O elemento seguinte na discussão do Plano Costa Silva é o “modelo geopolítico”, onde se retoma José Saramago e a “Jangada”, com a ideia da projeção de “softpower” para o mundo. Neste aspecto geo-politico, ao contrário da discussão das vantagens competitivas, há a enumeração de instrumentos. Contudo não há qualquer referência a quem paga, quanto se paga e que se retorno se pode esperar. Num documento que se propõe ser de visão estratégica para a recuperação económica, faria sentido ter essa informação. Sendo esta parte voltada para o posicionamento político de Portugal no mundo, abstenho-me de comentar, por não ser do meu campo de conhecimento (mesmo que como cidadão possa ter opinião sobre o assunto).
A subsecção que surge depois tem como título “Transformar a crise em oportunidade”. A primeira parte é dedicada ao potencial da exploração económica do mar como elemento para a recuperação económica tendo dois pontos fundamentais: recursos minerais estratégicos e conhecimento sobre o mar. Mas além da criação de “uma grande Universidade do Atlântico”, não há propriamente uma indicação ou sugestão de como a restante parte da visão pode “arrastar” os setores tradicionais. E a criação de uma universidade demora mais tempo do que o necessário para poder contribuir para a recuperação económica. É uma ideia para o médio e longo prazo – colocar Portugal na linha da frente da produção do conhecimento científico sobre o mar – e vai exigir investimento em recursos que não terão logo efeito, e definição clara de como o valor do conhecimento gerado será depois transformado em valor económico. Dizer apenas, com muitas palavras, que as empresas portuguesas não podem ficar de fora dos mercados internacionais, sobretudo querendo usar a inovação como essencial para o seu crescimento é retomar ideias que já tinham sido apresentadas.
Logo de seguido, e de uma forma que aparece um pouco “caída do céu”, entra-se numa discussão sobre a estrutura produtiva, onde se recuperam aspetos que há pelo menos 25 anos estão em todas as discussões sobre o desenvolvimento da economia portuguesa: mais investimento privado, mais emprego, mais qualidade do trabalho (mais capital humano), mais investimento em inovação, mais investimento público em infraestruturas e menos custos de contexto (regulação, justiça, energia), e com preocupações de “redistribuição”. Só que nada se diz sobre que prioridades, se é de apostar em tudo um pouco, ou se algum elemento deve ser tratado primeiro (por exemplo, vale a pena procurar atrair mais investimento privado nacional e estrangeiro se não se reduzirem os custos de contexto? Ou como aumentar a qualidade do trabalho? – uma possibilidade é facilitar a mobilidade de trabalhadores entre empresas para que consigam encontrar os pares empresa-trabalhador mais produtivos (rever a sugestão de ler o livro de Mário Centeno sobre o mercado de trabalho é automático aqui). E mesmo nos programas de “combate às desigualdades”, quais são os que vale a pena manter e os que vale a pena mudar ou eliminar? Quaias as necessidades de redistribuição que ainda não estão cobertas e precisam de programas adicionais? Estes programas de redistribuição ajudam também na criação de riqueza, ou na procura da redistribuição reduz-se a riqueza para redistribuir? É natural que nem toda esta discussão conseguisse ser colocada neste documento, mas sendo assunto tratado em vários documentos e trabalhos ao longo de décadas em Portugal, seria pelo menos adequado haver aqui uma síntese das principais dificuldades e equilíbrios entre diferentes objetivos. Se não aprendermos melhor com o que correu bem e correu mal nos, pelo menos, últimos 25 anos, então o mais provável é que se faça desaparecer os fundos (ou que nem cheguem a aparecer, por falta de ideias válidas e que não repitam erros passados), e daqui a 10 anos haverá novo Plano de Recuperação Económica.