Momentos económicos… e não só

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começada a leitura sobre a 7ª avaliação da troika

pelo que está agora escrito sobre o sector da saúde, uma das minhas curiosidades é como seria tratado o objectivo de alcançar 1% de despesa pública em medicamentos face ao PIB.

De vários documentos oficiais anteriores, o PIB de referência está fixo, pelo que a contracção da economia não afecta essa parte do indicador (ou pelo menos nada é dito em contrário, que eu tenha encontrado).

Como há – havia? – um acordo com a APIFARMA mas cujos valores não foram ainda acordados (ou tornados públicos?), a minha curiosidade está em perceber se as diferenças de opinião sobre este objectivo tinham algum reflexo no Memorando de Entendimento.

Numa primeira leitura, e correndo o risco de ter de vir a alterar alguma coisa mais tarde, o que me surgiu foi o ponto ”

3.37. If public expenditure diverges from the objective that has been set for 2013, the government will implement contingency measures including administrative price reductions (in addition to the regular annual price revision), such as enacting legislation which automatically reduces 50% in prices of medicines without generics and with 15 years of market authorisation [Q2-2013].”

Está assim determinada a situação alternativa a um acordo com a APIFARMA, reduções de preço administrativas, a adicionar à revisão regular que já ocorreu, e que incidem em especial sobre os medicamentos com mais de 15 anos de circulação em Portugal e que ainda não tenham concorrência de medicamentos genéricos.

De certa forma é obrigar estes medicamentos a serem genéricos de si mesmos em termos de preços. Não terá a vantagem de concorrência de ter vários genéricos, limita-se a ser uma forte redução de preços. A concorrência entre genéricos desde 2010 fez baixar os preços de vários medicamentos mais do que estes 50%, por isso não será uma medida substituta exacta de ter concorrência.

A publicação desta medida contingente estabelece também o que será provável acontecer se não houver acordo entre governo e APIFARMA.

Do meu lado, aposto mais em não haver acordo. O primeiro ano do acordo revelou aquilo que seria previsível (é, às vezes os economistas também gostam de fazer previsões sobre como os comportamentos se ajustam aos incentivos) – há interesse em algumas empresas, nomeadamente as mais pequenas, não subscreverem acordos gerais, porque têm mais a ganhar com estarem fora; verificando-se isso, o pagamento (payback) da indústria farmacêutica acaba por ter que incidir apenas sobre as que subscrevem o acordo, que pagam por elas e pelas outras, uma vez que o objectivo do acordo é global e subscrito pelas que entraram no acordo. Este aspecto de free-riding era previsível. E tendo ocorrido num ano, no segundo as empresas que no primeiro subscreveram o acordo para ajudar o governo a cumprir o objectivo não terão grande interesse em continuar, e a pagar pelas outras (até porque nada acontecendo a quem não subscreveu o acordo, o incentivo dado é a mais empresas não subscreverem, ou saírem, em 2013).

Na ausência de cartelização forte da indústria (aspecto que seria punido, por outro lado, pela Autoridade da Concorrência se houver evidência dele), o acordo de payback desmorona-se e com a despesa em medicamentos em meio hospitalar a não descer da forma substancial necessária para cumprir o objectivo, dado que a tendência da despesa pública com medicamentos em ambulatório parece continuar na direcção e ritmo necessários, acabará por se ter as medidas contingentes – reduções de preços administrativas.

Curioso será saber se se tentará manter algum equilíbrio entre medicamentos de ambulatório e medicamentos em meio hospitalar, ou qualquer discriminação de “boa cidadania” para empresas que tenham estado dentro do acordo, ou não. A seguir nos próximos meses.


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a 7ª avaliação da troika

disponível aqui, e há também um sumário para não especialistas.

Para ser lido e analisado, se calhar na praia, com grãos de areia entre as páginas (para quem ainda lê em papel).


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o relatório da ocde (23)

Três outros aspectos terminam o relatório da OCDE.

Primeiro, a importância de reforçar os mecanismos de contratos públicos de aquisição de bens e serviços intermédios.

Segundo, uma gestão eficaz dos fundos comunitários, aproveitando a redução do co-financiamento nacional de 30% para 15%.

Terceiro, reduzir a sensibilidade das receitas das autarquias ao ciclo económico, aspecto que será favorecido com a passagem das receitas municipais para maior peso dos impostos sobre imóveis (em lugar do imposto sobre transacções de imóveis). Este aspecto tem uma vertente de impostos locais e do seu papel, uma vez que são ao mesmo tempo receita e uma medida de desempenho dos autarcas perante as populações. A procura de uma maior eficiência da despesa local acaba por ter uma barreira – a divisão administrativa deveria incorporar a escala adequada para prestar serviços. Será que faria mais sentido agregar alguns concelhos em vez de reduzir freguesias? como equilibrar a noção de capilaridade da presença pública vs. dimensão adequada para algumas funções.


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o relatório da ocde (22)

O relatório da OCDE discorre ainda sobre as empresas públicas e as parcerias público-privadas.

No que se refere às empresas públicas, tem uma afirmação curiosa – estas deverão procurar ser maximizadoras do lucro e não ter objectivos intermédios.

Se o objectivo das empresa públicas é a maximização do lucro, qual a razão de serem empresas públicas. Não haverá uma distinção a fazer entre as empresas que têm concorrência do sector privado e as que não têm?

Qual o objectivo final então de se ter empresas públicas? porque é que o livre funcionamento do sector privado não chega? se é necessária intervenção do sector público, que formato deve ter? empresas públicas, empresas públicas reguladas, empresas privadas mais sistema de pagamento, ligado a objectivos definidos, quantificados e valorizados?

Sobre as PPP, a principal recomendação é de se manter uma situação de “value for money” durante a fase operacional, aspecto que é mais exigente do que apenas não ter perdas. Este aspecto exige especial cuidado com as renegociações contratuais das PPP em geral.


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o relatório da ocde (21)

A secção III.4 do relatório da OCDE centra-se na gestão do orçamento do estado.  Começa por referir a regularidade de estimativas sempre muito elevadas para as receitas públicas, e para a falta de efectivo controle orçamental que tem existido.

Defende o relatório da OCDE uma regra para a despesa pública, em vez de uma regra para o défice estrutural. O argumento para a preferência da OCDE não é de natureza conceptual ou de teoria económica, apenas de facilidade de aplicação. O conceito de défice estrutural é de difícil operacionalização pois implica definir o que é a capacidade potencial da economia. Uma regra sobre a despesa é mais facilmente verificável, sacrificando-se rigor no sentido económico da regra a favor de uma maior previsibilidade, facilidade de verificação e dificuldade de manipulação da regra.

Defende também que o ministério das finanças deverá ter uma maior capacidade de análise do que é proposto em termos orçamentais pelos restantes ministérios. Não se deverá ficar por uma verificação formal no controle orçamental.

Para este papel será que o ministério das finanças tem a quantidade e qualidade de recursos humanos que são necessários para essa tarefa? é que provavelmente o ministério das finanças deve querer dar o exemplo em termos de não contratações, ficando depois limitado na sua capacidade técnica. Adicionalmente, não se adivinha fácil a relação com os outros ministérios se as decisões forem contestadas não num nível formal mas num nível substantivo da decisão. O que obriga a que os mecanismos de coordenação política do governo funcionem adequadamente (ver um dos posts anteriores).


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o relatório da ocde (20)

A terceira secção deste terceiro capítulo é dedicado à gestão dos recursos humanos dentro da administração pública.

É referido de forma positiva o sistema de avaliação de desempenho. Contudo dá a sensação de que os peritos da OCDE não se aperceberam da diferença (enorme, à la Vitor Gaspar nos impostos) entre o aspecto formal e a realidade. Sendo uma avaliação sem consequências, o sistema de avaliação de desempenho não é sério, nem pode gerar resultados de mudança. Constitui em grande medida, e até poder ter as consequências positivas e negativas, apenas mais uma dificuldade no funcionamento das instituições públicas.

Como ponto positivo do relatório da OCDE, o reconhecer-se que os aspectos de motivação são importantes na administração pública e que não se podem limitar a ser apenas financeiros. Importante é a afirmação que apenas reduzir trabalhadores na função pública sem qualquer critério tem sido questionado como sustentável no longo prazo – acaba-se sempre por ter de ir contratar novamente. Sem mudar processos, simplesmente tirar pessoas não provoca mudança.

A este respeito, fiquei apenas com pena de não ver referida a necessidade de uma avaliação de desempenho, uma única vez, para definir quais os estrangulamentos actuais e quem está a mais na administração pública. Este é um trabalho que não pode ser feito pela própria administração pública, que é parte interessada. É uma área onde é crucial ter pessoas de fora a ouvir todos os funcionários públicos de cada serviço, numa avaliação global de cada serviço e das melhorias que se pudessem introduzir. Isto porque só perante pessoas externas ao serviço e obrigadas a dever de confidencialidade se conseguirá uma avaliação honesta de todos sobre todos. Talvez não seja possível fazer em todos os serviços, mas conseguir demonstrar que o estado consegue fazer estas avaliações seria importante para mudar nos locais onde fosse feita, mas também em todos os outros em antecipação dessas avaliações virem a ser aí realizadas.


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o relatório da ocde (19)

O relatório da OCDE dá também alguma atenção ao processo orçamental português e às transformações que foram introduzidas. De uma forma geral, o que está a ser feito é visto como apropriado e adequado. Apesar disso, há uma discussão sobre acompanhamento das reformas que merece destaque. Não que seja uma novidade, mas por ser mais uma opinião a favor de se terem mecanismos de acompanhamento das medidas. De um ponto de vista genérico, não há discordância de ninguém quanto a esse aspecto. Mas na prática, não se percebe qual o mecanismo e o compromisso para que esse acompanhamento suceda.

Por exemplo, é referido que o processo da preparação do orçamento tenha objectivos claros, dados de boa qualidade e uma cultura de aprendizagem e melhoria continuas. De certeza que já temos este aspecto enraizado no nosso processo de elaboração do orçamento?

Sobre as boas práticas no processo orçamental, o relatório da OCDE faz uma breve menção às experiências da Suécia, da Áustria e da Austrália. Sobre as experiências da Austrália e da Suécia, quem estiver interessado pode igualmente consultar os documentos da conferência organizada pelo Banco de Portugal, pelo Conselho de Finanças Públicas e pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Janeiro de 2013, onde foram apresentadas em maior detalhe por alguns dos intervenientes nessas reformas.


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o relatório da ocde (18)

Apesar de muito já ter sido dito sobre a reforma do estado, o relatório da OCDE consegue apontar um aspecto novo na discussão: o problema político de cooperação entre ministérios.

É a primeira vez que vejo surgir esta questão num relatório sobre Portugal. Que a coordenação política de um governo é importante tem sido frequentemente referido por analistas políticos. Mas nunca se discute as implicações económicas de eventuais descoordenações.

E este é um campo em que o governo depende apenas de si mesmo, e onde a solução irá além da simples demagogia de cortar salários dos políticos, de cortar pessoal dos ministérios, ou ambos. Não basta os slides terem o mesmo grafismo em todos os ministérios, ou as páginas web terem todas o mesmo aspecto, para que haja sintonia de políticas entre ministérios, e se calhar até que se cumpram os compromissos assumidos em reuniões de conselho de ministros.

A coordenação entre ministérios deve ter como palavras chave apoio e aconselhamento e não controle e auditoria.

A par dessa necessidade de coordenação a nível superior, surge num outro nível a necessidade de assegurar a selecção e o recrutamento dos gestores de topo da administração pública, devendo-se pensar bem no balanço que se quer entre concurso e nomeação.

Não deixa de ser curiosa e até surpreendente a menção de que Portugal até tem uma baixa rotação na administração pública depois de realizadas eleições por comparação com outros países pertencentes à OCDE. Coloca um pouco em perspectiva a sensação de que é tudo “jobs for the boys (and girls)”.

Dentro deste conjunto de preocupações, o relatório da OCDE remete para a necessidade de os níveis político e administrativo terem maior comunicação entre si, para assegurar processos de decisão políticos informados.

Aqui, tenho algum cepticismo adicional. Uma coisa é os decisores políticos terem conhecimento dos efeitos de longo prazo, outra é incorporarem essa informação no processo de decisão de forma adequada. Será inevitável que o ciclo eleitoral não consiga criar um interesse mais forte no curto prazo.


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e começam a sair os documentos da 7ª avaliação da Troika

para leitura e comentário conforme for havendo tempo nos próximos dias;

os links: o novo documento do FMI , e a página dedicada a Portugal

o relatório da comissão europeia e o novo memorando de entendimento (oitava versão), deverá vir a estar disponível brevemente no site da Comissão Europeia dedicado ao programa de assistência a Portugal, aqui


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o relatório da ocde (17)

A parte III do relatório da OCDE trata do papel do estado como apoio ao crescimento da economia. O estado como agente económico que deve facilitar o ambiente para maior crescimento económico, e não o estado como empresário. O estado como definidor do enquadramento global, como regulador e como prestador de serviços à sociedade.

Nesta parte, surgem várias recomendações que são aliás idênticas para outros países.

Por exemplo, e logo a abrir o capítulo, a importância de se ter uma administração pública forte como factor de sucesso para as restantes reformas. É um aspecto que em Portugal tem ficado mais escondido no discurso oficial, uma vez que toda a atenção tem estado voltada para reduzir a despesa com os funcionários públicos, não se focando de como no processo de ajustamento se pode e deve garantir que a administração pública futura terá interesses alinhados com uma prestação de serviços à sociedade que promova o crescimento económico e o desenvolvimento.

Relativamente ao papel do estado, as considerações apresentadas levam para que a falha na década passada de se conseguir ter um crescimento económico razoável na economia portuguesa foi também uma falha do estado. Como o estado não foi um estado passivo, não foi por falha de omissão, e sim falha por decisões que não foram as melhores para o crescimento a longo prazo, e que atravessaram vários governos e equipas governamentais. Saber porquê é importante para evitar que a situação se repita. E de certa forma voltamos aqui à qualidade das instituições portuguesas, e da administração pública e dos seus processos de decisão em particular.

 

Os objectivos genéricos enunciados são fáceis de aceitar, e provavelmente muito consensuais, no que toca à reforma do estado. A dificuldade está em definir que instrumentos utilizar, saber o que funciona e com que intensidade é preciso trabalhar esse instrumento para que produza efeitos visíveis.