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Guião da reforma do estado (2)

3 comentários

Hoje tinha planeado entrar numa análise mais de detalhe do guião. Só que as reacções ao próprio documento criam-me alguma confusão.

Consigo arrumar essas reacções em três categorias

a) as propostas serem demasiado vagas.

b) as propostas serem fora de tempo.

c) as propostas serem “velhas” em grande medida.

Vejamos cada uma destas reacções – as propostas serem demasiado vagas, dando-se como exemplo o documento do FMI do início do ano. É certo que as propostas apresentadas no guião não são de detalhe. São ideias, não propostas concretas. Esta observação, sendo verdadeira, parece-me pouco útil. Se houvesse propostas muito detalhadas, então o documento não teria uma dimensão legível, e facilmente se diria que não há uma visão de conjunto. Na versão actual, não é inteiramente clara qual é essa visão de conjunto, mas num documento de 900 páginas, como seria pelo menos a dimensão caso cada ideia fosse desenvolvida adequadamente, certamente ficaríamos perdidos.

A este respeito, uma das reacções que ouvi na rádio imputada a um partido da oposição, que se apresente uma proposta legislativa no parlamento para discussão, é que me parece despropositada. É demasiado tarde, e no Parlamento há uma componente de discussão política pura em que a liberdade de pensamento de cada lado fica claramente limitada pelo posicionamento político e pela necessidade de falar para a televisão. Há um trabalho técnico a ser feito antes disso, e uma necessidade de ouvir a população nalguns casos que torna desejável um processo mais longo, de consensualização, antes de chegar ao Parlamento. Sem menorizar o papel do Parlamento, há momentos e discussões em que se torna desejável ter um processo de discussão prévio a esse passo. A reforma do Estado é para mim uma dessas discussões. Mas deixemos a componente política para os comentadores respectivos.

Não se deveria esperar que o guião da reforma do estado fosse a resposta a todos os anseios de todos os portugueses. Mas que constitua um ponto de partida para uma discussão séria. A reacção de que são ideias vagas é uma forma de fugir a essa discussão. Cabe ao Governo agora apresentar ideias concretas para cada área, e aos outros partidos políticos e à sociedade comentar, melhorar e apresentar alternativas. O erro será pensar que a reforma do Estado se esgota nesta apresentação do guião. No entanto, a esmagadora maioria das reacções parecia esperar que este documento fosse a palavra final. Caso em que acusariam o Governo de autismo muito provavelmente. A pergunta que deve ser colocada é diferente: este guião impede que se inicie um processo de discussão, primeiro geral, e depois particular, sobre a extensão da intervenção do Estado? para mim a resposta é não.

A mensagem implícita que encontro nesta reacção de vacuidade é a incapacidade que temos como sociedade de preencher objectivamente esses campos, talvez porque na verdade gostamos do Estado como está, no que faz, só queríamos que ele custasse menos. Mas isto é basicamente preguiça de fazer o trabalho de perceber porque temos intervenção do Estado em cada área (que problema resolve?) e quais as alternativas possíveis.

A segunda reacção, as propostas serem fora de tempo. Era desejável que estas ideias tivessem sido apresentadas antes, no início da legislatura? claramente. Era bom que tivessem sido apresentadas pouco depois de o ano passado se ter falado no assunto? sem dúvida. Estava a ficar desesperante os sucessivos adiamentos da sua apresentação por Paulo Portas? obviamente. Mas isso é passado, adianta pouco dizer que se deveria ter apresentado mais cedo. Significa apenas que não devemos perder tempo a discutir o tempo de apresentação, e passar a dar consequências a esta apresentação do guião. A menos que nem Governo nem oposição nem sociedade como um todo estejam na disposição de realmente fazer a reforma do Estado. Pode ser que o guião seja apenas para “entreter” a troika até junho de 2014. Só que esse tipo de “jogo” normalmente acaba mal. Apesar de haver os que dizem que este é um problema político, há uma realidade económica que não desaparece. Lamento.

A terceira reacção, as propostas serem em grande medida conhecidas e não trazerem nada de novo. Também aqui não discordo particularmente. Há aqui e ali algumas ideias não exactamente novas mas mais clarificadas. Na verdade seria complicado ter ideias completamente novas em todas as áreas. É possível ter ideias novas – eu, pelo meu lado, gostaria que se criasse um grupo de implementação da reforma liderado por um holandês, e tendo na sua composição um irlandês e um alemão. Apenas pela eficácia que normalmente conseguem introduzir no processo de concretização. As ideias podem não ser novas, e na verdade eu prefiro deixar a inovação toda para o processo de fazer acontecer. Fazer acontecer significa aqui, discutir, definir as medidas, fazer as escolhas, e dar seguimento em termos de implementação.

Juntando tudo, as reacções até agora parecem-me pouco úteis para fazer progredir a discussão, concordando-se ou não com o conteúdo do documento. A principal falha do documento acaba por ser igual à principal falha das reacções: como é decidimos que alterações fazer no Estado e como é que as colocamos em prática? Para não ser acusado de não ser coerente com estas perguntas, remeto para o final do post passado, como ponto de partida: cada secretaria de estado indicar em que medida o guião lhe diz respeito, com referência às perguntas

a) qual é o problema em causa que justifica a intervenção do Estado? (a existência da secretaria de Estado, o que é que ela resolve (não o que faz…)?

b) em que medida o funcionamento actual permite atingir esse objectivo (eficácia)?

c) em que medida há opções alternativas para atingir esse mesmo objectivo?

d) qual dessas alternativas é a que tem menor custo (social, económico, etc.) de atingir o objectivo proposto?

e) que mecanismos de monitorização e aperfeiçoamento vão ser adoptados depois de escolhida a opção?

f) qual o processo de aplicação da opção proposta?

 

(isto é um pouco repetitivo, é falta de ideias novas, espero que sejam vistas como concretas e ainda a tempo de serem aplicadas)

 

ps. continua segunda-feira…

 

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “Guião da reforma do estado (2)

  1. Recebido via facebook:

    Nisto tudo, ajudaria BASTANTE que o Estado disponibilizasse aos académicos bases de dados relativos à sua intervenção em todas as áreas. Só com análise técnica poderemos avançar para políticas mais inteligentes e mais eficientes.

    O diabo/Deus está nos detalhes ….

    Quanto às regras orçamentais, as que foram definidas pela (para?) a UE não servem e serão revistas a seu tempo. Mas devemos, como os alemães fizeram, definir regras orçamentais portuguesas.

    Outro exemplo. Gostaria de ver substituída todos os subsídios às empresas (excepto I&D) e a baixa da taxa de IRC por um crédito fiscal ao investimento. O que interessa é incentivar o investimento novo (máquinas, equipamentos, fábricas, …) e não apoiar o capital já instalado. Isto cria emprego.

    Alguns exemplos: Eu gostaria de ver discutida a possibilidade de substituirmos os vários instrumentos de combate à pobreza entre os activos por um EITC (earned income tax credit).

    1) Em cada área definir o porquê da intervenção do Estado.
    2) Olhar para o que outros países da OCDE fazem e que resultados tiveram.
    3) Determinar as formas mais eficientes que se adequam à realidade portuguesa.

    Pensar custa. É mais fácil o bitaite rápido.

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  2. A questão a discutir não deve girar em torno do novo/vlelho , vago/ detalhado , e outras dicotomias presentes nas reacções ,antes na utilidade mínima ,para a discussão do estado desejável e realizável . E este documento não passa de um facto político tardio e anémico ,sem vigoor , arroje ou profundidade que nos afasta de dois tipos de questões importantes , o orçamento de estado para 2014 (curto praxo ) e a visão do país e do estado para os próximos 10( médio prazo ) e 20 anos . E aqui subscevo a ideia que este tipo de discussões se iniciam bem longe do parlamento e chancelarias do poder, produzindo documentos profundos , e com uma visão processual , que acções , com quem , para que , quando , onde …. e chega de brincar aos estadistas ! IRREVOGÁVELMENTE BASTA !

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  3. Ou seja, cada secretaria de estado e demais intervenientes neste processo de discussão deveria, antes de mais, ter presente o “guião” para a avaliação de impacto de políticas públicas. Aqui fica o link de umas “impact assessment guidelines”, de tão fácil leitura (que resumes em 3 ou 4 linhas), mas que, aparentemente, é desconhecido pelas nossos intervenientes políticos: http://ec.europa.eu/governance/impact/commission_guidelines/docs/iag_2009_en.pdf .

    Mais fácil ainda, ler um pequeno livro coordenado pelo Prof. Carlos Blanco de Morais: “Guia de Avaliação de Impacto Normativo” (consultável em qualquer livraria Almedina ou no link http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=12080 ).

    São ambos de leitura recomendada aos meus alunos da FDUNL, na esperança de ficar qualquer coisa quando, dentro de uns anos, se envolverem na discussão de políticas publicas.

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