Momentos económicos… e não só

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formação curta no ensino superior

na discussão pública surgiu a proposta governamental de cursos mais curtos, de dois anos, a serem dados pelos institutos politécnicos. Nessa discussão há a confusão de vários elementos, e em particular do papel do Governo e das instituições de ensino. É aliás uma confusão que vejo presente em muitas outras discussões e que precisa de uma clarificação. Para explicitar porque fico confuso, vou ter de recorrer a algum jargão económico.

Essa confusão está em saber se o Governo é o lado da procura de ensino superior, ou se é o lado da oferta, ou se quer ser ambos ao mesmo tempo, e também afirmar que há autonomia das instituições. Tudo junto e ao mesmo tempo é que não tem coerência.

Vejamos, se o Governo se coloca do lado da oferta – e determina que estas formações têm que ser oferecidas, então não há autonomia das instituições definirem a sua oferta formativa.

Mas se o Governo se coloca do lado da procura, e considera que é necessário ter estas formações porque há interessados (ou o Governo “determina” que tem de haver interessados?), então deveria colocar verbas a suportar formandos, e logo se veria se a procura de facto existe, e existindo se a oferta reage a essa procura.

Pessoalmente, estou convencido que se se quer mesmo ter essas formações de dois anos, ter o Governo do lado da procura e deixar que as instituições sigam o incentivo dado pelo pagamento realizado pelas escolhas dos alunos (não precisa de ser pagamento directo do bolso dos alunos, pode ser bolsas pagas directamente) na sua oferta formativa será mais natural e mais claro.

Esta confusão que se instala com a (habitual) abordagem portuguesa de planeamento central é tudo menos salutar para o bom funcionamento do sistema de ensino superior. E mostra também a preguiça ou incapacidade de procurar mecanismos descentralizados que sejam duradouros e tenham a capacidade de reflectir as necessidades e preferências da população. Não sei se estas durações curtas para formação superior são boa ou má ideia, porque não deixar a sociedade, o “mercado”, escolher criando apenas as possibilidades para que essa escolha seja efectivamente feita?

E resta ainda discutir o que sucede depois com os formados destes cursos, será que se vai passar a pagar às empresas para que os acolham nos estágios (independentemente do valor que tenha para a empresa a presença destas formações)?


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o que correu mal?

Estão em processo de encerramento ou encerraram mesmo diversas farmácias concessionadas dentro do espaço de hospitais (ouvir noticia da TSF aqui). Dois problemas estão presentes nesta notícia e neste problema:

1) a decisão de concessão da exploração das farmácias em espaço do hospital – é a ideia errada, ou é a aplicação da ideia incorrecta? nomeadamente, nos termos que foram aceites na concessão? Esta questão é legítima pois em concursos desta natureza – se há um “valor” em ter esta concessão, mas a sua magnitude exacta é desconhecida, então cada candidato baseia-se nas estimativas que faz, e o que tiver a estimativa mais optimista acabará por ganhar o concurso, mas depois perder dinheiro – este problema é conhecido como a maldição do vencedor (winner’s curse – ver aqui para um tratamento mais informal, ou aqui para uma discussão formal). Evitar este problema implica regras claras e adequadas, e sofisticação suficiente de quem se candidata para reconhecer o eventual problema. Enfatizar apenas a receita obtida pelo hospital, adicionado à tradicional “renegociação em caso de dificuldades” é caminho quase certo para ter problemas deste tipo. Claro que podem existir outras explicações, incluindo as regras do concurso terem sido mal desenhadas; ou a própria ideia não ser boa. Seria importante que de forma serena se procedesse a uma avaliação destas situações, não no sentido de encontrar culpados (uma espécie de desporto nacional semelhante à caça à raposa no Reino Unido), e sim perceber que mecanismos não funcionaram e porquê.

2) o segundo problema é a incapacidade do sistema judicial em conseguir tornar rapidamente disponíveis activos produtivos – o ter os equipamentos fechados, qualquer que seja o uso que lhes seja destinado pelo hospital, é um custo para a sociedade do processo de decisão judicial – proponho que o Ministério da Justiça pague ao hospital o valor correspondente a 1/2 das rendas que seriam recebidas durante a concessão do equipamento. Não com o objectivo de dar receita ao hospital e sim com o objectivo de fazer reflectir sobre o sistema de justiça os custos da sua incapacidade de manter activos produtivos em função. Este é aliás um problema genérico de competitividade do país.


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crise económica e saúde (4)

Ainda sobre os indicadores associados com a crise económica e impacto sobre saúde, será mais razoável olhar para a mortalidade acima dos 65 anos (ou esperança de vida aos 65 anos), para perceber se a crise económica tem afectado a capacidade do sistema de saúde satisfazer as necessidades acrescidas da respectiva franja da população.

olhando para a evolução recente da esperança de vida aos 65 anos, dados do INE, vendo a respectiva tendência observa-se que não há qualquer alteração significativa nos últimos 4 anos, o tempo da crise. Significa que os efeitos da crise não foram, pelo menos até agora, suficientemente pronunciados para ultrapassar a capacidade de resposta do sistema de saúde português. Não significa que não ocorram situações que deveriam ser evitadas, e com as quais se deverá aprender para que não se repitam, mas não corresponde (ainda?) ao ruir do sistema e saúde e da sua capacidade em servir a população.

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Sobre os efeitos sobre comportamentos de risco de consumo de álcool e de tabaco, não consegui encontrar informação útil.

Quanto a respostas do sistema de saúde, podemos ordenar em vários aspectos: redução da cobertura da população residente em Portugal? formalmente, não houve aqui alteração; redução dos serviços abrangidos? não houve alteração; aumento das taxas moderadoras e copagamentos? houve um aumento, mas também um alargar das situações de isenção, pelo que o efeito é à partida ambíguo, e não se encontrou grande reacção no comportamento da população; aumento do seguro privado por redução do seguro público? não se encontram efeitos pronunciados neste campo, o seguro privado tem um maior significado em número de apólices do que em financiamento/pagamento de cuidados de saúde, onde é ainda uma fracção pequena do total; capacidade de gerar poupanças e eficiência no sistema? a política do medicamento baixou custos mas ainda não alterou a dinâmica de crescimento do consumo, as reduções de salários dos profissionais de saúde têm desafios próprios, já explorados aqui, a propósito de um debate sobre o mesmo tema.

Falta apenas perceber melhor o que se estará a passar com os doentes crónicos. A retomar na medida da informação disponível num futuro próximo.


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crise económica e saúde (3)

Em termos de indicadores, há vários que podem ser olhados, e têm sido olhados: a) mortalidade infantil, b) suicídios; c) comportamentos de risco – consumo de tabaco e álcool, d) acidentes de viação (e acrescento acidentes de trabalho), e e) descompensação de doentes crónicos.

Sobre a mortalidade infantil, tudo indica que se anda com flutuações em torno de um valor estável (ver aqui e aqui).

Sobre os suicídios, está-se longe do efeito de aumento que seria expectável com o crescimento do desemprego e com a crise económica. Neste aspecto, a situação portuguesa não é muito diferente da espanhola (ver aqui), em que podem existir factores protectores que têm tido um papel – poderão ser factores formais ou informais, não há uma conclusão definitiva sobre o assunto (no caso de Espanha tem havido um debate forte sobre os números e o que significam, e também por cá se poderá questionar as séries estatísticas e suas revisões, ou falta de precisão na sua construção). Usando os últimos dados disponíveis e tratando os desvios à tendência de crescimento de longo prazo como elemento conjuntural de gravidade da crise, obtém-se o gráfico seguinte em que o valor para a taxa de suicídio em 2012 e em 2011 está abaixo do que seria previsto pelo efeito da crise.

 

grafico2

 

Quanto aos acidente de viação (e de trabalho), continuam a diminuir as respectivas vitimas mortais, fazendo com que em tempos de crise possa ocorrer uma melhoria na s taxas de mortalidade e da esperança de vida à nascença. A principal implicação é que indicadores agregados de mortalidade não traduzirão a diversidade de situações subjacentes, pois a nível individual é sabido que a situação de desemprego se encontra normalmente associada a um pior estado de saúde (mental e físico).

(continua…)


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crise económica e saúde (2)

Outros aspectos relevantes numa análise do sector da saúde em contexto de crise económica é a capacidade de resposta da prestação de cuidados de saúde e do sistema de protecção financeira – não são o mesmo, o primeiro é conseguir ter os recursos, humanos e de equipamento, para responder às necessidades da população, o segundo consiste em ter a capacidade de proteger financeiramente a população das consequências de menor saúde.

Tomando a primeira questão, se há uma maior procura de cuidados de saúde, consegue-se ter capacidade de resposta? Como o ajustamento em Portugal foi feito pelo lado dos preços, e não pelo corte, redução, encerramento ou retirada de cobertura, de serviços, houve em grande medida essa capacidade. A redução de preços de grande significado foi nos medicamentos e nos salários dos profissionais de saúde, numa primeira linha, e nos prestadores privados que servem o SNS, numa segunda linha.

Em termos de capacidade de resposta, a saúde mental é uma das áreas mais sensíveis, e não há qui grande novidade. A ter em conta é que se o sistema de saúde estiver mais alerta para a saúde mental em tempos de crise porque espera maior necessidade nesse campo, com um aumento de capacidade de diagnóstico e tratamento, o número de situações identificadas pode subir também por esse efeito – ou seja, o efeito da crise pode não ser tão elevado como parece se anteriormente houvesse falhas na capacidade do sistema em identificar as situações de necessidade de intervenção terapêutica. E ao reduzir-se,  para os cidadãos, os custos de acesso a serviços de saúde mental, é natural que aumente a sua utilização, mesmo que não seja devido à crise económica. Há, por isso, que conseguir distinguir os diferentes efeitos presentes.

(continua…)

 


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crise económica e saúde (1)

continuando neste tema, a participação no expresso da meia noite de 7 de Fevereiro de 2014 acabou por não se aprofundar, por isso aqui ficam algumas ideias adicionais.

Primeiro, temos (nós e internacionalmente, não é uma questão portuguesa) dificuldade em ter dados actualizados. Existe uma rede de médicos sentinela (ver aqui) mas a sua informação é normalmente reservada apenas para “uso próprio”, e não se encontra disponível para investigadores em geral (mesmo respeitando critérios de anonimato e confidencialidade dos dados).

Segundo, embora haja uma certa tentação para focar em dados agregados, esses acabam por traduzir muito pouco, mas também não é possível ficar pelos episódios relatados pela comunicação social (podem ser ou não reflexo de problemas mais profundos, podem ser ou não devidos à crise económica). Por exemplo, nos indicadores agregados, é frequente falar-se na evolução da despesa pública em saúde – mas se nem toda essa despesa gerava algo de útil (ganhos em saúde, no jargão habitual), então pode ser reduzida sem problemas; só que se a redução for onde faz diferença, tem custos para  saúde. Significa que apenas constatar redução da despesa pública não é suficiente. Por outro lado, despesa envolve elementos de preço e quantidade, se baixar o preço sem alterar a quantidade, os resultados deverão ser os mesmos para menor despesa.

Terceiro, tem havido um movimento geral (internacional) de “austerity kills” (o “campeão” tem sido David Stuckler, apesar de não ser o único). A conclusão geral dessa linha de literatura é que a existência de redes de apoio social, formal ou informal, reduz a magnitude do risco de problemas de saúde. É um aspecto que vai além do que é a intervenção do sistema de saúde e dentro deste do Serviço Nacional de Saúde.

(continua…)


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sobre a crise económica e a saúde, um novo site

foi agora disponibilizado, aqui. Onde se pode encontrar a informação disponível e artigos recentes sobre os efeitos da crise económica sobre a saúde da população e sobre os sistemas de saúde.

(nota adicional: 09 de Fevereiro de 2014 – o link não se encontra de momento a funcionar, nem encontrei link alternativo)

(nota adicional2: 10 de Fevereiro de 2014 – o link acima voltou a funcionar!)


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da série “janela do posto de trabalho” (1)

 

Entre notícias de facturas para sorteios e discussão sobre existência ou não de programa cautelar, esta sombra cinzenta do dia de hoje pareceu-me adequada.

Na discussão do programa cautelar, o que me assusta verdadeiramente é saber se temos algum sentido estratégico real, partilhado pelos principais partidos, para construir um enquadramento  geral que favoreça o crescimento económico. Sobre isso, pouco se tem dito. Isto é, qualquer que seja a forma como termina o programa de ajustamento (não gosto do termo “saída”), não será essa data que termina as dificuldades da economia portuguesa. Enfim, se houver sol daqui a pouco pode ser que traga um pouco mais de optimismo…

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mira o miró

felizmente há sempre coisas surpreendentes neste país; a discussão sobre os quadros de Miró é um deles. Demonstra também duas características nacionais: a incapacidade de pensar racionalmente sobre as decisões; e a confiança no improviso, que se é boa num pequeno número de casos, é-nos prejudicial em muitos outros. Fui lendo várias das coisas que foram ditas e escritas, e até tinha pensado que não valia a pena comentar, só que o arrastar do “caso” afinal merece um comentário. Vou “roubar” ideias e informação de vários sítios, sem estar com a preocupação de voltar a encontrar a fonte original-

Incapacidade de ser racional nas decisões – o apelo a manter os quadros em Portugal surge mais emotivo do que outra coisa; o que seria a reacção das mesmas pessoas que mais defendem a manutenção dos quadros se o Governo anunciasse que iria comprar esta colecção, como prioridade para a economia nacional? o meu palpite é que diriam que o Governo tem mais com que se preocupar, que esta “compra” não resolve os problemas do desemprego jovem, e que há ainda os custos de manutenção da colecção. Ou seja, consoante o ponto de partida, querem uma coisa ou o seu oposto. Mas a decisão racional é olhar para friamente ter de um lad custos de manutenção e receitas da eventual exposição dos quadros, e do outro lado a receita da venda actual dos quadros. Qual é maior? não sei, mas seria interessante ter as contas. Claro que há ainda a opção de manter os quadros para vender mais tarde, e nesse caso, quer-se especular (investir) em arte. Três alternativas, calcule-se o valor de cada uma (e se quiserem incluir a “felicidade” de ter os quadros em Portugal, valorizem, perguntem a cada português quanto está disposto a pagar por ano para ter cá a colecção – pode ser feito por amostragem). Claro que há também uma outra solução – alguém coordenar uma recolha de fundos em Portugal para serem os Portugueses que a valorizam a comprar a colecção e a fazer a sua manutenção. Isto é, não seria o momento de tanta indignação “privada” se transformar em acção “privada”? como nem isso parece estar a ocorrer, é fácil pedir decisões públicas com o custo repartido por todos e cobrado pelo Estado.

Desenrascanço e burocracia – a história que se vai sabendo das autorizações pedidas e não pedidas, da intervenção dos tribunais e por fim da decisão da leiloeira de evitar problemas legais futuros com o cancelamento da venda só demonstra a incapacidade nacional de cumprir decisões (aparentemente a decisão de venda estava tomada há muito). Que o processo tenha estes contornos é reflexo da nossa forma de trabalhar. Que a leiloeira tenha decidido da forma que o fez é sinal de que se queremos fazer parte de um mundo global, temos que estar preparados para que os outros queiram trabalhar de forma diferente.

E no fim deste lamento, a minha escolha, se a tivesse nas mãos, seria mesmo vender os quadros (desde que não fosse a alguém financiado pela CGD, como sugerido num texto que li algures, em tom de ironia). Se se quiser mesmo usar uma verba daquele montante em valorização do património cultural de Portugal, haverá outras formas de o usar provavelmente até de mais fácil rentabilização (restaurar e manter monumentos nacionais que sejam visitados nos dias de hoje por turistas, por exemplo).


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medicina participativa

Na segunda feira passada decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian uma conferência da iniciativa da  The Gulbenkian Platform, com apresentação de experiências de outros países que ilustram caminhos possíveis; a abrir Bas Bloem apresentou um exemplo real de medicina participativa, em que o doente é tomado como parceiro activo do processo de tomada de decisão; o que Bas Bloem procurou mostrar é simples: essa mudança de papel do médico, para uma relação médico – doente sem hierarquia, e ele é claro em afirmar que não é substituir uma hierarquia dominada pelo médio para uma hierarquia dominada pelo doente, tem como resultado melhor qualidade dos cuidados prestados, maior satisfação dos doentes, e menores custos como resultado dessa melhor qualidade de cuidados. Bas Bloem tem disponível uma “TED talk”, aqui, onde em 10 min faz a exposição das suas ideias. Para levar à prática estas ideias, no caso da doença de Parkinson, Bas Bloem fundou uma rede onde os doentes podem obter informação sobre a doença e recolher experiências de outros, e no final escolher que prestador querem usar.