Momentos económicos… e não só

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as decisões do tribunal constitucional,

objecto de leitura da noite passada, com base em dois acórdãos disponibilizados no site do Tribunal Constitucional (aqui e aqui), porque é sempre melhor ir ver directamente à fonte.

No primeiro acórdão, sobre as reduções de vencimentos na função pública, o que o tribunal constitucional declara problemático é o deixar-se em aberto reduções salariais de montante indeterminado, sujeito a condições genéricas, e que acabam por originar quebra no princípio de igualdade, sobretudo deixando de existir as condições de emergência.  

Para quem não é jurista, a leitura do acórdão deixa a sensação de que se houver novo resgate financeiro das contas públicas nesses anos (2016-2018), voltará a ser constitucional as reduções salariais, que são aqui negadas; pode dar-se o paradoxo de sendo repostos os salários na função pública, o nível de despesa pública atingida ser tal que leve a novo resgate, com novos cortes então declarados constitucionais (pelos argumentos que foram apresentados no acórdão para se manter em 2014 e 2015 os cortes, na sequência do que sucedeu nos últimos três anos), o que significaria (?) que cortes com resgate financeiro internacional é constitucional embora os mesmos cortes sem resgate financeiro internacional explícito não sejam constitucionais, apesar de ser mais penalizador para o país estar num contexto de resgate financeiro internacional. 

Creio que estou confuso – veremos que se é possível clarificar esta situação de a constitucionalidade só existir na situação mais penalizadora para a economia portuguesa.

No segundo acórdão, relativamente às pensões e à contribuição de solidariedade, o primeiro aspecto de relevo é mesmo reconhecer que não é contribuição e sim corte de pensão o que está em causa. O ponto crucial está, a meu ver, resumido em “É necessário demonstrar que a medida de redução de pensões, com base na mera aplicação de uma taxa percentual sobre o valor mensal da pensão ou do somatório das pensões de cada titular, é do ponto de vista objetivo um meio idóneo e apto para a aproximação ao resultado pretendido e é ainda um meio necessário e exigível, por não existirem outros meios, em princípio, tão eficazes, que pudessem obter o mesmo resultado de forma menos onerosa para as pessoas afetadas.”

Ou seja, os aspectos de justiça intra- (e inter-) geracional não podem ser vistos de forma tão simples como foi feito, pois torna-se fácil, demasiado fácil, não respeitar princípios de igualdade de tratamento. Como já referi em post passado (aqui), há que definir princípios do que significa cada conceito e depois ter uma análise individual, ou pelo menos de casos tipificados. É certo que num sistema de repartição como o português, com falta de crescimento económico ou um crescimento anémico, e com o envelhecimento da população a alterar a relação entre população activa e população reformada, as pensões possíveis para uma mesma taxa de contribuição dos trabalhadores activos são menores, pelo que o princípio de redução da pensão é consequência directa do próprio sistema público de pensões – o benefício definido na ausência de crescimento económico ou demográfico não é compatível com o equilíbrio de um sistema de repartição (e neste sentido a discussão não precisa sequer de falar em sistemas de capitalização – relação da pensão com a carreira contributiva, ou de sistemas complementares, opcionais ou não). 

Da leitura do acórdão, o problema está no que se considera igualdade de tratamento e justiça intra-geracional. A pressa de definir uma solução não é, num aspecto económica e socialmente sensível como são as pensões, compatível com encontrar uma boa solução.

Resumo da situação, original para os Estados Unidos, aplica-se igualmente a Portugal

Resumo da situação, original para os Estados Unidos, aplica-se igualmente a Portugal


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observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (mês 4)

com algum atraso devido ao período estival, a actualização com os números da execução orçamental de Junho de 2014, não têm novidade, positiva ou negativa, mantendo-se a tendência passada – crescimento médio de 33 milhões de euros por mês.

 

divida_intervalos_jun14

regressão base

regressão base

valores observados e tendencia estimada

valores observados e tendencia estimada


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em tempo de férias,

há mais vagar para ler os títulos dos jornais e no Público de ontem vinha uma noticia pequena, mas daquelas que me chamam a atenção por normalmente usarem números com uma interpretação demasiado apressada. Neste caso o título era “Valeu a pena pedir revisão dos exames para a maioria dos alunos”, e depois a informação estatística “73% das 7081 provas da primeira fase que foram alvo de reapreciação viram a nota subir, enquanto a descida de classificação apenas atingiu dez por cento dos exames.” O resto da notícia é puramente factual, mas o título atraiu-me porque  o “valeu a pena pedir a revisão” dá a sensação de erro na correcção e então se foram 73% a valer a pena – só que os pedidos de revisão são uma parte muito pequena das provas feitas (1,8%) e claro que só pede revisão quem considera ter havido algum problema na correcção, até porque o pedido de revisão envolve um custo (incluindo a descida de nota). Havendo inevitavelmente erros de correcção num tão grande número de provas realizadas, o surpreendente é haver tão poucos pedidos de revisão, e a elevada taxa de “valer a pena” mostra que são sobretudo casos em que se deve realmente fazer a revisão – interessante seria saber também qual foi a subida média de nota. 

Corrigir um elevado número de exames num espaço de tempo que não é muito alargado (foram 321,850 segundo a noticia do Jornal Público), e ter estes valores nas revisões, mostra sobretudo a qualidade do trabalho desenvolvido por quem fez as correcções das provas (e até certo ponto também de quem preparou, elaborando as provas e critérios de correcção). 
Assim, a verdadeira notícia dos números não é valer a pena pedir a revisão, é o sistema montado de revisão funcionar bem. Quando funciona bem, só quando vale a pena se pede revisão, e esta é bem sucedida porque foi bem preparada no pedido (pelo aluno).


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e os resultados são?

há dias coloquei uma rápida questão sobre o que cada um pensava fazer em reação ao Novo Banco (ex-BES, também conhecido como banco bom), e aqui estão os resultados, tipo questionário de verão para responder na praia, abrigado do vento frio:

Screen Shot 2014-08-07 at 10.10.58


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Sobre a evolução dos cuidados de saúde primários,

a visão num editorial da Lancet sobre o relatório de um grupo onde participo para a Comisssão Europeia, com o documento final disponível aqui. Encontra-se em discussão pública outro relatório sobre qualidade em saúde, com destaque para patient safety (aqui).

EditoLancetOpinionPrimaryCareEXPH


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BES e grupos familiares

Uma pergunta interessante é quanto dos problemas do grupo Espirito Santo derivam de ser um grupo familiar.

O primeiro aspecto é ter gestão de um banco que se subordina depois aos interesses de um grupo de accionistas que assegura o controlo através de uma cascata de participações. Outro aspecto central: o tempo que se está no topo da gestão da empresa ou do grupo, com pouco escrutínio sobre a qualidade dessa gestão. Estes aspectos foram bem descritos por Ricardo Reis, aqui.

Mas há outros problemas com que grupos económicos familiares se defrontam (uma revisão da literatura aqui), bem como vantagens. Curioso que entre as vantagens se apontem as ligações políticas – que terão “falhado”, ao não haver o sim político a que a CGD emprestasse ao Grupo Espirito Santo –

Outras vantagens, como capital humano e visão de longo prazo, têm que ser vistas também no contexto da economia em que se está. Restringir a gestão do grupo económico à família é “exigir” que o talento de gestão dentro da família seja maior do que o talento que poderá ser encontrado no exterior, no “mercado”, e quanto maior for a educação em geral da população, mais difícil será que essa vantagem de manter a gestão dentro da família seja duradoura.

Por fim, a visão de longo prazo, ao manter um negócio de família com a perspectiva de ser um legado para as gerações futuras, poderá evitar-se tomar decisões de curto prazo com custos para a sobrevivência no longo prazo. Não conheço o suficiente do Grupo Espirito Santo para saber se as regras internas dentro da família asseguram essa visão de longo prazo a quem está à frente do grupo, ou apenas garantem o interesse nos resultados durante o período que está à frente.

De um ponto de vista mais científico, há neste caso do grupo Espirito Santo material interessante para ser estudado também pelos outros grupos de natureza familiar de grande dimensão em Portugal.


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BES e supervisão bancária

Uma das características do caso BES tem sido as críticas à actuação dos reguladores, nomeadamente ao Banco de Portugal (e num segundo nível à CMVM). Embora compreenda a tentação de criticar essas entidades, encontro alguma dificuldade em compreender a substância em muitas das criticas. Supervisão e regulação não são formas de gestão pública de entidades privadas. Não se pretendem substituir às decisões privadas. Não têm como objectivo evitar erros de gestão dos bancos privados. Têm como objectivo definir um enquadramento claro para o desenvolvimento das actividades bancárias, de verificar que esse enquadramento é respeitado e de penalizar quando não é.

No caso do BES / Grupo Espirito Santo, há também que incluir aqui entidades de supervisão de outros países, dado que existem holdings com sede no exterior, ou participadas com problemas noutros países (BES-Angola).

A determinação do momento certo de intervenção é sempre delicada. Esta discussão fez-me relembrar uma outra a propósito do momento de intervenção no caso BPN, e que reproduzo abaixo.

Pontos essenciais, que recupero a) haver necessidade de intervenção não é sinónimo de falha na supervisão; e, b) existe o risco de intervenção “demasiado cedo”.

Apontar o dedo ao regulador porque não fez a microgestão das entidades reguladas, neste caso o BES, é algo excessivo. As perguntas que se devem fazer é 1) se as regras de regulação deveriam ser diferentes? (e podem ser diferentes no quadro europeu?) 2) se a intervenção deveria ter ocorrido mais cedo.

Não creio que a resposta a qualquer das duas revele um clamoroso erro das entidades de supervisão.

Na minha leitura da cronologia, foi a intervenção (discreta, de bastidores) do Banco de Portugal que levou à necessidade de aumento de capital do BES, que obrigou a revelar a situação do grupo e os problemas com o BES Angola, e foi a recusa do poder político em instrumentalizar (dar apoio público) a CGD no apoio ao grupo Espirito Santo que tornou públicas as dificuldades (e levou no arrasto a PT com uma decisão que surge cada vez mais como de “favor” a um accionista e que teve já custos na operação de fusão com a brasileira Oi). A tentativa de obter uma solução de “economia de mercado” em vez de penalizar os contribuintes, directa ou indirectamente, já ou no futuro, parece não estar a resultar apenas com a mera mudança de gestão no BES. Mas tal não é uma falha de supervisão.

A decisão rápida deste fim de semana de cindir o BES em dois demonstra que esta possibilidade já devia estar a ser pensada (não se monta certamente em dois dias – identificar claramente o que são os activos “bons” e “maus” não se faz num par de horas), com a recolha da informação necessária; não resolve o problema do grupo Espirito Santo, mas essa não é a função do regulador prudencial (Banco de Portugal). Será que agora vai ser acusado de ter agido demasiado rápido?

 

Do passado, no Blog SEDES, 11 de Julho de 2009:

BPN, Parlamento e Banco de Portugal

Cada vez com maior frequência não compreendo o que se passa neste país.

Não estava à espera de ouvir o Governador do Banco de Portugal comentar os resultados da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o BPN.

É certo que o Governador foi duramente atacado no decorrer do inquérito. É certo que muito do que foi dito
sobre a supervisão bancária é despropositado.

Mas globalmente, e dentro do espectáculo politico a que nos habituaram no Parlamento, a condução da comissão até foi realizada com alguma sobriedade. Se houve alguns excessos, a existência desta comissão também contribuiu
para a ideia de que não poderá haver impunidade para quem tiver cometido fraudes, e que a informação não surge apenas por fugas de informação para os jornais.

A reacção agora do Governador do Banco de Portugal parece trazer apenas o sabor de quem se sentiu injustamente atacado (e repito, em vários aspectos isso pareceu-me ser verdade), e dele esperaria um maior distanciamente emocional.

10 comentários até agora

10 Comentários para “BPN, Parlamento e Banco de Portugal”

  1. Pascoala 11 Jul 2009 as 12:38

    Ressabiado é o termo.

  2. ricardo saramagoa 11 Jul 2009 as 16:12

    Desde que me lembre, o Banco de Portugal foi uma instituição respeitada e que sempre primou pela sua imagem de independencia e rigor tecnico.
    A actuação deste governador tem vindo a destoar do passado do banco, pelas imprudentes participações em manobras políticas (quem não se lembra do famoso “cálculo do défice”) e pelo apoio ao governo em declarações e omissões públicas muitas vezes despropositadas para o seu cargo.
    Ao queixar-se agora de o terem envolvido na luta política, está a colher os resultados da sua falta de independência e está a confundir a sua pessoa com a instituição.
    Os factos demonstram que a supervisão falhou e, como mais alto responsável, deveria o governador assumir as falhas e propor as medidas correctivas necessárias.
    Ao recusar a evidência e ao continuar a alimentar a polémica política, está o governador a prejudicar a instituição e a demonstrar que não tem de facto a independência e a discrição que o cargo exige.

  3. Pedro Pita Barrosa 12 Jul 2009 as 8:06

    Ricardo,

    Há, na discussão, dois aspectos que me parecem muito diferentes:
    a) o envolvimento no calor da luta politica – e aqui, com esta última intervenção,
    Vitor Constâncio deixou-se levar para ela

    b) falha de supervisão – é fácil depois de conhecidos os problemas argumentar
    que houve falha de supervisão – devia ter existido intervenção mais cedo do que sucedeu; mas em cada momento, com os dados disponíveis, o Banco de Portugal tem também que ponderar se ao agir não provoca outra falha – intervir quando não se justifica essa intervenção. A supervisão bancária recebeu menos importância do que deveria por parte do Banco de Portugal? possivelmente, mas daí não se pode concluir que houve falha grave de supervisão. O que se diria se o Banco de Portugal sugerisse a nacionalização de um banco que depois se revelasse não ter qualquer problema?

  4. ricardo saramagoa 12 Jul 2009 as 16:24

    Caro Pedro

    È de facto mais fácil à posteriori tirar conclusões e por isso mesmo é que hoje os resultados demonstram que a supervisão não foi eficaz.

    Agora, em vez de negar a evidencia, seria inteligente e constructivo corrigir o que falhou, para prevenir futuras falhas da mesma natureza.

    Não devemos contaminar as análises e o estudo das soluções com os melindres pessoais e a procura de bodes expiatórios, mas é preocupante que o governador continue a negar que a supervisão não foi eficaz.

    Se “tudo correu bem”, então não há razão para melhorar a supervisão de forma a prevenir casos semelhantes no futuro.E então como podemos confiar no nosso sistema financeiro?

  5. José Telesa 12 Jul 2009 as 16:24

    Gostava de passar algum tempo sobre o assunto dos dados disponíveis.

    Eu nunca estive ligado à supervisão bancária, confesso. Mas se estivesse, eis o que faria.

    Em casos como o BPN, qualquer pessoa que trabalhasse no meio financeiro em Portugal poderia adiantar ao Banco de Portugal que o BPN era uma instituição sem estratégia, sem factores de diferenciação, a trabalhar um mercado altamente concorrencial.

    Não é preciso ser um génio da finança para entender que o BPN não tinha hipóteses de sobrevivência. Neste caso, haveria que perguntar como estaria de facto a sobreviver. Para colocar esta pergunta basta viver em Lisboa e tomar café com duas ou três pessoas do meio bancário para ficar a par. Ninguém entendia como o BPN sobrevivia.

    A próxima fase seria um pedido de documentação. O Banco de Portugal teria que entender o BPN suficientemente bem para estar convencido que o banco não iria representar um potencial problema. Para tal, devia ter elaborado uma lista de perguntas e um pedido de documentação.

    Se no final das suas perguntas o Banco de Portugal chegasse à conclusão que não haveria problema tendo também em conta a documentação, tudo bem. Respostas menos boas ou falta de informação seriam motivo para mais preocupação e para medidas correctivas.

    Existem inúmeras medidas correctivas que poderiam ter sido tomadas pelo Banco de Portugal. O que mais critico no caso BPN foi a atitude “tudo ou nada” do Banco de Portugal. Não se fez nada e depois nacionalizou-se. Por isso o argumento do risco de nacionalizar um banco que revelasse não ter problema, para mim, não faz sentido.

    Para além disso, parece-me que se tratava de um caso para invocar princípios de boa gestão bancário e alegar que o BPN não estava a seguir os mesmos. O que me parece foi que o Banco de Portugal seguiu regras burocráticas e fechou os olhos.

    Mais pormenores em http://www.kambaia.blogspot.com

  6. Pedro Pita Barrosa 12 Jul 2009 as 17:59

    Hum…como pontos de acordo, podemos ter:
    a) supervisão bancária devia ter estado mais atenta a alguns sinais – e aqui o facto de terem existido administradores que sairam, não assinaram contas e ninguém, leia-se Banco de Portugal, quis falar com eles, é evidência dessa desatenção; não significa que tivesse sentido intervir mais cedo com a
    informação que estava então disponível.

    b) supervisão bancária baseada em regras de cavalheirismo e idoneidade aceite sem reservas não será mais possível, alguma coisa vai ter de mudar nas capacidades de investigação e de exercício de pedidos de informação e eventualmente “raides” para recolha de informação

    Como desacordo meu com muita argumentação que tem sido feita:
    – que o Banco de Portugal falhou totalmente (afinal, o BPN estava em investigação)
    – que devia ter tido uma intervenção mais cedo, e
    – que não detectou as fraudes por incompetência da supervisão

    Agora, no final, é para mim claro que o Governador não se deveria envolver
    em acusações à Comissão de Inquérito Parlamentar.

  7. ricardo saramagoa 12 Jul 2009 as 18:39

    As perguntas preocupantes para a confiança no sistema são:

    Será que já foi apurado pelo BP tudo o que se passou realmente no BCP,BPN,BPP?
    Será que está em análise a forma como foi possível as irregularidades não terem sido detectados?
    será que estão a ser implementadas medidas correctoras de forma a evitar estes casos no futuro?
    Ou será que ninguem se atreve a fazer o levantamento dos problemas, para não contrariar o Governador?

  8. José Telesa 16 Jul 2009 as 20:53

    Sem querer prolongar demasiado a discussão, a minha resposta ao comentário do Pedro Pita Barros, que desde já agradeço, é a seguinte.

    (Este texto foi também publicado no meu blog http://kambaia.blogspot.com)

    (1) Pedro Pita Barros é da opinião que o Banco de Portugal não falhou totalmente. De facto, estamos em desacordo. A meu ver, a nacionalização de um banco no qual houve fraude é um falhanço total da regulação. Como refere Pedro Pita Barros, o BPN já estava a ser investigado antes da nacionalização. O Banco de Portugal tinha à sua disposição um arsenal de medidas correctivas que podia ter accionado. Sem querer ser exaustivo estou a pensar, entre outras medidas, no seguinte: (i) censura pública (ii) multas (iii) proibição de exercer actividade bancária para parte do banco (o que talvez tivesse permitido salvar alguns departamentos do BPN, sacrificando outros);

    (2) Pedro Pita Barros não é da opinião que o Banco de Portugal devia ter tido uma intervenção mais cedo. Eu realmente não estou de acordo. A partir do momento em que havia suspeita, penso que devia ter sido pedida informação. Se a informação se revelasse insuficiente, rapidamente o Banco de Portugal devia ter aplicado uma das sanções que menciono no ponto anterior;

    (3) Finalmente, Pedro Pita Barros é da opinião que o facto do Banco de Portugal não detectar falhas não revela incompetência. Tenho a opinião contrária, como facilmente se pode concluir do ponto anterior. Penso que a incompetência tem muitas maneiras de se manifestar. Não faltou tempo ao Banco de Portugal e não são precisos tantos recursos como isso para pedir uma lista de informação. Basta enviar um e-mail. Se a resposta é insuficiente ou revela falhas, as sanções descritas acima também não me parecem muito difíceis de implementar e não deveriam ocupar muitos recursos.

  9. Pedro Pita Barrosa 16 Jul 2009 as 20:59

    Bom sumário nos pontos (1) e (2). O (3) merece apenas o esclarecimento adicional de nem sempre se poder concluir que não detecção de falhas que houve incompetência. Se houver incompetência, não serão detectadas falhas. Mas retirar daqui que se houve falha é porque houve incompetência não é directo. Dou o benefício da dúvida ao Banco de Portugal.

    Concordamos em discordar neste caso.

    Outros haverá em que talvez venhamos a concordar.


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para descarregar as emoções sobre o BES, conte-nos

 

outras respostas adicionadas:

fui cliente do Bes, mas saí a tempo 1
Não sou cliente do BES graças a Deus!… 1
Fui cliente do BES, mas felizmente já não sou há muito tempo. 1


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BES passa a Novo Banco + BES – e depois?

Da leitura da resolução do banco de portugal, disponível aqui,  pontos chave

da motivação para a intervenção:

a) resultados negativos piores do que esperado

b) desobediência das determinações do Banco de Portugal pela anterior gestão

c) incapacidade de obter fundos privados necessários face à incerteza sobre os “buracos” que ainda possam existir

d) ameaça à estabilidade do sistema financeiro: “Dada a relevância da instituição no conjunto do sistema bancário e no financiamento da economia, estes problemas punham em causa a estabilidade do sistema de pagamentos e do sistema financeiro nacional”.

comentário/perguntas: qual a importância relativa de cada aspecto? a alínea c) significa a incapacidade de fazer aumento de capital, ou incapacidade imediata de obter financiamento no mercado interbancário? a alínea b) não deverá ter consequências criminais? os actos praticados em desobediência são integralmente válidas? qual o papel dos outros accionistas do banco? (afinal o grupo Espirito Santo controla(va) apenas uma parte do capital)

da solução

a) preservam-se os clientes e os trabalhadores – “Nada muda para os clientes. Os clientes podem realizar todas as operações como habitualmente e sem perturbações. O conteúdo das relações contratuais com os clientes permanece inalterado. Os balcões do Novo Banco, que manterão para já a marca e o logotipo do BES, e os serviços de banca telefónica e de homebanking continuarão a funcionar regularmente. Todos os colaboradores do BES passam a ser colaboradores do Novo Banco, com salvaguarda dos seus direitos.”

Ou seja quem tem depósitos continua a tê-los e a poder movimentar as suas contas; quem tem créditos à habitação continuará a ter que pagar as prestações, e por ai fora.

Os trabalhadores, de momento, não sofrem alteração na sua situação. Esta será provavelmente uma fase de transição para eles.

b) o contribuinte não vai ter que contribuir: “esta operação não envolve custos para o erário público.”

c) os accionistas suportarão as perdas: “as perdas relacionadas com os ativos problemáticos serão suportadas pelos acionistas e credores subordinados do Banco Espírito Santo, S.A.” e os activos problemáticos “correspondem a responsabilidades de outras entidades do Grupo Espírito Santo e às participações no Banco Espírito Santo Angola, S.A., por cujas perdas respondem os acionistas e os credores subordinados do Banco Espírito Santo, S.A.”

d) de onde vem o dinheiro? do fundo de resolução! quem financia o fundo de resolução? “Os recursos do Fundo de Resolução são provenientes do pagamento das contribuições devidas pelas instituições participantes no Fundo e da contribuição sobre o setor bancário, que, de acordo com o normativo aplicável, são cobradas sem pôr em causa os rácios de solvabilidade.” Sobre o fundo de resolução, ver aqui para mais detalhes. Mas o fundo de resolução tem cerca de 380 milhões de euros, são precisos 4 900 milhões de euros – os outros bancos irão contribuir até 500 milhões e o estado com 4 400 milhões de euros. O fundo de resolução pede um empréstimo ao estado: “Fundo contraiu um empréstimo junto do Estado Português. O empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução será temporário e substituível por empréstimos de instituições de crédito.” Afinal  o erário público poderá vir a ter custos? se o pagamento de juros pelo empréstimo pelo banco ao fundo e por este ao estado for superior aos juros da dívida pública, então o erário público poderá até beneficiar. Mas essa informação sobre as taxas de juro não está disponível.

 

O que fica ainda por saber:

a) quem vão ser os accionistas do Novo Banco e como vão ser determinados? (será uma venda do Novo Banco tão rápida quanto possível?)

b) quem vai gerir o BES que fica, com que mandato e durante quanto tempo? (vão os accionistas actuais ter capacidade de decisão sobre isso? não deveria ser eles a encontrar a solução? o “risco sistémico” supostamente estará associado com o NovoBanco, por isso qual o risco para o sistema financeiro de este BES emagrecido ser gerido pelos accionistas? – é que se não desapareceu o riso sistémico, porquê ter esta solução; se desapareceu, porque não serem agora os accionistas privados a tomar conta e encontrar uma solução?)

c) em que é que esta solução é diferente de uma falência do banco (e é)? rápida passagem dos activos e passivos produtivos para outra entidade para não ser perder o tempo das batalhas jurídicas de falência + accionistas a perderem todo e qualquer direito sobre a actividade com valor realizada pelo BES?

d) se for vendido o Novo Banco, qual o destino da respectiva receita? (pagar o empréstimo ao estado português?!)

e) quais os horizontes temporais dos próximos passos?

f) com esta solução evitou-se uma “corrida” ao BES, mas conseguiu-se mesmo devolver a confiança aos clientes? da resposta a esta pergunta dependerá o valor do que vier a seguir – se a confiança estiver perdida, a venda e integração noutra entidade bancária será a solução que resta, e mais vale adoptá-la rapidamente do que ter o estado a colocar dinheiro sucessivamente para no final ser essa de qualquer modo a solução.

g) e os accionistas que acorreram ao aumento de capital há pouco tempo? não se sentirão enganados? terão base legal para alguma acção e contra quem?

 

Tentações a evitar:

a) não vender pelo melhor preço tão rápido quanto possível

b) o Banco de Portugal fazer a gestão do Novo Banco de forma permanente, ainda que indirectamente

 

Por fim, dizer que não custa nada ao erário público só será possível se o empréstimo ao Novo Banco (e apenas este deve ser incluído) for reembolsado e pagar juros acima dos da dívida pública.


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BES e economia de mercado

Estando de férias, tenho procurado não estar actualizado quanto ao caso BES. Mas acaba por ser impossível, pelas notícias que vão surgindo e pelas perguntas e anseios que se encontram um pouco por todo lado (amigos, familiares, desconhecidos na bomba de gasolina,…).

Diversos comentários têm incidido sobre o que significa o caso BES para a “superioridade” da gestão privada versus a gestão pública; ou em versões mais suaves sobre a relevância para a sustentar a privatização ou não da Caixa Geral de Depósitos.

Como ponto de partida, a gestão privada sempre fez erros; aliás, todos os dias há empresas que fecham por erros de decisão dos seus gestores. São é pequenas demais para chamar a atenção. Tal como muitas vezes o que se chama de sucesso de gestão privada é acaso da sorte. O que faz diferente o caso do BES é a dimensão do grupo, e a série de decisões (fraudes?) que foram tomadas.

Interessa-me aqui discutir não o que correu mal no grupo ou na supervisão (fica para os próximos dias), e sim como encaixar este caso no funcionamento de economia de mercado.

Sabendo-se que todos os dias há gestores e donos de empresas que cometem erros na condução dos seus negócios, como é que o funcionamento de uma economia de mercado os resolve? bom, deixa que essas empresas desapareçam do mercado; por vezes, tão rapidamente como surgiram. Outras  vezes desaparecem porque não acompanharam os anseios e desejos dos consumidores. A Maconde desapareceu, mas a Zara floresceu.

No caso do BES e do grupo Espirito Santo, o que sucede neste momento é poder haver receio (?) de que seja grande demais para desaparecer. Esse sentimento, de ser grande demais, elimina o “medo de desaparecer” como disciplina para a boa gestão. Aliás, não ter o “medo de desaparecer” é o que faz a gestão pública ter também problemas em muitas decisões. “Desaparecer” significa, no contexto de economia de mercado, que os donos – accionistas no caso de sociedades anónimas – tenham que suportar os custos das más decisões tomadas pelos gestores das empresas (que podem ser eles próprios, ou contratados), sem que isso signifique que as actividades realizadas deixem de ser feitas, ou que os activos produtivos (físicos, humanos e organizacionais) tenham que ser destruídos. A falência do grupo Espirito Santo não constitui uma prova de falhanço da gestão privada face à gestão pública, mas a forma como essa falência é tratada constitui um teste ao funcionamento de uma economia de mercado como a portuguesa.

Aplicando estes princípios ao caso BES e grupo Espírito Santo, a solução de economia de mercado é claramente a falência do grupo, com perdas a serem suportadas pelos accionistas, e com a rápida venda de todos os activos produtivos. Significa que a marca BES pode desaparecer? sim, claro. Basta que outro banco ou entidade compre o banco e lhe mude a designação (por integração  noutra estrutura já existente ou por redenominação). O mesmo sucederá com outras empresas do grupo (empresas que vão do turismo à saúde), sem que isso implique o encerramento dessas empresas. São claramente oportunidades de crescimento por aquisição  (e que vão igualmente exigir atenção da Autoridade da Concorrência, mas isso é num momento mais à frente, para evitar eventual aumento de concentração e poder de mercado).  Os clientes destas empresas do universo Espirito Santo não necessitam de ser afectados de forma substancial, desde que todo o processo seja célere, e não se procure formas artificiais de manter o grupo e o BES como estavam.

Centrando no banco, significa que o mesmo deverá ou receber novos accionistas (ou reforço dos actuais, o que não parece verosímil nesta altura)  ou ser vendido tão rápido quanto possível. Deve-se evitar a nacionalização (ou a sua compra pela Caixa Geral de Depósitos, não vá alguém ainda lembrar-se disso). Conseguir fazê-lo sem qualquer implicação para os contribuintes seria um sinal de maioridade da economia portuguesa e dos seus mecanismos de funcionamento enquanto economia de mercado.

Qualquer que seja a solução encontrada para o BES, será quase inevitável que venham a surgir alterações na forma como o banco se encontra organizado, e o encerramento de balcões e mudanças internas, incluindo saídas de pessoal, virá a estar no horizonte. E daí virá alguma pressão social, que terá de ser antecipada e minorados os custos de transição para as pessoas afectadas (mas não através de sustentação artificial de postos de trabalho).

As notícias que têm saído sobre o que são as intenções das autoridades económicas apontam no sentido de ser o normal funcionamento da economia a resolver esta situação. A penalização dos accionistas deverá ser clara. A manutenção produtiva dos activos do banco deverá ser assegurada, mesmo com mudança de accionistas. É bom que assim seja, pois de outro modo todos os grandes grupos económicos portugueses (e bancos) podem começar a sentir que também são demasiado grandes para falirem…

(actualizado a 3 de Agosto 2014)

Para discussão nos próximos dias: BES e regulação, BES e grupos familiares,… (sobretudo se continuar um Verão frio e ventoso)