duas noticias de ontem merecem um rápido comentário, ambas no campo da estrutura fiscal. A primeira é a discussão sobre os escalões de IRS e sobre se o seu número é elevado ou não. No actual contexto, é inevitável pensar-se que se vai traduzir num aumento de impostos sobre o rendimento. Para além desse sentimento que gera, por o governo ter necessidade de mais receita, também as circunstâncias de incerteza aconselham prudência numa mudança dessas, e o “conservadorismo” nas estimativas de impacto da mudança irá traduzir-se que a falhar-se previsões se falhe arrecadando mais impostos do que menos. Todo o processo acabará por ter um enviezamento no sentido do aumento de impostos. Não é claro que esta seja a melhor altura de fazer uma reforma fiscal, na medida em que as necessidades de curto prazo vão ditar uma estrutura que depois será permanente. Aliás, o desdobramento de alguns escalões ao longo do tempo tem sido resultado de exigências do momento e não de uma filosofia de longo prazo sobre a estrutura óptima de tributação.
O segundo comentário é sobre o benefício fiscal do IVA para os contribuintes, com a notícia de que será automaticamente registado (pelo menos nalguns sítios) e que o contribuinte terá apenas que fornecer o número de contribuinte. A funcionar é uma forma de reduzir os custos do cidadão em aceder ao benefício. Mas também foi dito, a confiar nos relatos da imprensa, que para os serviços que não tiverem este automatismo, será mantida a obrigação do utente guardar as facturas para inspecção por “divergência fiscal, que tem de ser avaliada pelos serviços.” Oops, beneficiar de forma automática aumenta a minha probabilidade de ter de perder tempo a explicar ao fisco as facturas que guardei. Reduzir os custos do benefício por um lado, mas aumentar por outro. Será que 250 euros (máximo) de crédito fiscal compensam perder tempo nas repartições de finanças? Não se conseguirá pensar aqui num noutro sistema mais simples? que não imponha custos adicionais sobre os cidadãos? por exemplo, o cidadão “reclamar” online o crédito, introduzindo no portal das finanças as facturas e respectivo valor ao longo do ano, que poderiam ser validadas por cruzamento de informação pelo próprio estado? (mesmo que nem toda a gente tenha acesso online seria pelo menos uma forma de reduzir os custos).
Claro que também se pode ter a dúvida sobre o funcionamento do sistema. Aqui tenho um pouco mais de confiança que o habitual, por experiência própria. Há algum tempo, por um serviço prestado, uma entidade argumentou que não me daria recibo em papel, pois o mesmo ficaria disponível online via portal das finanças. Não acreditando muito, lá deixei de exigir esse recibo em papel. Até que um dia decidi verificar no portal das finanças se lá estava. Embora tenha demorado um pouco mais do que pensava, encontrei finalmente esses pagamentos efectivamente registados, e melhor organizados do que se eu tivesse guardado (e provavelmente perdido) os recibos em papel. Conceptualmente, não haverá grande diferença no novo sistema, só uma questão de dimensão, o que nos tempos informáticos que vivemos é cada vez menos uma forte restrição. Não será provavelmente por aqui que se terá sucesso ou insucesso e sim pela avaliação do incómodo de ainda ter que guardar alguns documentos, e da probabilidade de ter que perder tempo a mostrá-los à administração fiscal.
Pingback: Desconto de IVA no IRS vai ser automático – não terá de guardar faturas? (acrescentado) | Economia e Finanças
6 de Setembro de 2012 às 21:20
Olá Pedro,
totalmente de acordo com o que escreves sobre os escalões do IRS.
Quanto ao dito benefício fiscal que oferece a partir de 2014 com refªa a 2013 uma dedução à coleta de IRS de 5% do iva das facturas de oficinas, hoteis, restaurantes, cabeleirerios e similares, com um máx de250 € por agregado, noto que 250 €/ 5% / 23% = 21739 € / 14 = 1.552 €. Será um insulto? Qual é o salário médio em Portugal?
No entanto, para clarificar a questão colocada no post, deixo um extrato do artº 3º do DL 198/2012. Li algumas vezes e confesso que não entendi como é que o “cidadão” dà resposta ao nº 7:
5 — Até ao final do mês seguinte ao da sua emissão,
a AT disponibiliza às pessoas singulares, no Portal das
Finanças, os elementos indicados no número anterior relativamente
às faturas que titulem prestações de serviços
em que constem como adquirentes e que sejam emitidas
por sujeitos passivos enquadrados para efeitos fiscais, de
acordo com a Classificação Portuguesa das Atividades
Económicas, Revisão 3, CAE — Rev. 3, aprovada pelo
Decreto -Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, nos seguintes
setores de atividade:
a) Secção G, Classe 4520 — Manutenção e reparação
de veículos automóveis;
b) Secção G, Classe 45402 — Manutenção e reparação
de motociclos, de suas peças e acessórios;
c) Secção I — Alojamento, restauração e similares;
d) Secção S, Classe 9602 — Atividades de salões de
cabeleireiro e institutos de beleza.
6 — As pessoas singulares podem comunicar à AT os
elementos das faturas em que constem como adquirentes,
que tenham na sua posse, e que não tenham sido disponibilizados
nos termos do número anterior, após a data aí
prevista, devendo manter na sua posse as faturas registadas
para exibi -las à AT sempre que solicitadas por um período
de quatro anos, contado a partir do final do ano em que
ocorreu a aquisição.
7 — As pessoas singulares devem indicar no Portal das
Finanças, a partir da data referida no n.º 5, quais as faturas
em que constem como adquirentes que titulam prestações
de serviços enquadradas nos setores de atividade mencionados
naquele número, sempre que o sujeito passivo
emitente esteja também enquadrado, para efeitos fiscais,
noutros setores de atividade, sob pena de aquelas faturas
não serem elegíveis para o incentivo fiscal.
8 — As pessoas singulares que sejam sujeitos passivos
de IVA devem também indicar no Portal das Finanças, a
partir da data referida no n.º 5, quais as faturas que titulam
aquisições efetuadas fora do âmbito da sua atividade
empresarial ou profissional, sob pena de todas as faturas
em que constam como adquirentes não serem elegíveis
para o incentivo fiscal.
UM FORTE ABRAÇO E BOA RENTRÉE
Daniel
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6 de Setembro de 2012 às 21:35
Olá Daniel
bem regressado sejas :D,
esse número 7 é divertido, nem tinha noção dele;
primeiro, tive que ler várias vezes até achar que percebo,
segundo, parece que me obriga a saber “o setor de atividade em que está enquadrado o sujeito passivo emitente”, parece-me uma excelente pergunta a colocar sempre que for a um café – “ouça lá, em que setor…”
sobre os valores, numas contas rápidas – se jantar fora todos os meses com a familia, gastar 80 euros em cada refeição, no final tenho direito a receber 9 euros (mais cêntimo menos cêntimo). Eu pago 20 euros para não ter que ir às finanças, agora AT, passar uma manhã a mostrar facturas!
às vezes, confesso que não sei o que pensar destas medidas – ter que saber se o dono do restaurante não é sujeito emitente noutro setor de actividade para receber menos de um euro ?! (se for sempre ao mesmo restaurante todos os meses, ok são 9 euros, mas será que ainda assim faço a pergunta?)
A parte do sistema informático fazer tudo, até acho possível, agora a participação da população? pelo menos para estes valores.
grande abraço!
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