Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


1 Comentário

Qualidade e eficiência | Conferência “Sistema de saúde para além de 2014”

Para a  conferência, foi-me solicitado um texto escrito, pelo aqui fica o dito, para comentários que queiram fazer

Qualidade e eficiência | Conferência “Sistema de saúde para além de 2014”

Pedro Pita Barros

Nova School of Business and Economics

1 Introdução

A proposta de reflexão tem como ponto de partida o sistema de saúde nas suas características a médio e a longo prazo, nas vertentes de qualidade e eficiência. O tema é em si mesmo bastante vasto pelo que a presente intervenção se centrará num conjunto limitado de aspectos. Esses aspectos encontram-se associados, por escolha, a um problema particular, a capacidade de gestão das unidades de saúde. Em termos de solução, colocam-se para discussão intervenções de carácter geral e central. A delimitação do âmbito deste texto permite a apresentação de propostas para fomentar uma melhor gestão das unidades do Serviço Nacional de Saúde e com essa melhor gestão promover quer a qualidade quer a eficiência.

2 Princípios fundamentais

As propostas de evolução do sistema de saúde português, e do Serviço Nacional de Saúde em particular, não podem deixar de atender aos princípios fundamentais que se pretende satisfazer com a organização do sector.

O primeiro desses princípios é a protecção em caso de doença, independentemente das condições financeiras: universal e abrangente. Os pagamentos no momento de consumo não devem prejudicar a componente de protecção contra despesas de saúde necessárias. O segundo princípio é o da promoção da saúde na população e não apenas resolução das situações de doença.

As mudanças a realizar no funcionamento do sector da saúde devem procurar satisfazer estes dois princípios. O Serviço Nacional de Saúde em particular deve ter a sua organização orientada para que sejam respeitados.

3 Conceitos de eficiência

Existem vários níveis e correspondentes definições de eficiência.

Há a eficiência na utilização do sistema de saúde, que significa prestar cuidados de saúde apenas quando os benefícios excederem os custos da intervenção.

Temos, por outro lado, a eficiência na recolha de fundos. Neste caso, a preocupação é com a combinação de fontes de financiamento que tenha as menores distorções, quer sobre a utilização do sector da saúde quer sobre a economia em geral.

Há, também, a noção de eficiência na prestação, em que se procura que os cuidados de saúde prestados na medida certa o sejam com as combinações de recursos mais adequadas e sem desperdício de recursos.

A procura de eficiência é, assim, uma procura de eficiências no sistema de saúde, a níveis diferentes e requerendo instrumentos eventualmente diferentes para ser atingida cada uma delas.

Relativamente à noção de qualidade, existem muitas definições possíveis e várias distinções (por exemplo, qualidade de resultados versus qualidade de processos). Há por vezes a noção de que qualidade e eficiência são objectivos antagónicos, mas na verdade mais qualidade frequentemente coincide com maior eficiência. E maior eficiência não significa necessariamente menor custos, se incluirmos na noção de eficiência não deixar de prestar cuidados de saúde cujo benefício excede o seu custo para a sociedade.

Quando se falar em eficiência na utilização do sistema, e se considera as várias possibilidades de definição, há que responder, para pensar no sistema a médio e a longo prazo, a diferentes questões: Que tipo de doenças serão mais frequentes? Quais serão as mais susceptíveis de serem influenciadas por decisões relativas ao sistema de saúde? Que participação do cidadão se quer e que é possível? Que instrumentos podem ser usados para conhecer a “procura” e para gerar um uso adequado do sistema de saúde? Que organizações? Como lidar com a crescente informação e sua transformação em conhecimento?

Não será dada aqui resposta a estas perguntas, embora para se ter uma visão coerente sobre o futuro do sistema de saúde seja preciso que respostas, nalgum momento do tempo, tenham de ser encontradas.

4. Eficiência na recolha de fundos

Há um consenso generalizado sobre o financiamento solidário por impostos, com progressividade nas contribuições. Não é opção que seja contestada de forma ampla. Ainda assim, e até se ter uma discussão completa, há que responder, mesmo que seja negativamente, a algumas questões.

Haverá abertura para funcionamento de sistemas alternativos? Será que pode ser encarada uma evolução da ADSE ou de sistemas como a Advancare, Médis ou Multicare para alternativas ao SNS, recebendo uma capitação, eventualmente ajustada pelo risco individual, por cada beneficiário?

Embora interessante, as preferências da população parecem descartar a oportunidade desta discussão.

5. Eficiência na prestação

Os ganhos de eficiência são a resposta mais frequentemente apontada como solução para as actuais dificuldades do sistema de saúde português. Sem deixar de considerar relevante reafirmar que a preocupação com a eficiência de funcionamento deve estar presente, é mais útil dar atenção ao que motivar, dentro das organizações do sistema de saúde, a procura dessa eficiência.

A primeira chamada de atenção é que se deve focar os esforços na redução da taxa de crescimento dos custos, e não apenas no seu nível. O ter-se uma noção da dinâmica dos custos é essencial.

O segundo aspecto é focar na capacidade de organizar de eliminar desperdícios e de ter as combinações de recursos adequadas.

Para atingir essa eficiência será provavelmente mais adequado focar nos resultados, e não tanto numa “normalização” exacta do processo de prestação de cuidados de saúde (exemplo: utilizar os mesmos medicamentos em todo o lado, ou verificar que os resultados são similares?)

6. Como melhorar a gestão nas entidades do Serviço Nacional de Saúde?

Sendo o Serviço Nacional de Saúde o elemento basilar do sistema de saúde português, e sendo também a instituição sobre a qual a política pública no campo da saúde tem capacidade de actuação, apresentam-se de seguida algumas ideias sobre como melhorar a gestão. Há muitos outros aspectos do funcionamento do Serviço Nacional de Saúde que também são susceptíveis de melhoria, mas a necessidade de contenção desta intervenção obriga a opções. A opção deliberada é a incidir a discussão sobre formas que levem a uma melhoria do processo de gestão dentro do Serviço Nacional de Saúde. Essa discussão está organizada num formato em que se apresenta primeiro o problema identificado, e depois a proposta de solução.

Problema: A gestão anual de um orçamento não é propriamente gestão. Há a necessidade de um horizonte plurianual para que se possa planear adequadamente (3 a 5 anos) com alguma certeza sobre os recursos disponíveis para realizar essa gestão.

Proposta: Criação de um fundo de estabilização do Serviço Nacional de Saúde, que funcionando de forma anti-cíclica consiga um perfil de financiamento do SNS compatível com estabelecimento de orçamentos a três anos para as instituições do SNS. Este fundo em anos de maior desafogo orçamental recebe fundos do orçamento do estado, em anos de menor crescimento económico, complementa o orçamento do Serviço Nacional de Saúde. A credibilidade das regras do fundo são o aspecto central para determinar o seu sucesso.

Problema: Há falta de organização no funcionamento interno das instituições do SNS.

Proposta: Auditorias à gestão de operações e identificação de melhores práticas como forma de motivar maior eficiência

Ter equipa(s) dedicada(s) a esta tarefa, sendo que no espaço de 5 anos todos as unidades do Serviço Nacional de Saúde deveriam participar. Estas equipas estariam dependentes de um organismo central e actuarão como equipas de consultoria interna do Ministério da Saúde, criando um conhecimento acumulado divulgado publicamente. Poderá colocar-se a questão de serem equipas do Ministério ou ser preferível recorrer a consultoras externas. O recurso a consultoras externas, desejável em vários contextos, é aqui menos interessante pela importância da divulgação de boas práticas de forma pública e pelo custo que uma sua utilização permanente poderá envolver.

Problema: Há grande dificuldade de fazer sair do sistema prestador do SNS instituições que não funcionem adequadamente.

Proposta: Começar por perceber o que pode ser encarado como actividade standard (“commodity”) e sujeita a concorrência. Motivar a eficiência via concorrência e saída do que funcionar mal. Sendo actividade standard, conseguir substituir as unidades prestadoras de cuidados de saúde que tenham funcionamento adequado não será problemático. Esta proposta tem implicações em termos de âmbito de funcionamento das actuais unidades de saúde, podendo ser desejável autonomizar partes e/ou concentrar actividade.

Problema: Há falta de planeamento estratégico nas unidades do SNS.

Proposta: Criação de gabinete de apoio ao planeamento estratégico (para unidades de cuidados de saúde primários e para unidades hospitalares), numa lógica de serviço partilhado e não de centralização de gestão. Não seria um centro de emissão de normas de gestão, e sim um centro de recursos especializados em planeamento estratégico que seria usado pelas diferentes unidades de saúde, contra um pagamento que sairia do orçamento de cada instituição. A existência de um pagamento interno ao SNS é crucial para promover responsabilidade na utilização dos recursos partilhados.

Problema: Evitar soluções estáticas para problemas dinâmicos. Há a necessidade de criar pressão permanente para a melhoria em vez de estar sempre a fazer a “última grande reforma” do Serviço Nacional de Saúde.

Proposta: Focar as organizações em processos de melhoria contínua da qualidade como forma de ter pressão constante para melhoria. Pensar em termos de melhoria da qualidade, nomeadamente de resultados, é claramente mais motivador do que ter um processo contínuo de redução de custos, além de ajudar a concentrar a atenção no médio e longo prazo e não nas contas e custos deste ano e quando muito do próximo ano.

Problema: Necessidade de envolvimento dos profissionais de saúde no processo de mudança e no processo de sustentabilidade financeira do SNS.

Proposta: Permitir mecanismos de apropriação das poupanças que sejam geradas por melhor gestão e melhor desempenho dos profissionais de saúde. Esses mecanismos não podem ser aumentos permanentes de salários, e sim benefícios associados com o desempenho. Devem ser uma parte visível mas não maioritária da remuneração.

Problema: Assumir as implicações da inovação ser o principal motivo para crescimento dos custos em cuidados de saúde.

Proposta: Promover a utilização generalizada dos mecanismos de avaliação económica das tecnologias de saúde, em adição à avaliação do valor terapêutico adicional, e impondo que à entrada de alguma tecnologia com elevado valor deverá corresponder a saída de outra tecnologia com baixo valor para o custo que tenha.

Problema: A inovação – novas terapêuticas – como principal motivo para crescimento dos custos em cuidados de saúde.

Proposta: Premiar a inovação organizacional e não apenas a inovação técnica ou tecnológica, virada para as terapêuticas e diagnóstico. Premiar a inovação de processo que para os mesmos resultados consiga ter menores custos; ou para os mesmos custos consiga ter melhores resultados. Onde está custos, leia-se também taxa de crescimento dos custos, para não se perder a visão dinâmica.

7 Considerações finais

Com o presente texto procurou-se responder ao desafio de numa apresentação de 15 minutos apresentar propostas que promovam a qualidade e a eficiência do sistema de saúde português no médio e no longo prazo.

Esta abrangência de tema obriga a uma delimitação clara, pelo que se optou por focar em aspectos de eficiência e em particular problemas, e propostas de solução, que afectam a eficiência de funcionamento das instituições do Serviço Nacional de Saúde.

Deliberadamente, omitiram-se referências a muitas outras áreas onde será possível e desejável melhorar a organização e o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de saúde.

A grande linha de intervenção pública subjacente às propostas apresentadas é simples: que mecanismos é possível usar para facilitar uma gestão mais adequada?

Lisboa, 7 de Março de 2013


2 comentários

comparações internacionais de dados sobre prestação de cuidados de saúde

As comparações internacionais de dados sobre cuidados de saúde são normalmente difíceis, e a fonte mais usada é a base de dados da OCDE. Surge agora um novo esforço para estabelecer dados comparáveis entre países, que fará parte de uma base de dados a estar disponível em breve. Quem estiver interessado poderá assistir à conferência de lançamento:

——————————————————————-
“Into the future with the Health Data Navigator”: Final EuroREACH Conference, 16-17 May 2013, Vienna

This conference presents EuroREACH findings and the Health Data Navigator. As a toolbox and a digitized compendium for researchers and policy-makers, the Health Data Navigator provides a conceptual framework and validated information about available data sources for improved performance assessment and comparative health systems research.
For more information click here
——————————————————————-


Deixe um comentário

“O trabalho – uma visão de mercado” (3)

O segundo capítulo do livro de Mário Centeno define o que o autor considera ser os principais desafios da intervenção pública no mercado de trabalho, em termos de princípios.

O ponto de partida é que os empregos, os postos de trabalho, não são imutáveis. Têm que acompanhar a evolução da tecnologia e as variações de procura que surgem com mudanças de gostos dos cidadãos quanto ao que consomem e com a entrada de novos produtos e serviços a serem oferecidos. Por exemplo, a expansão do sushi em Portugal ditou o aparecimento de toda uma especialização na actividade de restauração que não era necessária há 20 anos atrás. Nem todos os restaurantes têm sushi, mas os que decidem oferecer essa possibilidade necessitam de trabalhadores especializados.

Significa que o mercado de trabalho está em permanente adaptação, e que para ocorrer essa adaptação quer as empresas quer os trabalhadores têm de fazer investimentos (estes últimos podem ser simplesmente de conhecimento e treino, mas têm de ser feitos – retomando o exemplo do sushi, quem faz um bom cozido à portuguesa provavelmente não consegue no dia seguinte fazer um excelente sushi sem nunca ter tido treino).

Este investimento é um elemento central do progresso e do aumento da produtividade dos trabalhadores, e em último passo do crescimento dos seus salários. Ou seja, quando observamos o fraco (ou nenhum) crescimento da produtividade numa empresa, uma boa forma de olhar é perceber se estes investimentos, de ambos os lados, estão a ser feitos.

Do ponto de vista da economia como um todo, há uma variante na discussão sobre o crescimento da produtividade – uma maior produtividade média da economia pode ser obtida fazendo crescer os sectores com elevada produtividade e reduzindo a importância, em termos de emprego, dos sectores com baixa produtividade. Mas estes movimentos de trabalhadores entre sectores de diferentes produtividades têm limites, e a longo prazo será o crescimento da produtividade das empresas (instituições económicas de forma mais geral) que fará a diferença.

E para compreender a contribuição do funcionamento do mercado de trabalho para esse crescimento da produtividade tem-se que olhar para estes investimentos no posto de trabalho, de ambos os lados, e como é que são afectados pelas regras criadas. Se bem entendi, este é o ponto central da análise de Mário Centeno – perceber como as diferentes regras e instituições criadas no mercado de trabalho afectam os investimentos das empresas em melhorar a produtividade dos postos de trabalho, e os investimentos dos trabalhadores em terem o melhor desempenho possível nesses mesmos postos de trabalho.

É a esta luz que deverá ser discutida a regulação do mercado de trabalho, que por seu lado “faz-se através de dois tipos de intervenções: (i) nos contratos, através da legislação do emprego (…); (ii) na protecção dos períodos de desemprego, definindo sistemas de suporte ao rendimento e de apoio para regresso ao emprego.”

Ou seja, numa análise económica completa dos efeitos destas intervenções no mercado de trabalho, tem-se que olhar não só para os objectivos directos delas – protecção do trabalhador na relação com a empresa, protecção do cidadão em situação de desemprego – como para os efeitos indirectos sobre os incentivos a cada parte fazer os investimentos que promovem o crescimento da produtividade e dos salários.

… continua um destes dias …

(nota: o livro apesar de ter apenas o nome de Mário Centeno na capa é assumido como sendo de co-autoria com Álvaro Novo, por facilidade de referência em geral falarei apenas no nome do Mário Centeno embora esteja ciente da participação do Álvaro Novo. Mas faço assim para ser mais simples, neste e nos comentários próximos)


Deixe um comentário

para o dinheirovivo.pt de hoje,

apesar de a situação em Chipre estar a dominar as atenções internacionais e nacionais, e os receios de contágio de uma eventual corrida aos bancos existirem, devemos ter a persistência de procurar o caminho para a reforma estrutural de longo prazo do funcionamento do estado. Há sempre o perigo de o estudo e definição de reformas de longo prazo e que demoram longo tempo a preparar serem ultrapassadas pelos acontecimentos da semana em termos de esforço e atenção. Se deixarmos que isso suceda, a necessária discussão sobre reforma do estado irá sendo adiada, adiada, até que no orçamento do estado se anuncia uns cortes, e até se diz que são necessários para que Portugal não venha a viver o drama que Chipre passou (está a passar). Por isso, há que manter a insistência na discussão pública sobre a reforma do estado e sobre as opções para a mesma, como proponho na crónica de hoje no dinheiro vivo.

Ah, e sobre Chipre, nada? bom, deixo apenas a recomendação, neste momento, da excelente análise do Ricardo Reis, que resume o essencial da questão económica, e que antecipa em grande medida o que parece ter sido a solução encontrada, como descrita no Economist, tudo o resto tem sido em grande medida determinado pela gestão política da situação.


Deixe um comentário

“O trabalho – uma visão de mercado” (2)

O capítulo de Introdução começa por abordar o problema da legislação do mercado de trabalho, caracterizada por 1) imobilismo; e 2) por segmentar o mercado entre os que têm (contrato permanente) e os que não têm. O que faz com que a maior parte do ajustamento do mercado de trabalho seja suportado pelos que “não têm”.  E como os primeiros são os que estão organizados para defender os seus interesses, não há forma de alterar a situação.

O segundo aspecto focado é as origens dos baixos salários em Portugal – a) deficiente funcionamento dos mercados; b) baixa produtividade; c) falta de qualificações de decisores políticos, trabalhadores, empresários e gestores.

Sobre como avançar, o texto de Mário Centeno lança uma linha clara – “as mudanças na legislação laboral devem evitar soluções de caráter intervencionista, devendo apenas alinhar os incentivos de cada um dos intervenientes no mercado de trabalho”. E em particular sugere a redução da intervenção judicial. Como princípio, propõe que “em vez de proteger o emprego, proteja o capital humano, na perspectiva do trabalhador e da empresa”.

Ou seja, em lugar de se ter a obsessão do posto de trabalho, deve-se procurar que a capacidade de ser produtivo é mantida, ou reforçada, qualquer que seja o posto de trabalho ocupado. O que interessa é os trabalhadores terem uma contribuição adequada em termos de produtividade, mesmo que para isso tenham que mudar de posto de trabalho, do que garantir a imutabilidade deste último. Essa capacidade será assegurada por investimento em competências genéricas que pode ser mesmo subsidiado pelo estado, enquanto competências específicas ficam remetidas para a iniciativa das empresas, que terão melhor conhecimento do que necessitam.


1 Comentário

“O trabalho – uma visão de mercado” (1)

Num momento em que discute aspectos de salário mínimo e de funcionamento do mercado de trabalho, é conveniente assentar ideias e conceitos, para o que proponho uma leitura comentada do livro de Mário Centeno (e Álvaro Novo, conforme refere Mário Centeno no prefácio) para a Fundação Francisco Manuel dos Santos – “O trabalho, uma visão de mercado“.

O contexto do ensaio é dado logo à partida – no contexto de uma economia de mercado, o mercado de trabalho tem “falhas” que justificam a existência de “instituições”, mas estas “instituições” nem sempre são benevolentes ou cumprem o papel ideal que lhes esteve na origem. Embora Mário Centeno não o refira tão directamente, haverá também uma atenção às “falhas” das instituições. Por instituições entende-se aqui o quadro legal em vigor como fazendo parte de uma definição lata de como a sociedade procura organizar o funcionamento do mercado de trabalho.

A proposta de reflexão apresentada é arrojada: “Pretendemos neste ensaio apontar erros que não devem ser repetidos. Avançamos com soluções que se baseiam no mercado e nas pessoas.” O ponto central da argumentação será a “transmissão de incentivos correctos”, o que nos forçará a pensar nos três elementos: o que e como é transmitido? o que são incentivos e quais os susceptíveis de serem usados no mercado de trabalho? o que significa “correctos”, qual o ponto de referência para definir o que é correcto? “correcto” em termos económicos, de procurar a melhor afectação de recursos, passando então a ter que se definir o que é “melhor” (mas é mais fácil)? ou “correcto” de um ponto de vista moral, que então terá de ser definido nesse campo?

Sem termos uma forte clareza nestes aspectos será difícil progredir na procura das soluções. Tomemos um exemplo simples – se o ponto de referência é todas as pessoas terem um emprego com igual salário teremos um referencial do que é “correcto” e das instituições que o podem garantir do que se disser que o esforço maior (ou menor) e a capacidade maior (ou menor) deve ser recompensada com maior (ou menor) salário.

O próximo texto tratará do capitulo 1.


3 comentários

isenções de taxas moderadoras

 

 

A ACSS disponibilizou uma actualização da informação sobre quem está isento de taxas moderadoras (data: 14 de Março de 2013). Mostra um pequeno crescimento face aos valores de Novembro de 2012, mas sempre ainda longe dos valores inicialmente previstos, sobretudo nos casos de isenções relacionadas com rendimento que têm de ser solicitadas.

A constância do valor referente a doentes crónicos indica que não há um recenseamento concreto e actualizado do que possam ser essas situações de isenção em termo de número de doente abrangidos.

 

Screen Shot 2013-03-19 at 22.59.21

(aviso: face aos dados publicados, efectuei algumas agregações de casos; os dados originais contêm maior desagregação)


1 Comentário

Chipre, credibilidade e reputação: não há países pequenos demais

O resgate a Chipre mostrou que não há países grandes e países pequenos quanto a efeitos sobre a zona euro. A dimensão de um país não se mede apenas pelo seu peso no PIB da União Europeia, ou da zona euro. É que mesmo no caso de países pequenos em dimensão geográfica e peso económico medido pelo PIB, as acções das autoridades económicas trazem informação para todos os países e cidadãos, consumidores e/ou investidores.

A decisão de tributar os depósitos abaixo de 100,000 euros em Chipre teve como primeiro efeito minar a reputação das autoridades europeias em como esses depósitos estariam sempre protegidos, em qualquer dos países da zona euro. Bem se pode afirmar que Chipre é diferente. Não ajuda. Nunca se sabe quando é que cada país será considerado também um caso diferente, por outras razões, mas também um caso diferente. Credibilidade corresponde à confiança que os cidadãos têm que as políticas anunciadas serão cumpridas. E a confiança em que os depósitos abaixo de 100,000 (as pequenas poupanças) estão protegidas está afectada.

A discussão que agora se faz de que afinal até é melhor proteger e tributar mais os depósitos acima de 100,000 pode remediar os efeitos mas não recoloca a confiança, a credibilidade, no nível anterior, porque não surge como iniciativa própria das autoridades económicas e sim como resposta a uma reacção global (inesperada? se foi inesperada, o que pensar da ligação à realidade e aos cidadãos europeus dos líderes da União Europeia?).

Mas o (aparente) voltar atrás, não repondo, a meu ver, a credibilidade da acção europeia no mesmo nível anterior, tem um custo de reduzir a reputação das autoridades europeias. Podemos pensar em reputação como o que os agentes económicos (cidadãos, consumidores, investidores, produtores, etc.) consideram ser o posicionamento e pensamento económico e político dos líderes das autoridades económicas. Uma reputação de combate à inflação, por exemplo, significa que um banco central não estará disposto a estimular a economia por emissão monetária para não prejudicar esse combate à inflação. Neste caso de Chipre, a reputação de que se pretende dar confiança à zona euro protegendo pequenos depositantes fica abalada.

Qualquer que seja a solução encontrada no final, quando se fala de credibilidade e reputação, não há países pequenos demais.


1 Comentário

no dinheirovivo.pt, sobre a reforma do estado

com a 7ª revisão da troika, com mais tempo para atingir as metas nominais de indicadores macro, o risco é deixar-se deslizar de vez a reforma estrutural do estado, que não é uma questão de cortes, e sugiro que evitemos alguns equívocos, como detalho aqui, na crónica de hoje no dinheiro vivo. Para a semana, será a vez de três princípios que me parece importante seguir nesta discussão sobre o estado.

 

“O programa de ajustamento está a ter efeitos mais negativos do que previsto sobre a economia

Três equívocos na reforma do Estado

18/03/2013 | 03:22 | Dinheiro Vivo

Terminado o processo da sétima avaliação da troika, com a conferência de imprensa do ministro das finanças, resultaram algumas decisões importantes, extensamente debatidas. Infelizmente permanecem equívocos sobre o que esta avaliação significa para a reforma do estado.

É certo, hoje, que o programa de ajustamento está a ter efeitos sobre a economia mais negativos do que previsto inicialmente, sendo o elemento mais claro o elevado desemprego, claramente acima do que era previsto.

Apesar de todo o esforço e dos resultados que se alcançaram e não alcançaram, a reforma do estado continua a estar na agenda da discussão. Contudo, essa discussão tem sido permeada por vários equívocos.

O primeiro equívoco está em se julgar que se completou uma transformação estrutural da economia com tudo o que foi feito até agora, nomeadamente com a recuperação de equilíbrio nas contas externas.

Tem ocorrido, tanto quanto é perceptível dos dados disponíveis, um esforço de exportação de muitas actividades que antes se encontravam voltadas apenas para o mercado interno. A sobrevivência forçou à procura de mercados externos, e agora, para as empresas que conseguiram passar a fronteira, o desafio passa a ser transformar essa mudança de sobrevivência em factor de crescimento. É um desenvolvimento favorável a uma recuperação económica futura.

Do lado do estado, porém, a maior parte do esforço de contenção tem estado restrito à redução de salários e pensões. As noticias sobre o famoso corte de 4 mil milhões de euros mostram a incapacidade de identificar onde se pode fazer esse corte. E não será por acaso, ou por apenas actividade de lobbies. Além de que cortar 4 mil milhões de euros na despesa pública dessa forma não é equivalente a uma transformação do estado.

A reforma do estado tem que ser assumida como um processo contínuo e generalizado, que permita baixar a taxa de crescimento da despesa pública, e não apenas uma redução num ano ou dois dessa despesa.

Este é um segundo equívoco, o de que basta cortar 4000 (ou 8000, que fosse) milhões de euros para fazer a reforma do estado. Um objectivo quantitativo não é em si mesmo uma reforma. Pode impor uma reforma, ou pode apenas levar a que o estado faça menos, mas não se sabe como nem porquê faz menos. Por exemplo, se para contribuir para esta poupança se diminuir os funcionários do estado que dão algum tipo de autorização administrativa relevante para a economia funcionar, digamos licenciamento de algum tipo, reduzir a actividade por falta de funcionários é muito diferente de reduzir a actividade por reduzir a necessidade de autorizações ex-ante, passando para uma actividade selectiva de verificação ex-post. A mesma poupança é muito diferente se resulta de uma alteração do processo de funcionamento do estado (o segundo caso) ou apenas da imposição de uma restrição (o primeiro caso)

O terceiro equívoco é pensar o funcionamento do estado à semelhança do que sucede nas empresas privadas. Se é certo que há aspectos que podem ser aproveitados da gestão privada, há outros que impedem uma transposição completa dos mesmos princípios. Por exemplo, se uma empresa não oferecer um produto ou serviço que seja atraente para os consumidores, deixará de ter clientes e sairá do mercado. Mas um estado não irá prescindir de ter um serviço de colecta de impostos, ou um serviço de registo de nascimentos. Uma empresa tem que convencer os consumidores a escolherem. O estado tem o poder coercivo da lei para obrigar ao consumo. Há que entender quando se pode e quando não é apropriado o funcionamento do estado imitar as empresas.

Evitar estes equívocos é um primeiro passo para conseguir avançar na discussão.

Universidade Nova de Lisboa
Escreve à segunda-feira
Escreve de acordo com a antiga ortografia”


9 comentários

sobre o resgate financeiro de Chipre

o aspecto mais visível neste momento é o imposto sobre depósitos nos bancos, depósitos esses que ficaram já congelados para efeitos de pagamento desse imposto (pelo que se percebe, os depositantes podem retirar dinheiro, mas fica sempre retido o valor referente ao imposto que terá de ser pago). Terça-feira veremos que corrida aos bancos existe, e como reage a população. De Chipre, mas também de outros países – Grécia, Portugal, e Irlanda – por estarem já sob resgate, e Itália e Espanha por terem andado lá perto. Uma corrida aos bancos num destes países poderá levar a uma espiral europeia. De qualquer modo, a confiança nos depósitos bancários dificilmente será a mesma. Uma retirada maciça de depósitos para dinheiro num país médio da zona euro criará problemas graves para o sector bancário europeu. A ver como evolui.

Entretanto, alguns links interessantes que discutem este resgate a Chipre:

 

_Washington Post: aqui

_Financial times: aqui

_El Pais: aqui e aqui (o Governo espanhol a dizer já que o que se passa em Chipre não pode ser tomado como exemplo do que se poderá passar em Espanha).

_blog Theirisheconomy: aqui sobre as reacções na Irlanda

_The Economist: aqui

_blog de Protesilaos Stavrou: aqui