Momentos económicos… e não só

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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (8).

Continuando na senda das garantias da coligação PSD – CDS, a sétima é sobre colocar na “Constituição um limite à dívida pública”, com um “garantimos que pugnaremos”, pois não podem garantir nesta altura mais do que tentar.

Associada aos compromissos vem a oitava garantia “Garantimos que a próxima legislatura dará particular importância
às questões da demografia, da qualificação das pessoas e da coesão do território”. Além de alguma repetição de aspectos anteriormente mencionados, teria sido importante ter aqui informação sobre avaliação de políticas passadas nestas áreas e a evidência sobre o seu funcionamento (ou não). É relevante conhecer as intenções, mas também gostava de saber se conhecem os factos. Por exemplo, quando se fala em “discriminação positiva de várias políticas públicas a favor dos territórios de menor densidade”, sabe-se qual é a densidade óptima de cada unidade territorial (e qual a unidade territorial em que estão a pensar quando se fala em menor densidade? e é densidade populacional ou outra?

A nona garantia retoma igualmente aspectos anteriores “Garantimos um Estado mais justo e eficiente, queremos uma sociedade com maior autonomia e liberdade de escolha”. E neste ponto há maior detalhe do que podem ser medidas concretas. Ainda assim, creio que se envereda pelo discurso fácil da defesa da liberdade de escolha como contraponto à burocracia, sendo que estes dois aspectos não são necessariamente opostos. Além de que burocracia oferece maior igualdade de tratamento, por exemplo.

Terminando as garantias, fica-se à espera do programa eleitoral para uma comparação maior com o programa do PS, sobretudo no campo da saúde.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (7).

Nos exemplos apresentados a propósito da sexta garantia, “Garantimos um estado social viável e com qualidade. Disso é é exemplo um Serviço Nacional de Saúde universal e geral que proporcione um médico de família a todos os portugueses”, surge a saúde. Retoma um objectivo já existente para a presente legislatura. Aliás, os principais partidos concordam com este objectivo, uma vez que também está presente no programa eleitoral do PS. Não será por este objectivo que os portugueses poderão decidir por um ou por outro dos lados. Com 1900 utentes por médico, e estimando-se que há cerca de 1,233 milhões de cidadãos sem médico de família (segundo a ACSS), então seriam necessários 650 médicos mais, ou como a distribuição de cidadãos pelo território não é perfeita terá que ser um valor superior a esse.

Será interessante comparar depois as propostas eleitorais concretas de como conseguir este objectivo.

Ainda no campo da saúde, há também uma referência ao papel do envelhecimento activo, aspecto em que o exemplo apresentado a propósito da garantia é praticamente coincidente com as preocupações expressas no programa eleitoral do PS.

Curiosamente, o resto do que é dito a propósito da saúde é para falar de “obra feita” e não de propostas para o futuro. A preocupação é mostrar que não houve desinvestimento do SNS durante este período de ajustamento orçamental.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (6).

Continuando nas garantias da coligação PSD + CDS, a quinta garantia é “as reformas na Segurança Social serão feitas por consenso e respeitarão a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Lançaremos um novo programa ambicioso de redução da pobreza.”

Nesta garantia, há a mistura de dois aspectos diferentes, segurança social no aspecto pensões e segurança social acções contra  a pobreza. Vale a pena tratá-las de forma separada.

A discussão sobre a segurança social no campo das pensões tem aspectos penosos pela opacidade que os argumentos propostos possuem. Tanto do lado da coligação PSD – CDS como do lado do PS isso sucede.

Tentarei ilustrar a minha perplexidade com um exemplo tão simples quanto conseguir. Pensemos numa economia sem comércio, porque simplifica a exposição sem sacrificar nada de essencial da discussão. Esta economia tem apenas dois grupos de agentes económicos – trabalhadores activos e reformados. Os trabalhadores activos têm um rendimento ligado ao seu trabalho actual. Os reformados têm uma pensão cujo valor hoje resulta das contribuições dos trabalhadores activos.

Suponha-se que há 20% de reformados e 80% de trabalhadores activos, e que há 10 milhões de pessoas nesta economia fictícia, distribuída pelos dois grupos.

Esta economia produz globalmente um valor de 100 mil milhões de euros em remunerações. A situação é tão igualitária que todos que trabalham têm igual produtividade. A taxa de contribuição para a segurança social é de 20%. O que perfaz 20 mil milhões de euros para distribuir pelos reformados. Que sendo 2 milhões, faz com que cada reformado receba 10 mil euros ano.

Os trabalhadores ficam com 80 mil milhões de euros, como são 8 milhões, cada um recebe 10 mil euros ano.

O que sucede se o número de pensionistas aumentar para 4 milhões e o número de trabalhadores activos baixar para 6 milhões, mantendo-se uma população total de 10 milhões de pessoas.

O que sucede às pensões nesta economia fictícia? Vejamos algumas possibilidades.

a) se a produção baixar porque há menos trabalhadores activos, então haverá menos para distribuir por todos; mantendo-se a taxa de 20% de contribuições, os pensionistas vão receber menos. Os trabalhadores activos poderão receber mais mesmo com uma redução global da produção (uma vez que a produtividade por trabalhador até pode aumentar).

b) se a produção se mantiver, e taxa de contribuição for igual aos 20% iniciais, então o mesmo volume global arrecadado tem que ser distribuído por mais pensionistas, recebendo cada um menos.

c) se a produção de mantiver e se quiser garantir a mesma pensão de 10 mil euros ano, a taxa de contribuição terá que aumentar, mas passando para 40%, todos, pensionistas e trabalhadores activos, continuam a receber os mesmos 10 mil euros da situação inicial. A única diferença é que o salário líquido não acompanha a produtividade.

d) se a produção global baixar, e o sistema garantir aos pensionistas que vão manter o seu rendimento, a taxa de contribuição tem que aumentar para mais de 40% e trabalhadores activos vão receber menos em termos líquidos face à situação de partida.

A terceira situação mostra que apenas o aumento do número de pensionistas e a redução do número de trabalhadores activos não coloca um problema se houver a mesma produção global e houver uma redistribuição diferente.

Admitindo que no pior cenário a economia portuguesa irá estagnar e não reduzir a sua capacidade produtiva, a questão da sustentabilidade da segurança social é sobretudo uma questão de distribuição.

Gostava de conseguir avaliar as diferentes propostas no quadro desta economia simples e fictícia, para conseguir depois perceber os seus efeitos na economia complexa e real que temos.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (5).

Depois do conjunto de compromissos, a que dei atenção nos posts anteriores, a coligação PSD – CDS apresenta um conjunto de garantias. O que é um aspecto curioso, pois a apresentação de garantias pressupõe uma razoável capacidade de as assegurar. O que não sucederá em vários dos casos.

A primeira garantia é “… que Portugal não voltará a depender de intervenções externas e não terá défices excessivos”. Esta garantia é plenamente consistente com os compromissos enunciados antes. A pergunta fundamental é como se efectiva a garantia? aumentando impostos sempre que necessário? quais? reduzindo automaticamente despesas? se sim, quais?

A segunda garantia é uma ambição, não algo que se possa garantir: “crescimento económico robusto e gerador de emprego (…) crescimento económico médio de 2% a 3% nos próximos 4 anos.” Não é dito se é crescimento do PIB per capita em termos reais ou em termos nominais (sem ou com inflação incluída). A última vez que se conseguiu ter um crescimento continuado desta magnitude foi no período 1996 – 2000.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (4).

O quarto compromisso que surge é “Fidelidade a um modelo de crescimento económico que assegure a sustentada criação de riqueza e a criação de emprego”. É uma preocupação (correto) com a necessidade de capacidade exportadora e com a necessidade de investimento privado, além da habitual “aposta” na investigação / inovação / tecnologia.

Mais curiosa é a referência às economia verde, economia azul e economia social (qual será a sua cor?). O receio é que se esteja a pensar em tudo o que exige apoio do Estado senão não tem viabilidade económica. É uma tentação terrível ter “projectos de estimação” que sejam apenas rentáveis enquanto houver dinheiro público, e este aspecto tem que ser muito claro nas propostas concretas. Ficava mais descansado se falassem em remover obstáculos ao seu desenvolvimento do que em dar apoios (que normalmente são acompanhados de lobbying e actividades de rent seeking diversas).

Sobre o quinto compromisso “5 Consolidação dos princípios e valores do Estado de Direito” não tenho realmente qualquer comentário nesta altura, sendo fácil concordar genericamente com os princípios enunciados.

O sexto compromisso é mais interessante, “6 Continuação da reforma do Estado, por forma a contribuir adicionalmente para o reforço da sua eficiência” falando-se depois em “progressiva promoção da liberdade de escola no âmbito dos sistemas público”. Porquê este compromisso? é um princípio absoluto quaisquer que sejam os seus custos? Como é se lida com a heterogeneidade de preferências das pessoas? e como limitar favorecimentos e abusos (afinal uma das razões da burocracia é garantir igual tratamento).

As referências à descentralização trazem à memória as experiências de capacidade de despesa local paga por fundos gerais, criando o problema da “conta do restaurante”: com benefícios concentrados e custos dispersos, instala-se uma piscina municipal aquecida em todo lado, ao pé de uma pista de atletismo olímpica e uma meia dúzia de rotundas com obras de arte no centro. A respeito do que possa ser descentralização, sugiro uma leitura do documento que saiu da série de discussões “Sextas da Reforma“, em particular o painel XI “Território, desenvolvimento económico e descentralização orçamental”.

Os compromissos 7, 8 e 9 deixo para análise dos especialistas em ciência política, pois cobrem “empenho na modernização do sistema político, estabilidade em matéria de políticas relacionadas com as áreas de soberania, presença ativa no domínio europeu e na cena internacional”.

Não houve, nestes compromissos, qualquer detalhe significativo quanto ao sector da saúde, pelo que é lícito assumir que o financiamento das despesas em saúde manterá o seu padrão histórico, na perspectiva da coligação para a próximo legislatura. Quanto ao papel do Serviço Nacional de Saúde, fica a dúvida de em que medida será ou não afectado pelas parcerias sociais mencionadas. Uma discussão mais detalhada do que propõe a coligação será deixada para a momento da apresentação do respectivo programa eleitoral.

Tal como na análise do programa eleitoral do PS será interessante ver em que medida os esforços de reflexão independente conseguem ser incorporados nas opções políticas (o relatório Gulbenkian no caso da saúde, o documento “Sextas da Reforma” promovido pelo Banco de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian e Conselho das Finanças Públicas.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (3).

O documento de orientação do PSD e CDS para a elaboração do respectivo programa eleitoral inclui ainda um conjunto de compromissos.

O primeiro compromisso é expresso como “1. Manutenção da credibilidade financeira, evitando políticas ou situações que conduzam a novas intervenções externas e assim salvaguardando a soberania nacional reconquistada”. Não diz muito sobre o que se está disposto a fazer para o garantir. São dados os objetivos deste compromisso mas não são identificados os instrumentos possíveis, e dentro destes quais os que serão preferenciais na acção governativa. É um aspecto que se deseja ver clarificado no programa eleitoral que venha a ser divulgado.

O segundo compromisso é “2. Recuperação do poder de compra e melhoria das condições de vida dos cidadãos”. A pergunta imediata é que este aspecto está na mão do Governo. Pode ser um objectivo mas dificilmente um compromisso. O seu desenvolvimento no documento limita-se a enunciar formas de desfazer as medidas adoptadas durante o período de resgate financeiro internacional. Dificilmente se pode ser aqui um compromisso mobilizador ou inabalável

O terceiro compromisso é “3. Fortalecimento do estado social”. Embora não tenha grande concretização, apresenta uma ideia nova: parcerias público – sociais, para as quais se reclamam duas características positivas – capacidade  de gerar poupanças, e trazerem “humanização” na intervenção. Neste ponto específico, há que ser exigente com a ideia, sem a deitar fora de momento: qual a evidência que existe sobre a melhor capacidade de gestão na economia social/solidária? são as boas experiências que consigam apresentar generalizáveis?

No campo da eficiência de hospitais, por exemplo, estudos repetidos ao longo de vários anos, em diversos países, não conseguiram estabelecer uma superioridade, em termos de eficiência (isto é, capacidade de gerar poupanças) entre hospitais públicos, hospitais privados com fins lucrativos (sector empresarial) e hospitais privados sem fins lucrativos (sector social). Se é assim no campo hospitalar, não há razão para ser diferente noutras áreas, como a educação.

Normalmente, o que é fundamental é o quadro institucional de funcionamento, e se for dado às entidades do sector social um enquadramento em que todas as perdas que possam ter são absorvidas pelo sector público, é fácil prever que terão os mesmos problemas e vícios do sector público que pretendem substituir. Se lhes for dada a oportunidade de se comportarem como monopolistas privados, as entidades do sector social não deixarão de o fazer em vários casos, com os mesmos vícios dos monopolistas privados, e com o argumento de que como não têm fins lucrativos tudo o que fazem promove a solidariedade social. Assim, uma aposta desta natureza no sector social, legítima do ponto de vista da actuação política e também discutível nesse campo político, terá que ser muito clara sobre quais os mecanismos de controle e exigência sobre essas parcerias público – sociais (por exemplo, se falirem, deve-se garantir que os custos associados se repercutem sobre o parceiro social). E não deve haver receio de substituição de um parceiro social por outro que se apresente como tendo maior eficiência.

No restante, teria sido adequado que os principais desafios ao estado social tivessem sido identificados e as opções disponíveis analisadas. “Fortalecimento do estado social” é certamente um termo que todos (ou quase todos) os partidos partilharão, mas depois terão diferenças no que significa realmente e em como fazer. É esta última parte que deveria ter mais detalhe.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (2)

O segundo grande eixo organizador definido pela coligação é a qualificação. Tal como a demografia, também este é um aspecto de longo prazo, que iá muito além da próxima legislatura. As orientações propostas parecem-me consensuais em grande medida, focando bastante no que podemos designar por “factores de produção” da qualificação. Senti contudo falta de uma visão que ajude a consolidar medidas para o longo prazo e que tenham a persistência suficiente para esperar pela produção de resultados.

O terceiro eixo é o ambiente para o desenvolvimento das actividades económicas. Sendo elencados diferentes factores, há um que julgo fundamental ser incluído, e que de alguma forma se liga ao aspecto da qualificação: a qualidade da gestão das pequenas e médias empresas nacionais.

Dos factores que foram identificados explicitamente no documento, insiste-se na redução do IRC, que beneficia (muito provavelmente) as empresas dos sectores com menor concorrência (que coincidem fortemente com os sectores de bens não transaccionáveis, ou sejam sem capacidade exportadora ou substituição de importações).

Outro factor identificado, “favorecendo soluções que contribuam para a capitalização das empresas”, deverá ser alargado a soluções de financiamento das empresas reduzindo a dependência que em Portugal se tem do canal bancário para esse financiamento das empresas.

Não se conseguiu resistir, por outro lado, à tentação de identificar sectores “campeões”. Se há sectores que têm vantagens competitivas, qual a necessidade de os proteger de alguma forma (o usual significado de “apostar”). Porquê? Qual é a falha de mercado? Quais os custos de intervenção quando não há falha de mercado?

Quanto ao mercado laboral, e suas condições, é expresso unicamente em preocupações de ter aumentos salariais em linha com os aumentos da produtividade (da empresa? do sector? da economia como um todo?)

É redutor pensar só neste aspecto. O programa eleitoral do PS e em particular o documento “Centeno” dos 12 economistas é bastante mais rico neste campo e com soluções, que podem e devem ser discutidas, para problemas e estrangulamentos do mercado de trabalho em Portugal.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (1)

Depois do programa do PS, é agora tempo de olhar para as “Linhas de Orientação Geral para a Elaboração do Programa Eleitoral” do PSD + CDS. A seu tempo teremos oportunidade de ver os detalhes, suponho.

A parte I faz essencialmente uma descrição elogiosa da actuação do Governo de 2011 até aos dias de hoje. Coloco na categoria de discussão política, e deixo para outros a tarefa de “fact checking” do que é afirmado nesta parte.

E assim entro directamente na parte II, entitulada “Desafios para um futuro melhor”, e onde são traçados três grandes desafios que suponho venham a ser enquadradores das medidas propostas no programa eleitoral: demografia, qualificação e ambiente económico.

A demografia tem uma dupla tenaz: a baixa natalidade e a pressão de uma população idosa. No caso da natalidade, fala-se em medidas que a promovam. Será necessário ter em consideração que recuperar a natalidade demora muito metro, e não creio que se saiba realmente o que funciona como “alavanca”. Gostaria que a par das medidas do programa eleitoral fosse dada informação concreta sobre evidência do problema que se espera resolver com cada medida, e que evidência de apoio a essa medida existe. Por exemplo, a alteração do quociente familiar em sede de IRS espera-se que se traduza em aumento do número de nascimentos por ano daqui a 5 anos?

Do lado do envelhecimento, retoma-se o termo já comum de “envelhecimento activo”, com uma componente de “prolongamento da vida laboral de forma voluntária”. Uma vez mais seria bom concretizar o que significa – atualmente existe uma discussão sobre o índice de active ageing proposto pela Comissão Europeia, e há uma proposta de ter um indicador individual de active ageing, aplicável em Portugal, que siga os mesmos princípios do indicador agregado (ver aqui). Quais as dimensões em que o programa eleitoral vai incidir?

O terceiro elemento que surge dentro dos aspectos demográficos é a inversão dos fluxos migratórios. Aqui vale a pena ter em conta o objectivo mais ambicioso de colocar Portugal como destino de novos empresários, ou simplesmente como destino de vida para jovens profissionais. Se Portugal for visto como uma região europeia onde vale a pena viver, profissionalmente e em termos de vida privada, qualquer que seja a nacionalidade, então também terá de forma natural maior capacidade de reter a sua população jovem.

Ser atractivo para jovens profissionais de outros países é bastante mais exigente do que apenas reter os jovens nacionais. Obriga a simplificar: os processos associados com a permanência legal no país, a relação entre o Estado e o cidadão, a relação entre as empresas de serviços básicos e os consumidores, etc.

Pode-se até pensar em como podemos ter uma participação plenas desses cidadãos estrangeiros na vida cívica em Portugal, incluindo política e cargos na função pública.

Existe um conhecimento informal “do que fazer para resolver problemas” na sociedade portuguesa que terá de ser revisto e simplificado. Nestas conversas vem sempre à memória a facilidade com que se cai em problemas do tipo “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?” – para alugar uma casa (com contrato) é preciso ter número de contribuinte, para ter número de contribuinte é necessário ter residência fiscal, a qual para um estrangeiro  jovem passa mais facilmente por alugar uma casa. Não sei se ainda é assim, também com abertura de conta bancária houve no passado situações similares. Certamente há outros exemplos.

Adoptando um termo que ficou, é necessário um Simplex para inicio de vida de um estrangeiro em Portugal.


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Programa eleitoral do PS (4)

Continuando a análise do programa eleitoral do PS, um aspecto relevante é a intenção de “reformar a organização interna e modelo de gestão dos hospitais” e a avaliação das PPP, a que adicionaria a avaliação das unidades locais de saúde. A avaliação da qualidade de gestão em cada um dos modelos é relevante, em diferentes dimensões. Há uma tensão visível na gestão de unidades de saúde, em especial hospitais, entre administradores hospitalares “de carreira” e gestores vindos de outras áreas. Na verdade, a formação base é menos importante do que saber qual a qualidade da gestão realmente praticada, e se tem relação sistemática com formação base ou com características do modelo de governação da organização.

Existem formas de procurar fazer essa avaliação, e em formato quase piloto, conheço pelo menos duas tentativas de o fazer, mas que não chegaram a ser alargadas a todos os hospitais (sobretudo por falta de interesse dos mesmos e das entidades públicas). Uma primeira linha vem da investigação de Vitor Raposo. Uma segunda linha surge por Cláudia Iglésias, no seguimento de trabalhos internacionais no mesmo sentido (de Bloom, Propper, Siedler e van Reenen).

Além disso da informação sobre a qualidade da gestão num momento do tempo, interessa saber qual o modelo de gestão que permite ter uma dinâmica de adaptação e evolução mais adequada às necessidades (de cuidados de saúde da população). Retomando aqui a visão proposta pelo Relatório Gulbenkian, interessa também saber que modelo de gestão dos hospitais fomenta melhor a) procura de melhoria contínua da qualidade, onde se inclui evitar desperdícios (na feliz expressão “do right the first time”), e b) melhor ligação aos cuidados de saúde primários, por um lado, e cuidados continuados, por outro lado. Os critérios relevantes para avaliação das “experiências hospitalares existentes” não se podem cingir aos meros custos unitários de tratamento de doentes, e têm que ter em conta estes aspectos dinâmicos.

(E mesmo a utilização de custos unitários de tratamento não é o melhor critério, pois é necessário acomodar a potencial presença de economias de escala e de economias de diversificação de actividades para se poder fazer uma avaliação adequada – os instrumentos e conceitos técnicos existem, basta aplicá-los, o que exige cuidado metodológico).

A referência à qualidade nos cuidados prestados surge agora no programa eleitoral, em adição ao que estava na proposta de programa, o que é de saudar: “Apostar em modelos de governação da saúde baseados na melhoria contínua da qualidade e na valorização da experiência e participação do utente bem como na implementação de medidas de redução do desperdício, de valorização e disseminação das boas práticas e de garantia da segurança do doente.” Se noutros pontos tenho referido o Relatório Gulbenkian como dando pistas que poderiam ser consideradas, neste ponto concreto há uma convergência entre o programa eleitoral e o Relatório Gulbenkian na importância deste aspecto.


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IMF country report 15/21 sobre Portugal

O relatório, de Janeiro de 2015, tem dois pontos centrais: necessidade de reforçar a estabilidade do sector financeiro num contexto de baixa taxa de crescimento económico e excessiva dívida empresarial.

É também referido que a política orçamental, no seu objectivo para 2015, se baseia em projecções optimistas.

Há também o risco do investimento produtivo vir a ser mal direcionado, pois os preços dos bens transacionáveis voltaram a crescer durante o ano de 2014, o que torna esse sector relativamente mais atractivo para investimento, dependendo da evolução dos respectivos custos. Resta saber, o que não é detalhado no relatório, se esse aumento de preços decorreu de aumento de custos e talvez até menor margem nos sectores não transacionáveis, ou se é resultado de capacidade em aumentar em preços (poder de mercado).

Retira-se igualmente da leitura do relatório que as limitações ao crescimento e ao emprego continuam presentes. Em particular, a elevada dívida das empresas impede o investimento produtivo. Por seu lado, os desempregados vão perdendo a sua capacidade de inserção no mercado de trabalho.