Por vezes, fico com a sensação que a nossa discussão de política económica é como um automobilista que discute com o co-piloto e os passageiros do banco de trás, onde irá virar na próxima rotunda (já não há cruzamentos, apenas rotundas), mas sem ter ideia para onde quer ir no final. Em período de férias, a aventura até tem algum aliciante de descoberta, mas aplicado o mesmo método ao destino do país para os próximos anos, já não fico tão animado.
À procura de rumo
29/08/2011 | 03:43 | Dinheiro Vivo
Facto 1: em Portugal, o consumo tem excedido de forma sistemática a capacidade de produção, de que resultou um défice comercial sistemático e elevado, financiado por recurso a crédito.
Facto 2: para corrigir a situação anterior, ou se vendem activos ao exterior (o que tem limites e tem efeitos limitados temporalmente), ou se reduz o consumo ou se aumenta a produção.
Facto 3: não temos sido capazes, enquanto país, de aumentar a produção, pelo que será necessário reduzir o consumo (e fazer com que a produção se direccione o mais possível para outros países).
Facto 4: Todos e cada um de nós gostaria que fossem os outros a reduzir o seu consumo. Se todos pensarem assim, o objectivo de baixar o consumo não será alcançado.
Facto 5: Se se mantiver o desequilíbrio da economia, as dificuldades em obter crédito para financiar compras no exterior, traduz-se em redução de consumo.
Facto 6: O Estado comporta-se como uma família sobreendividada com a capacidade de extrair dinheiro aos vizinhos.
Enumerei estes factos por uma razão simples – no curto prazo, irá viver-se pior. Não há alternativa. E sem aumento da capacidade produtiva, o mesmo sucederá no médio e longo prazo.
No curto prazo, até 3 anos, sabemos o roteiro que nos espera. Mas interessa começar desde já preparar o que se passará para além desses três anos.
Contudo, a discussão pública ainda está centrada em dois grandes temas: como obter mais receitas com impostos (extraordinário sobre o IRS, IVA, imposto sobre as grandes fortunas, e até imposto sobre as sucessões e doações, mas temo que ainda não se fique por aqui) e como convencer todos os outros que o meu sector é especial (para evitar a redução de despesa pública).
A minha preocupação com este tipo de debate público é ficar sem saber como é que cada aumento de impostos (selectivo ou não) de que se fala contribui para daqui a três anos se conseguir estar novamente numa trajectória de crescimento. Já sei que a resposta óbvia é que sem consolidação orçamental, a economia não poderá crescer. Fraca resposta porém porque se a mesma consolidação orçamental for alcançada por redução da despesa libertam-se recursos para que a sociedade tenha a liberdade de procurar melhor as áreas de crescimento económico. Porém, se o Governa faz despesa, alguém a tem como receita, e vai procurar não a perder.
O Governo tem a obrigação de mudar o tom desta discussão pública – recentrar em como reduzir a despesa pública, com base em informação fiável; eventualmente com alternativas e opções que possam representar o sentir da população, tornar claro quem irá perder receitas. E sobretudo explicar qual o objectivo para depois dos três próximos anos, para que se possa dar sentido ao que está a ser pedido em matéria de austeridade. É necessário um rumo para além dos compromissos que assumimos, e que temos, devemos querer, cumprir. Esse rumo terá que forçosamente ter o Estado a intervir menos nas actividades económicas e como empresário, o que sendo difícil é imperioso, e a discussão tem de iniciar-se já. Não é uma discussão sobre se este ou aquele Ministério gasta mais ou menos no próximo ano, ou nos próximos dois anos. Tem que ser muito mais.