O Plano dedica uma subsecção a “Infraestruturas de transporte e mobilidade”, em que se fala da construção de infraestruturas (físicas) como “alavanca da economia nacional”, o que provavelmente será o caso, mas então parece-me que se está novamente no “modelo de baixos salários” que se queria evitar? Por outro lado, a construção de infraestruturas é provavelmente a forma mais rápida de retomar alguma atividade económica – o que se mostra a necessidade de uma visão integrada de todos os elementos da economia, e como se conjugam, o que não sucede de forma completa neste Plano. Basta pensar se que a construção de infraestruturas é uma “alavanca”, então é possível que o investimento privado se dirija para a construção (afinal, é onde vai estar dinheiro), e como tal não se investe nas biotecnologias e no mar. Não contesto, de todo, a importância de infraestruturas de qualidade para o transporte público e para uma nova mobilidade citadina – a prazo, serão importantes quer para lidar com uma população envelhecida mas que se pretende ativa, e com a capacidade de atrair e reter jovens profissionais em áreas de ponta (com elevado valor da produtividade, e logo salários elevados). O comentário é que essa visão de conjunto tem que estar presente, para se perceber em que ponto da estrutura económica se pode criar maiores efeitos de “arrasto” do resto da economia e efeitos alinhados com a visão estratégia global para a recuperação económica e crescimento de longo prazo. (claro que é mais fácil juntar estas palavras todas do que realmente apresentar essa visão, só que antes de passar a planos concretos, é crucial conseguir ter e transmitir essa visão de integração).
Seguem-se alguns parágrafos, cada um dedicado a um tema, sem grande concretização: infraestruturas ambientais e de energia, transição digital , consolidar o Serviço Nacional de Saúde (que tratarei num comentário próprio, em mais detalhe); reconversão industrial, com retomando as ideias de clusters. Curiosamente, pensei a dada altura que o Plano se orientaria mais para competências – independentemente do setor onde se aplicam – do quem em setores, uma vez mais. A tentativa de adivinhar sempre um futuro através de identificação de sectores dificilmente consegue ser evitada neste tipo de documentos. Parece-me mais interessante que as políticas públicas ajudem, ou não atrapalhem, elementos que levem a novos modelos de produção ou a experimentação de novos modelos de negócio, do que dizer que o futuro da economia portuguesa passar pelas plataformas logísticas, tratamento de resíduos, economia circular, mar, etc…(há 12 áreas “magnificas” identificadas).
Nesta parte da renovação empresarial fala-se, corretamente, da necessidade de introduzir mais prática de investigação e desenvolvimento e consequente inovação nos setores tradicionais. Embora também aqui sinta a falta de alguma informação mais sobre as ideias que o Plano quer colocar para discussão. Apoiar todos os sectores ao mesmo tempo significa que não se irá apoiar nenhum de forma consistente. Ou então é criar instrumentos de apoio, e cada sector é apoiado na medida em que se consiga mostrar mais capaz de os aproveitar (cada empresa em termos absolutos dos resultados que poderão obter, e em termos relativos face ao que as outras empresas apresentam). Em concreto, a discussão de “incentivos” deveria fugir ao tradicional efeito subsídio – sobretudo evitar que haja projetos de investimento que apenas são rentáveis enquanto durar o subsídio público, desejavelmente os incentivos deveriam ter um elemento associado com o desempenho conseguido (e não apenas com a “execução de verbas”, forma elegante de dizer que desaparece o dinheiro sem que nada mude), como é estes “incentivos” contribuem para a capitalização das empresas portuguesas, como contribuem para a internacionalização, que “barreiras” permitem ultrapassar que não seriam ultrapassadas se não houvesse os “incentivos”, como é que os “incentivos” contribuem para uma melhor qualidade de gestão das empresas nacionais (em vez de apenas para uma melhor capacidade de exercer influência para receber os incentivos)?
A dado ponto do Plano (p.45) são referidas 11 empresas (e “muitas mais”) como exemplos empresariais de desenvolvimento e crescimento com base na ciência e tecnologia. Para estes exemplos, seria muito interessante saber uma decomposição do seu sucesso entre esforço do empresário/empresa, sorte no mercado, mecanismos de política industrial gerais e “visão estratégica do sector público” específica.
Decorrente desta discussão surge então a “dinamização de um cluster do hidrogénio em Portugal”. Este aspeto específico tem tido discussão na praça pública, pelo que não sinto especial vocação para comentar adicionalmente tirando o comentário geral de esta dinamização dever ser “remover barreiras” e não “promover taxas de retorno elevadas e sem risco” via subsídios artificiais – ou seja, a haver apoios, porque é que os fundos para esta “dinamização” têm maior taxa de retorno que dirigir os fundos para outras alternativas de aplicação.
Surge também a discussão sobre os “recursos minerais estratégicos”, com enfoque nos que estão no “mar profundo”. De toda a discussão sobre a utilização destes recursos, e sobre a sua extração, fiquei com duas grandes questões por resolver, a que o texto do Plano não dá resposta: a) fazemos apenas extração ou o Plano prevê que em cima destes recursos minerais se cria valor acrescentado? b) será que o desenvolvimento desta “extração” pode colocar desafios ao desenvolvimento de novas tecnologias de uma forma que crie efeitos mais gerais, que desafios para a engenharia e outras áreas?
No campo seguinte, da transição energética, nada de novo a assinalar, dentro da lógica da transição para a “economia verde”.
O tópico seguinte é sobre a coesão do território, a dúvida principal que fica é sobre como lidar com o problema de aglomeração natural de atividades económicas criarem desequilíbrios geográficos internos na distribuição de empresas e pessoas. Não é possível todas as zonas terem todas as atividades produtivas – que equilíbrio se pretende ter entre diversificação geográfica e economias de escala, por um lado, e entre concentração geográfica e solidariedade interna entre regiões? E voltamos à necessidade de uma visão de conjunto – se é escolhido dar “incentivos” para algumas atividades, se estas atividades têm de ser desenvolvidas por empresas suficientemente grandes para terem economias de escala e assim serem competitivas nos mercados internacionais, para o que precisam de elevada produtividade (que trará consigo salários mais elevados), a diversificação regional poderá não ser possível, e neste caso são os apoios públicos podem gerar desigualdades regionais na criação de riqueza, que terão depois de ser compensadas com alguma forma de redistribuição. E claro dar apoio a algumas atividades significa não dar a outras, pelo que haverá mais crescimento de emprego numas zonas no que noutras “Isto anda tudo ligado”
E inevitavelmente, ao falar do território, não se deixaria de falar do turismo no interior do país como elemento do desenvolvimento local. Num contexto atual de menor mobilidade global do turismo, o que será o papel deste turismo? Sobretudo turismo interno, como se viu na “enchente do Gerês” deste Verão? A capacidade do turismo interno ser sustentável depende naturalmente de como a economia se comportar.
No caso da agricultura, chamou a atenção de se falar de uma medida muito concreta “o reforço de financiamento em iniciativas como a do Centro Fraunhofer Portugal dedicado à agricultura de precisão”. Não conheço o que faz este centro, mas a predisposição para ter identificação de necessidades (encontrar soluções para problemas) a serem colocadas ao sistema científico e de inovação é uma forma promissora – haverá certamente iniciativas a conhecer na relação universidade / agricultura nas universidades do interior (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Universidade de Évora, Universidade da Beira Interior) e nos Institutos Politécnicos. Desde que a aposta no sistema científico de base universitária não seja apenas a proposta Universidade do Atlântico (ou haverá fundos para todos?).
Embora não seja dito, há o risco de se reforçar a divisão entre interior rural e litoral tecnológico, mas se pretendendo-se mudar indústria para o interior, perde-se terreno agrícola. E se as explorações agrícolas tiverem que aumentar a sua dimensão média (nada é dito quanto a isso no documento), não haverá a consequência de ainda menor densidade populacional a prazo? Ou estará na “deslocalização interna” de serviços, nomeadamente os que possam ser prestados à distância, (e não produção de bens) a forma de manter ou aumentar a população nas zonas do interior? O quadro global de equilíbrio geral da economia e da população não é todo claro, e medidas tomadas com base em abordagens parciais podem facilmente ter efeitos inesperados.