Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


Deixe um comentário

IMF country report 15/21 sobre Portugal

O relatório, de Janeiro de 2015, tem dois pontos centrais: necessidade de reforçar a estabilidade do sector financeiro num contexto de baixa taxa de crescimento económico e excessiva dívida empresarial.

É também referido que a política orçamental, no seu objectivo para 2015, se baseia em projecções optimistas.

Há também o risco do investimento produtivo vir a ser mal direcionado, pois os preços dos bens transacionáveis voltaram a crescer durante o ano de 2014, o que torna esse sector relativamente mais atractivo para investimento, dependendo da evolução dos respectivos custos. Resta saber, o que não é detalhado no relatório, se esse aumento de preços decorreu de aumento de custos e talvez até menor margem nos sectores não transacionáveis, ou se é resultado de capacidade em aumentar em preços (poder de mercado).

Retira-se igualmente da leitura do relatório que as limitações ao crescimento e ao emprego continuam presentes. Em particular, a elevada dívida das empresas impede o investimento produtivo. Por seu lado, os desempregados vão perdendo a sua capacidade de inserção no mercado de trabalho.


Deixe um comentário

Ainda sobre o documento do FMI sobre a 10a. avaliação

Alguns comentários adicionais sobre a avaliação feita pelo FMI:

É feita menção à revisão do IRC – embora com a preocupação única de não implicar despesa fiscal adicional (ou menores receitas). Como argumentei noutro texto, a minha preocupação é saber se será compatível com uma reorientação do investimento e interesse empresarial para o sector transacionável – sendo as margens maiores e os lucros mais elevados no sector não transacionável, a redução do IRC torna sobretudo interessantes as actividades deste sector e não as do sector transacionável. Não vejo como possa ser de outro modo, e não vejo como esta revisão irá tornar mais atractivo o sector transacionável face ao não transacionável.

Sobre o controle das dívidas em atraso, o relatório do FMI explicitamente refere a preocupação do FMI com os mecanismos de controle, e afirmam que o Governo português terá acordado o estabelecimento de uma unidade especial dedicada à monitorização e à produção de recomendações para resolver problemas que existam com os mecanismos de controle orçamental. A ver se esta equipa dedicada consegue estancar os canais pelos quais se cria dívida, nomeadamente no caso dos hospitais.

Uma outra característica do relatório, presente em vários parágrafos, é a referencia sistemática à visão das autoridades portuguesas, sempre mais favorável que a visão do pessoal do FMI, e sobretudo nem sempre ancorada em evidência inequívoca. A “fadiga” da reforma revela-se também nesta necessidade de ver que há resultados positivos, e mais positivos do que serão na realidade, pese ainda assim a dificuldade em fazer uma real avaliação das reformas realizadas. A necessidade de continuar reformas, num contexto de consenso político, é igualmente mencionada como ponto central da construção do futuro da economia, independentemente da forma como a saída financeira do programa de ajustamento seja construída.

Como fonte dos problemas de crescimento apontam as elevadas margens no sector não transacionável, o que favoreceu o investimento neste sector, com menor crescimento da produtividade, durante este milénio. A questão central para a economia portuguesa a prazo é em que medida as reformas realizadas se traduziram numa alteração desta posição relativa? E se em cada medida adoptada pelo Governo português se avalia qual o efeito sobre os fundamentos dos desequilíbrios que levaram aos actuais problemas?


12 comentários

o quente relatório do FMI – Saúde

O recente relatório do FMI tem despertado grandes reacções nos últimos dias. Tendo lido a introdução, o capítulo das pensões e o capítulo da saúde, há três aspectos:

a) as reacções não têm correspondência nos textos – que depois de lidos são claramente menos radicais do que as reacções públicas fariam supor.

b) os diferentes capítulos possuem graus de profundidade e qualidade de análise diferentes

c) o capítulo dedicado à saúde apresenta muito menor qualidade do que o das pensões, ou mesmo do que a própria introdução.

Embora seja começar pelo fim, irei comentar primeiro o capítulo VII dedicado à analise do sector da saúde. O capítulo encontra-se organizado como todos os outros em “background”, “key issues” e “reform options”.

A descrição dos aspectos de background é breve, e focando em quatro aspectos apenas: grande aumento da despesa pública com cuidados de saúde nas últimas três décadas, grande melhoria do estado de saúde da população nesse mesmo período, existência de coberturas duplicadas em termos de financiamento, existência de uma elevada intensidade de médicos (considerada excessivamente onerosa no relatório).

Daqui retiram as questões centrais:

1) insustentabilidade do sistema de saúde – considerando que embora as despesas públicas em cuidados de saúde estejam em linha com a média da OCDE, encontram pressões para crescimento da despesa pública em saúde num “excess cost growth”, no envelhecimento da população e num número de jovens contribuintes que estagnou.

Ora, esta primeira questão é pouco sustentada – primeiro, não é apresentada uma definição do que é sustentabilidade (sem um critério, como podemos saber se há ou não há sustentabilidade?), segundo, devemos ser precisos – está-se a falar de sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde. O sistema de saúde português é mais do que o SNS – tem prestadores e tem financiadores privados. De acordo com a Conta Satélite da Saúde publicada pelo INE, o SNS compra cerca de 1/3 da sua despesa a fornecedores privados. A sustentabilidade técnica – capacidade de fazer, capacidade de prestar os cuidados de saúde que a população precisa – não é uma questão. Mas é diferente da sustentabilidade financeira (ter fundos para pagar aos prestadores de cuidados de saúde).

De acordo com a literatura internacional e com evidência para Portugal, o envelhecimento da população é um contribuinte mas não muito grande para o crescimento das despesas com saúde, ao contrário do que parece considerar o FMI. O consenso internacional da literatura sobre vários países e vários períodos de tempo, e Portugal não é diferente, o principal factor de crescimento das despesas com cuidados de saúde é a evolução tecnológica, logo seguida em importância por efeitos rendimento, e só depois por efeitos associados com o envelhecimento. Aliás, já em posts anteriores procurei evidenciar com números a pequena contribuição do envelhecimento para as despesas com cuidados de saúde.

Adicionalmente o relatório do FMI menciona um conceito de “excess cost growth” que não é explicado – remete para uma nota de pé de página que permite comprar um livro onde estará o artigo que justifica estas afirmações. O texto não se encontra disponível, livre de custos para análise, mas deverá ser feita uma análise cuidada do que lá estará. As contas que aí sejam apresentadas, por díspares do que tem sido a literatura internacional, deverão merecer cuidado escrutínio académico (tive-o há semanas na mão, mas não li esse capítulo, infelizmente). A importância dessa verificação crítica está em que apenas em nota de pé de página é comentada a estimativa da Comissão Europeia no Ageing Report de 2012 que prevê para o período 2015-2030 um acréscimo de 0.7 pontos percentuais do PIB na despesa pública em saúde (e antes das medidas actualmente em vigor para contenção da despesa pública terem pleno efeito). A diferença entre a estimativa da Comissão Europeia e a do FMI é justificada como sendo devida ao facto de estimativa da EC não considerar os efeitos da evolução tecnológica. Mas então isso significa que nos factores acima indicados o “excess cost growth” terá que ser tecnologia e o envelhecimento ter um pequeno papel (como sugere a literatura internacional, repito).

Sobre as medidas em vigor, o relatório do FMI argumenta que a redução para 6,5% do PIB da despesa pública com saúde não é ainda suficiente, dizendo que há “investigação que demonstra que a exploração dos ganhos de eficiência potenciais podem resultar em poupanças que em média serão 2% do PIB até 2017 nas economias desenvolvidas” (tradução livre minha).

Ora consultando a referência apresentada no relatório do FMI fico com dúvidas sobre esta afirmação – embora não haja detalhe completo sobre as contas realizadas, pois a referência é um conjunto de slides powerpoint, tomemos como bons esses resultados. São obtidos com dados anteriores a 2007, logo antes de qualquer das medidas tomadas no âmbito dos últimos anos. Segundo e mais importante, a mesma figura que apresenta um valor de 2% de poupança média para a OCDE apresenta um valor de 1% para Portugal. Sendo plausível que várias das medidas entretanto adoptadas em Portugal fizessem parte do que seria esse ganho de eficiência previsto, e tomando o valor de 1% fica a sensação de que falar em 2% adicionais é uma interpretação claramente abusiva por parte do FMI. A ser levada em consideração, deverá ser muito melhor explicada como essa exigência potencial é compatível com a própria fonte referenciada pelo relatório do FMI. Noto também que se em muitas outras áreas da discussão do FMI o valor médio da OCDE é apresentado como referência, neste caso como Portugal já está perto do valor médio, arranja-se outro ponto de comparação. Nada contra termos pontos de comparação diferentes da média da OCDE, uma vez que é uma visão completamente arbitrária, mas pelo menos há que justificar muito cuidadosamente porque se desvia desse critério neste caso específico.

Sobre as opções de reforma:

A proposta de seleccionar áreas de ineficiência é uma recomendação genérica, facilmente partilhável. Contudo, há um aspecto metodológico que deverá ser considerado no discussão. Se a preocupação é com a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde, então deverá ser adoptada uma perspectiva dinâmica – implica pensar em como é que as diferentes medidas afectam a taxa de crescimento da despesa pública em cuidados e saúde e não quanto se ganha em termos de despesa num ano ou dois. É nesse ponto de vista que devemos ler as propostas apresentadas.

1) alterar a presença relativa das profissões de saúde, dando mais importância aos enfermeiros. É uma proposta que vai de encontro ao que vem sendo discutido e relativamente aceite em termos de política de saúde em Portugal. Será uma questão de tempo até à sua concretização.

2) limitação do uso repetido de horas extraordinárias – aqui o recente acordo assinado com os sindicatos deverá ter um papel importante, a acumular às restantes medidas (incluindo reduções salariais). Sem ter sido apresentada evidência ou qualquer cálculo, há um julgamento de valor, espera-se que informado, de que é “improvável” que esse acordo seja suficiente. Não há a este respeito informação pública disponível sobre contas e previsões que permitam qualificar esse “improvável”. Estando o documento colocado para participação na discussão pública, seria útil que o FMI apresentasse a base factual (pode ser via link para algum documento de trabalho) da sua adjectivação. Em alternativa, o ministério da saúde e/ou os sindicatos poderão libertar informação que tenha estado subjacente ao seu acordo, como contribuição para a discussão pública. A seguir, com base em dados.

3) No terceiro ponto, há certamente uma gralha, a atender à explicação da proposta – utilização da rede de cuidados continuados como forma de não ocupar camas hospitalares de agudos de elevado custo. O desenvolvimento da rede de cuidados continuados, via capacidade do sector público ou utilizando o sector social como tem sido feito, deverá por isso continuar, e é também um aspecto que parece estar presente nas actuais intenções de política de saúde.

4) A redução da utilização das urgências a favor dos cuidados de saúde primários é a quarta opção proposta. Uma vez mais estamos na presença de algo que se conhece ser um ponto fraco do Serviço Nacional de Saúde, e a procura de soluções não será uma novidade. No último ano procurou-se influenciar essa procura de urgências com recurso ao aumento das taxas moderadoras, sendo relevante avaliar o que se passou. Note-se que o efeito de aumento das taxas moderadoras foi mitigado pelo aumento da população isenta desse pagamento. De qualquer modo, há a sensação de que o factor determinante para a utilização desnecessária das urgências estará na procura de uma resposta que inclua também a possibilidade de fazer rapidamente exames e análises, o que poderá passar por alguma revisão do que pode ser feito a nível de cuidados de saúde primários. De qualquer modo, não há novidade, há apenas necessidade de políticas mais informadas para serem mais orientadas e desejavelmente mais eficazes na redução do recurso à urgência.

5) Proposta de integração dos subsistemas no SNS, sendo que é uma vez mais algo que repete o que está presente no Memorando de Entendimento, dando-lhe apenas um aprofundamento no sentido de considerar as forças armadas como uma parte especial do SNS. Resta saber se essa parte especial estaria às ordens do comando militar ou ministério da saúde, aspecto que não é clarificado mas que poderá criar problemas de jurisdição e comando. Mais uma vez, as diferenças são de detalhe para uma questão que se sabe ter de ser resolvida, e que tem vindo a ser adiada.

6) controle das ineficiências de excesso de consumo de cuidado de saúde. Neste ponto, o relatório do FMI é confuso, na melhor interpretação possível. Mistura de forma inapropriada taxas moderadoras com comparticipação de medicamentos. Pode ser apenas confusão de escrita, mas também poderá resultar de confusão de conceitos. É um parágrafo para não ler. Defende essencialmente que deverão ser usadas taxas moderadoras mais elevadas, embora ao contrário do avançado por alguma imprensa não sejam referidos valores concretos.

Os problemas conceptuais deste parágrafo surgem a dois níveis. Por um lado, medicamentos já têm uma comparticipação privada bastante elevada. Por padrões europeus, a comparticipação privada em medicamentos em Portugal é das mais elevadas da Europa, segundo os dados da OCDE. Adicionalmente, a comparticipação privada não é receita do SNS. Os medicamentos são fornecidos por entidades privadas, e o respectivo preço é pago em parte pelo SNS e em parte pelo utente. Esta última além de ser elevada tem estado a aumentar desde Outubro de 2010 (antes da troika). Logo ter na mesma frase a referência às receitas das taxas moderadoras e medicamentos não é adequado.

Por outro lado, centrando a atenção nos serviços com taxas moderadoras propriamente ditas, se o objectivo destas é reduzir a utilização excessiva de cuidados de saúde (é esse o título desta proposta), se o objectivo for alcançado então não haverá cobrança das taxas moderadoras porque se cidadãos não vão às urgências e vão aos cuidados de saúde primários irão pagar uma taxa moderadora substancialmente menor. O objectivo de receita nas taxas moderadoras não é relevante e pode ser mesmo contraditório com o objectivo de redução da procura de urgências. De qualquer forma, os pagamentos de taxas moderadoras não têm como intenção ser uma parte substancial de financiamento do Serviço Nacional de Saúde (até porque se o fossem destruiriam valor social de protecção financeira em caso de doença, aspecto que também procurei exemplificar num outro post).

7) o último ponto introduz medidas complementares, depois de falar em “fiscal affordability”, equidade e eficiência: definição das prioridades e âmbito do que é garantido pelo SNS, aumentar o papel do sector privado incluindo a prestação e o aspecto de seguro. A sustentação para esta afirmação é dada pelo livro do FMI sobre reformas no sector público de saúde. Ora, este capítulo, ao contrário de outros do mesmo livro, li com alguma atenção há algumas semanas, para poder produzir alguns comentários a pedido do jornal “i”, e dessa leitura não era nada evidente que a recomendação para Portugal, com base nos princípios estabelecidos na própria análise realizada, fosse esta. A minha apreciação a partir da mesma base de informação está aqui. Há por isso um pedido de maior clarificação de porque é esta a proposta do FMI, com base no capítulo mencionado, que tem estimativas econométricas de impacto de possíveis reformas e as condições em que esse impacto pode ser esperado. Pelo menos, deveria ser argumentado que as condições para o impacto positivo e maior do que as alternativas estão preenchidas no SNS português.

 

Globalmente, a análise e as propostas produzidas são relativamente pobres, e seria de esperar mais, até pelas ideias apresentadas a propósito do sistema de pensões, que são mais interessantes do que as apresentadas no campo da saúde. Aqui, nesta área, ou as medidas propostas estão já a ser consideradas e foram identificadas há algum tempo, ou então resultam de análises incompletas ou pelo menos incompletamente justificadas, havendo argumentos no sentido contrário ao da proposta feita.  Há também diversas áreas de intervenção que não foram mencionadas com o detalhe devido – área do medicamento e respectiva distribuição e entrada de novos produtos, prescrição e normas de orientação clínica – como o fazer e qual o impacto esperado, o papel da tecnologia e controle da adopção dessa nova tecnologia, etc…


Deixe um comentário

relatório do FMI – pensões

Dado que o relatório do FMI tomou conta do espaço de discussão, sobre o que dizem na área das pensões, aqui fica uma visão, decorrente da minha leitura do que está escrito no relatório (e não comentário ao comentário baseado em versões de jornal feitas a partir de uma versão preliminar).

 


8 comentários

produtividade por hora, horários de trabalho, etc… e tal

A discussão sobre mais meia hora de trabalho, sobre menos feriados, sobre menos “pontes”, reduções de salários tem de alguma forma dominado as atenções nos últimos tempos, sobretudo neste período de discussão do orçamento do estado e de avaliação do progresso registado no Memorando de Entendimento. Tudo isto ao mesmo tempo que uma medida a seu tempo emblemática, a descida da TSU, desapareceu do mapa político.

Para procurar perceber melhor a relevância de mais ou menos dias de trabalho, decidi procurar alguma informação adicional, com comparações com outros países, Irlanda e Grécia, por estarem como nós sob um programa de apoio financeiro internacional, a Alemanha e a França por serem referenciais do euro, Inglaterra e Suécia por serem da União Europeia mas não da zona euro, e a Espanha por ser o nosso principal parceiro comercial e país vizinho. Coloquei também a Polónia nos países de comparação, por ser um país onde várias empresas nacionais têm investido com sucesso.

Usei para o efeito os dados da Penn World Table  (Alan Heston, Robert Summers and Bettina Aten, Penn World Table Version 7.0, Center for International Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, May 2011.) O ponto de partida foi o PIB per capita, ajustada de power de compra.

Como seria de esperar, encontramos a quase estagnação de Portugal na última década, uma rápida aproximação da Polónia nessa mesma última década, o salto da Irlanda a partir da criação do mercado único em 1992. Por aqui, Portugal estava entre os países com menor PIB per capita e afastou-se recentemente dos restantes. Se estamos mais pobres em termos relativos, não podemos aspirar a ter os mesmos padrões de consumo sem produzirmos mais. Este gráfico e estas considerações resumem o ponto de partida, que me parece ser hoje aceite e consensual.

A partir daqui, a minha dúvida é saber se trabalhamos pouco (isto é, poucos dias e poucas horas por ano) ou se trabalhamos mal (isto é, baixa produtividade por hora trabalhada). Para isso, as Penn World Tables têm um indicador de PIB por hora trabalhada (preços constantes de 2005, ajustada de paridade de poder de compra). A figura seguinte tem esse indicador para o mesmo conjunto de países.

Como seria de esperar Portugal continua na cauda dos países de comparação, sendo notável aqui o facto de a Alemanha e a França terem a maior “produtividade por hora trabalhada”, mesmo não tendo o PIB per capita mais elevado deste conjunto de países. Portugal destaca-se por ser o país onde este “indicador de produtividade por hora trabalhada” menos cresceu.

Para confirmar essa impressão, a figura seguinte apresenta um índice deste indicador de produtividade por hora trabalhada.

Desde 1980 até 2009, último ano de dados disponíveis nesta base de dados, Portugal esteve até cerca de 200o a crescer a valores intermédios, mas desde o início deste milénio que passou a ser o país (deste conjunto) com menor crescimento do PIB por hora trabalhada.  A Irlanda, por seu lado, apresenta um bom desempenho sempre, mas com destaque para o período posterior a 1995. A Grécia está essencialmente similar a Portugal, cresceu menos na década de 90 do século passado mas mais do que Portugal desde então. A Alemanha manteve uma trajectória segura de crescimento durante este período de 30 anos.

Como Portugal parece ter passado por dois períodos distintos, uma forma de os evidenciar melhor é calcular o índice de crescimento de 1992 em diante (mercado único europeu) e de 1999 em diante (o projecto do euro como moeda única).

Quando olhamos apenas para o período depois de 1992, a evolução de Portugal não foi muito diferente da da França e da Alemanha, e foi melhor que a da Espanha. Todos os outros países cresceram mais do que Portugal desde 1992 no indicador de PIB por hora trabalhada. Como a França, Espanha e Alemanha tinham um valor de partida bastante mais elevado, para taxas de crescimento não muito diferentes, o gap em valor absoluto entre Portugal e esses países aumentou.

A situação torna-se porém muito diferente quando olhamos a última década, em que Portugal tem logo na primeira redução uma diminuição do PIB por hora trabalhada, só voltando a crescimento positivo a partir de 2005. Ou seja, o crescimento real do PIB verificado em vários anos surgiu de um aumento do número de horas trabalhadas. A Alemanha tem um bom comportamento mas não excepcional, quando comparado com outros países da União Europeia.

A posição relativa face à Alemanha é apresentada na próxima figura.

Daqui retira-se que desde há duas décadas que temos face à Alemanha uma situação curiosa – o nosso produto por hora trabalhada vai sendo uma fracção cada vez menor do valor da Alemanha –  se em 1988 uma hora de trabalho em Portugal produzia cerca de 54% do que se conseguia na Alemanha, em 2003 esse valor era cerca de 44%. Mas em termos de PIB per capita, passamos de 55% do valor alemão em 1988 para um valor máximo de 64% em 2005. Estes dois indicadores dão assim informações quase contrárias – o que parecia ser uma evolução positiva em termos de PIB per capita, foi na verdade uma evolução desastrosa em termos de produção por hora trabalhada.

Juntando estas várias peças, a minha conclusão preliminar é que aumentar horários e dias de trabalho permitirá, eventualmente, uma maior produção, pelo menos em alguns sectores. MAS, e este MAS é um aspecto crucial, o fundamento do problema continuará sem ser resolvido, e por isso voltará a emergir ao fim de pouco tempo – o produto por hora trabalhada tem que mudar, tem que crescer. E a mudança para mais meia hora de trabalho, e a redução de feriados e pontes poderão dar alguma folga mas não mudam por si esta produtividade por hora trabalhada. Há, por isso, que reconhecer a necessidade de ganhar espaço para respirar, mas ter já e explicitar já e convencer já toda a sociedade da importância do aumento da produtividade por hora trabalhada. Este indicador deveria passar a ser monitorizado com maior proximidade como factor de alerta para problemas.


2 comentários

Seguir a candeia que vai à frente

Dos três países do euro em apoio da troika, temos olhado mais para a turbulência da Grécia do que para a calma da Irlanda.

Talvez seja a altura de um maior equilíbrio nas nossas atenções. Saiu há dois dias o resultado do acompanhamento do FMI à Irlanda, aqui. O resumo é simples: estão a tomar as medidas acordadas, estão a fazê-lo antes do tempo acordado, esperam crescimento positivo para 2011, criaram um conselho de finanças públicas, tudo isto apesar da febre de downgrade da Moody’s também os ter atingido. Continuam o seu caminho com aparente calma.

Interessante também no que possa constituir de exemplo, a nomeação de Stefan Gerlach para um posição importante no Banco Central da Irlanda (noticia aqui): nasceu na Suécia, leccionava em Frankfurt, depois de ter passado por várias posições internacionais de destaque. O lema irlandês foi pescar o melhor possível no lago de talento global. É um passo que também ganharíamos em dar, de uma forma generalizada, em Portugal.

Olhemos, por isso, mais para a Irlanda como sendo a candeia que vai à frente.