capacidade para lidar com essa complexidade). A verificação ex-post não só tem a vantagem de reduzir custos para quem queira entrar, como ao reduzir a segurança jurídica relativamente a determinadas práticas poderá ter efeito dissuasor sobre abusos que ocorram apenas porque já está licenciado ou aprovado (ou outro termo técnico jurídico adequado) para as empresas que estão nessa área de actividade.

Promover a concorrência é também permitir que haja experiências e novidade que não sejam antecipados pelos rivais. Um sistema de licenciamento obriga a que quem tem uma novidade tenha que a revelar antes de operacionalizar – por exemplo, um desenho inovador de organização do espaço de uma fábrica. Mas revelar essa novidade permite que os concorrentes se adaptem mais cedo, o que até poderá limitar o próprio interesse de introduzir essa novidade.

Claro que a verificação ex-post é mais exigente para o Estado, mas também poderá ser mais interessante como trabalho, e dar origem a remunerações mais elevadas por trabalho mais qualificado no sector público, em lugar de salário baixo para colocar carimbos em autorizações, ou dar pareceres todos iguais.

Ainda sobre os aspectos de concorrência, o relatório da OCDE apresenta nesta secção o que vem sendo um lamento comum dos últimos tempos – que o investimento produtivo se afastou do sector de bens transacionáveis para se centrar nos bens não transacionáveis. Aqui, duas notas: não foi só investimento interno, também os fluxos de investimento externo se dirigiram para esses sectores; e segunda nota, não foi só desvio de investimento, foi também desvio de talento empresarial. Seria interessante saber quanto das receitas dos principais escritórios de advogados e de consultoria resultam dos sectores não transacionáveis e quantos resultam dos restantes sectores, e em particular quanto dessa actividade tem reflexo positivo na capacidade exportadora (ou de substituição de importações).

 


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o relatório da OCDE (4)

O primeiro capítulo do relatório da OCDE tem como tema a produtividade e as reformas estruturais.

As primeiras linhas apresentam a visão da OCDE do que é preciso para conseguir aumentar o crescimento da produtividade em todos os sectores da economia: criar um ambiente para o funcionamento das empresas que leve a investimento, inovação e criação de emprego, com investimento em capital humano. Até aqui não há propriamente uma ideia nova. Sendo esta uma afirmação geral, os problemas surgem quando criar esse ambiente choca com outros interesses e objectivos, particulares ou públicos. O problema não está normalmente em objectivos genéricos, está depois no estabelecer de prioridades e de como gerir objectivos que não são mutuamente compatíveis embora cada um por si seja desejado.

De seguida, vem logo um exemplo dessas tensões. O relatório da OCDE expressa a opinião de ser necessário ter crescimento salarial ajustado ao crescimento da produtividade do trabalho e reduzir a tributação sobre o trabalho (o que implica aumentar a tributação nalgum outro ponto do sistema, caso não haja capacidade de reduzir impostos e manter o equilíbrio das contas públicas, como é actualmente a situação).

A moderação salarial, no sentido de acompanhar o crescimento da produtividade, é a forma de manter o equilíbrio dentro da economia, sendo que sectores com maior crescimento da produtividade tenderão ainda assim a ter crescimento salarial ligeiramente inferior ao da produtividade, e sectores com baixo crescimento da produtividade tenderão a ter salários a crescer mais rapidamente que a sua produtividade. Isto sucede quando os trabalhadores se podem movimentar de uns sectores para outros, como forma de resposta a diferentes aumentos salariais por sector. Assim, esta moderação salarial deverá ser vista no conjunto da economia, e não se poderá alinhar por aumentos salariais em todos os sectores que sejam similares aos aumentos nas áreas onde ocorre maior crescimento da produtividade. Daí que seja perigoso estabelecer aqui regras absolutas que sejam vertidas em acordos de concertação social, mas acompanhamento da evolução salarial, por sector, e sua compatibilidade com o crescimento da produtividade deverá estar presente como forma de aferir a evolução da economia portuguesa.

 

A OCDE apresenta ainda nesta parte inicial uma visão clara para o desenvolvimento da economia portuguesa – desenvolver não só o sector industrial, como ter um sector de serviços “vibrante” que apoie a competitividade das empresas portuguesas – ou seja, colocar o sector de serviços ao serviço da capacidade exportadora das empresas portuguesas. O que implica que o sector dos serviços tem que se inserir mais nas cadeias de valor internacionais – produzir mais bens e serviços intermédios, em Portugal e no exterior. O desempenho das grandes empresas de serviços tem que passar a ser avaliado também em termos de capacidade de ter bons serviços que atraiam outras empresas a estabelecerem-se em Portugal. Nos últimos dias, recordo-me de ter visto em vários jornais económicos notícias sobre outsourcing e grandes empresas. Normalmente, mais sobre como essas empresas recorrem a serviços externos. Mais interessante será perceber como essas mesmas empresas podem servir outras empresas (eventualmente maiores do que elas noutros países, servir as PMEs em Portugal). Um exemplo será o anúncio da Cloudpt, serviço da Portugal Telecom. Recordo-me de ter visto grande publicidade sobre ele, não me ficou na memória o comunicar a importância que o serviço pode ter para as empresas exportadoras (pode ter?). Até é possível que lá estivesse referido, mas não ficou na memória (talvez por eu não ter uma empresa exportadoras…). Mas é esse tipo de serviços que poderá vir a dar espaço para este papel de desenvolvimento da actividade económica. Exemplos similares devem ser procurados para as outras grandes empresas portuguesas: que fazem a GALP e a EDP em termos de serviços prestados que ajudem as empresas exportadoras portuguesas? Em termos de negócio rentável para ambas as partes e não em parcerias que tenham como objectivo ir buscar fundos comunitários.


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o relatório da OCDE (3)

No final da introdução, o relatório da OCDE apresenta as principais conclusões e recomendações. Antes de “descascar” nos capítulos seguintes essas recomendações e a justificação que para elas seja apresentada, uma rápida descrição sobre quais são:

1)   objectivo: reduzir a fragmentação do mercado de trabalho; instrumento: reduzir a protecção no emprego para os contratos regulares – O comentário imediato é que começar logo por aqui favorece uma visão negativa; seria provavelmente mais feliz, dado o objectivo falar em protecção no emprego equitativa e compatível com as necessidades de bom funcionamento da economia. Para mais elaboração, sugiro a leitura do livro do Mário Centeno e os comentários que foram sendo aqui feitos anteriormente sobre o mesmo.

2)   Objectivo: novas fontes de crescimento. Instrumento: investimento mais eficiente em infraestruturas e inovação. Comentário: o crucial está em como tomar as decisões adequadas, para o que é preciso perceber o que tem estado mal nas decisões de investimento público passado. Um dos problemas foi a má preparação dessas decisões. É certo que se usaram muitos consultores e muitas contas, mas foram regularmente utilizados como justificação de uma decisão que se queria tomar e não como fonte de informação genuína. Por exemplo, projecções de procura irrealistas para alguns investimentos surgiam da necessidade de os justificar. Melhorar este processo de decisão de investimento em infraestruturas é essencial antes de se começar a fazer mais investimento.

3)   Objectivo: aumentar o capital humano; instrumento: reforma do sistema educativo, com reforço do ensino vocacional.

 

Nas restantes recomendações é para mim menos óbvia a ligação entre instrumento e objectivo: melhorar o funcionamento do mercado de trabalho acabando com as portarias de extensão da legislação laboral cai provavelmente no objectivo 1 acima;

as melhorias pedidas para o sistema de tributação e a maior utilização de impostos “verdes” não se percebe se é para gerar receita ou dar “sinais” sobre sectores mais ou menos interessantes para desenvolvimento futuro. Significa que algumas indústrias, as mais poluentes, serão mais afectadas. Há duas formas de avançar: ou fazer logo as alterações todas – minimiza a capacidade de organizar a resistência a essas mudanças da tributação; ou anunciar um plano, que tem a vantagem de permitir o ajustamento do sector produtivo, mas tem a desvantagem de dar mais tempo para que se organize a resistência e a contestação, o que normalmente consegue acabar em evitar ou deturpar a medida inicialmente prevista;

a maior eficiência da despesa social é para chegar a mais pessoas com o mesmo esforço financeiro, ou chegar às mesmas pessoas com menor esforço financeiro, ou sendo mais eficiente será de chegar a mais pessoas com pouco esforço adicional ?

 

Por fim, na reforma do estado há uma focalização nas reformas da gestão dos trabalhadores do estado, reconhecendo que é necessário um tratamento cuidado dos aspectos institucionais do estado mas também das pessoas que nele trabalham, com o reforço das capacidades de liderança, gestão e resiliência. Calculo que no desenvolvimento do relatório venham a dar mais substância ao que se entende por esta reforma.