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Guião da reforma do Estado (3)

4 comentários

O primeiro capítulo do documento é pouco interessante. Procura fazer uma revisão da situação actual, mas sem recurso a informação quantitativa. A opção é lícita, até certo ponto. Importa conhecer e dar a conhecer alguns números para que cada leitor possa fazer o seu juízo. O equilíbrio entre a afirmação política e o facto técnico também deveria ser procurado. Há afirmações que são do domínio político, enquanto outros aspectos são factos técnicos. A distinção poderia ter sido facilmente feita indicando-se em nota de pé de página links para documentos ou fontes de dados que corroborem as afirmações realizadas. Como exemplo, não teria dado grande trabalho introduzir referências à informação constante dos documentos de execução orçamental (ver aqui) para suportar as afirmações sobre as componentes mais importantes da despesa pública.

A discussão sobre as medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional  (p.14) mistura os aspectos de curto prazo com as decisões de longo prazo. No curto prazo coloca-se a questão dos cortes salariais, mas se a intenção é terem uma natureza de longo prazo, ou se é pretendido que a possibilidade de redução salarial seja um instrumento de gestão da despesa pública numa perspectiva de longo prazo, então a introdução do tema de revisão constitucional deveria ser explicitamente feita. Pode até ser que as condições políticas não permitam fazer essa revisão constitucional. A mistura de aspectos de curto e longo prazo é porém pouco útil para organizar a discussão.

Mais importante é a discussão do que decorre das nossas obrigações internacionais por se estar dentro da zona euro. É colocado destaque na ideia de que em breve vamos readquirir a soberania perdida. Na verdade, do ponto de vista da condução das políticas económicas, essa soberania será mais ilusória do que real, uma vez que a dívida não desapareceu, e ter-se-á que procurar os mecanismos que permitam o seu pagamento. Envolverá mecanismos de compromisso do Estado para não voltar a entrar num processo de despesa excessivo, e envolverá uma gestão cuidada dos processos de financiamento do Estado.

E aqui surge um dos primeiros pontos em que é de exigir uma reflexão adicional. O discurso adoptado no documento está essencialmente preso à ideia de que só podemos ter o Estado que temos capacidade de pagar. Esta é uma ideia pouco motivadora. Mais interessante, a meu ver, será perceber como é que o Estado se pode organizar de forma a que cumprindo as funções que a sociedade pretenda que tenho promove e estimula o crescimento económico e o desenvolvimento social. É diferente ter que pensar um Estado que se mete dentro de uma restrição orçamental, como objectivo, de um Estado que se tenha por objectivo cumprir funções embora sujeito a uma restrição orçamental.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

4 thoughts on “Guião da reforma do Estado (3)

  1. Concordo. O documento tem uma perspectiva contabilística nesta secção e pouco económica, a meu ver. O Estado pode e deve promover o crescimento e desenvolvimento social. Dito de outra forma, os recursos disponíveis para financiar o Estado dependem das bases fiscais, que dependem da economia que pode ser influenciada através de políticas inteligentes.

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  2. “O discurso adoptado no documento está essencialmente preso à ideia de que só podemos ter o Estado que temos capacidade de pagar. Esta é uma ideia pouco motivadora”.

    Não concordo. Obviamente, o Estado tem de se adaptar àquilo que pode pagar. Se se quiser alargar o âmbito das funções do Estado obrigatoriamente que terão de se encontrar as fontes de financiamento adequadas sem agravamento da dívida pública.

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  3. @M.Miranda: o meu problema básico com a afirmação que só podemos ter o estado que podemos pagar é que pouco me diz – o que significa o que podemos pagar? Por exemplo, se se fechar todo o ensino público e se der dotação 0 ao ministério da educação, respeitamos essa restrição; ou em alternativa fechamos o ministério da saúde?!
    Na verdade, o problema de escolha que temos não deve ser cortar despesa para termos o estado que podemos pagar e sim dentro das limitações de fundos que temos, qual o melhor estado que podemos ter.

    Como segundo ponto, “o que podemos pagar” é também um conceito difuso – para uns pode querer dizer um certo nível de despesa, para outros outro, mas a definição da despesa pública não se pode desligar dos benefícios retirados. Até podemos ter capacidade de pagar, mas não valer a pena.

    Remeter a discussão para o “estado que podemos pagar” é a meu ver uma forma muito imprecisa de colocar o problema que temos para resolver.

    E repare que uma análise séria tanto poderá resultar em ter um estado que faz mais como um estado que faz menos, ou que fará mais onde valer a pena e se retira onde a sua contribuição é pequena, inexistente ou até negativa.

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