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mira o miró

3 comentários

felizmente há sempre coisas surpreendentes neste país; a discussão sobre os quadros de Miró é um deles. Demonstra também duas características nacionais: a incapacidade de pensar racionalmente sobre as decisões; e a confiança no improviso, que se é boa num pequeno número de casos, é-nos prejudicial em muitos outros. Fui lendo várias das coisas que foram ditas e escritas, e até tinha pensado que não valia a pena comentar, só que o arrastar do “caso” afinal merece um comentário. Vou “roubar” ideias e informação de vários sítios, sem estar com a preocupação de voltar a encontrar a fonte original-

Incapacidade de ser racional nas decisões – o apelo a manter os quadros em Portugal surge mais emotivo do que outra coisa; o que seria a reacção das mesmas pessoas que mais defendem a manutenção dos quadros se o Governo anunciasse que iria comprar esta colecção, como prioridade para a economia nacional? o meu palpite é que diriam que o Governo tem mais com que se preocupar, que esta “compra” não resolve os problemas do desemprego jovem, e que há ainda os custos de manutenção da colecção. Ou seja, consoante o ponto de partida, querem uma coisa ou o seu oposto. Mas a decisão racional é olhar para friamente ter de um lad custos de manutenção e receitas da eventual exposição dos quadros, e do outro lado a receita da venda actual dos quadros. Qual é maior? não sei, mas seria interessante ter as contas. Claro que há ainda a opção de manter os quadros para vender mais tarde, e nesse caso, quer-se especular (investir) em arte. Três alternativas, calcule-se o valor de cada uma (e se quiserem incluir a “felicidade” de ter os quadros em Portugal, valorizem, perguntem a cada português quanto está disposto a pagar por ano para ter cá a colecção – pode ser feito por amostragem). Claro que há também uma outra solução – alguém coordenar uma recolha de fundos em Portugal para serem os Portugueses que a valorizam a comprar a colecção e a fazer a sua manutenção. Isto é, não seria o momento de tanta indignação “privada” se transformar em acção “privada”? como nem isso parece estar a ocorrer, é fácil pedir decisões públicas com o custo repartido por todos e cobrado pelo Estado.

Desenrascanço e burocracia – a história que se vai sabendo das autorizações pedidas e não pedidas, da intervenção dos tribunais e por fim da decisão da leiloeira de evitar problemas legais futuros com o cancelamento da venda só demonstra a incapacidade nacional de cumprir decisões (aparentemente a decisão de venda estava tomada há muito). Que o processo tenha estes contornos é reflexo da nossa forma de trabalhar. Que a leiloeira tenha decidido da forma que o fez é sinal de que se queremos fazer parte de um mundo global, temos que estar preparados para que os outros queiram trabalhar de forma diferente.

E no fim deste lamento, a minha escolha, se a tivesse nas mãos, seria mesmo vender os quadros (desde que não fosse a alguém financiado pela CGD, como sugerido num texto que li algures, em tom de ironia). Se se quiser mesmo usar uma verba daquele montante em valorização do património cultural de Portugal, haverá outras formas de o usar provavelmente até de mais fácil rentabilização (restaurar e manter monumentos nacionais que sejam visitados nos dias de hoje por turistas, por exemplo).

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “mira o miró

  1. A entrevista de um dos Portugueses potencialmente interessado na compra e que se alavancou em tempos idos à custa da CGD, revela que há interesse na compra dos mesmos, desde que a um preço simbólico… Pergunto-me se os quadros eram posse do estado Português, porque não foi tentada uma exposição que atraísse público internacional e nacional, que desse visibilidade à exposição e posteriormente se vendesse paulatinamente os quadros em vez de se vender a totalidade da coleção? Creio que a rentabilidade seria maior e haveria muito mais transparência no processo. A leiloeira só fez aquilo que qualquer entidade que não quer manchar a sua credibilidade faria: anulou o negócio e passou a batata quente para a mão do governo Português. A única coisa que posso dizer é que me chegam mails de amigos dos vários cantos do mundo que dizem que a imprensa internacional e o público em geral acha que este episódio revela a incapacidade do povo Português se governar e que transpareceu uma imagem muito pouco feliz do governo Português. Dizem que é fado…

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  2. Caro professor,

    Concordo totalmente consigo.
    Tanto que, para além de um ou outro apontamento que já havia registado no meu bloco de notas, anotei ontem em
    http://aliastu.blogspot.pt/2014/02/mirologia-ou-loucura-colectiva.html

    um texto que não transcrevo aqui por ser longo, complementado com comentários trocados com um galerista.
    E que submeto à sua eventual pachorra de o ler.

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    • Obrigado Rui, e fica a recomendação de leitura do seu texto e sobretudo da troca de palavras – porque provavelmente a visão contrária será comum a muita gente e tem o erro habitual de que se algo pertence ao estado já não tem custo de oportunidade (ou uso alternativo, neste caso venda e com essa receita fazer algo).

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