As primeiras páginas do Plano Costa Silva estabelecem apenas que a COVID-19 levou a medidas que geram uma recessão económica – redução da produção de riqueza -, daqui retirando Costa Silva a implicação de que depois da pandemia deveremos ter uma sociedade diferente, com “um modelo de crescimento mais justo, próspero e eficiente, no uso regenerativo dos recursos e dentro dos limites dos sistemas naturais”.
Este é um salto que grande, não sendo de todo claro que assim seja forçosamente. Em termos económicos, as medidas de controle da COVID-19 implicaram uma paragem de produção. Se as condições de saúde – descoberta de uma vacina ou de um tratamento – surgirem muito rapidamente, retomar a situação anterior não seria impossível. Existem por isso duas forças a ter em conta: a) a vontade de mudar da sociedade, sendo a COVID-19 um choque suficientemente relevante para levar à ação; b) a COVID-19 não ter rapidamente uma vacina ou um tratamento, levando à necessidade de novas regras nos contatos económicos e sociais, gerando mudanças na própria atividade económica.
Contudo, a discussão de visão estratégica que se segue no Plano Costa Silva poderia ser feita da mesma forma mesmo na ausência da COVID-19. A proposta é que Portugal deverá “explorar simultaneamente a sua relação continental com a Europa e a sua relação marítima com o mundo”. Esta visão de longo prazo poderia sempre ser feita. Uma pergunta é porque esta visão não foi adotada ou discutida antes, que barreiras existiram e que foram agora eliminadas para se assumir esta visão? A relevância em responder a esta pergunta está em perceber se será permanente assumir estas duas relações como “guias” para políticas públicas.
Estava à espera, depois de enunciada a “relação continental com a europa”, uma discussão sobre como Portugal participará, e beneficiará, da construção de uma identidade europeia, que ideias deverá Portugal defender no contexto da União Europeia, na lógica do “novo ciclo geopolítico” mencionado algumas linhas antes. Infelizmente, a “dimensão continental” limita-se neste documento à “rede ferroviária nacional” e através dela na participação na rede de transportes europeia. É certamente importante, mas é manifestamente pouco como parte de uma visão estratégica para Portugal.
O governo, se quiser apresentar uma versão final, melhorada, revista, de uma visão estratégica, terá de desenvolver mais o que se defende para Portugal na sua identidade europeia, na sua participação, e desejavelmente, liderança de algumas áreas, no contexto da União Europeia.
A dimensão atlântica, por seu lado, tem duas partes – as estruturas portuárias e garantir que existem as outras condições para serem rentabilizadas, e a criação de ações ligadas ao mar que possam gerar crescimento económico e desenvolvimento (conjugando aspetos ambientais, inovação e conhecimento, extração de matérias primas, e criação de uma “grande universidade do Atlântico, a ser líder mundial em áreas ligadas ao mar). Gosto da ambição de uma universidade líder nas diferentes valências de conhecimento ligadas ao mar. Mas não é claro se a ligação ao mar também tem uma componente de geopolítica (ou não). Parece-me perfeitamente possível fazer do mar, dos oceanos, um tema central na União Europeia (tanto mais que até existe uma Missão Oceanos a desenvolver uma ambição europeia nesse campo).
Ou seja, é necessário aprofundar significativamente o que significa ter uma dimensão marítima e uma dimensão continental europeia. Neste sentido, esta primeira parte do plano Costa Silva abre portas que não explora completamente. Ou se realmente se quer limitar a melhorar portos e infraestruturas de transporte que liguem esses portos à Europa continental, então teremos um retomar de ideias antigas em palavras novas. (algumas ideias próximas foram desenvolvidas a propósito da área de Lisboa pela equipa liderada por José Félix Ribeiro, numa iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, em 2015, texto disponível aqui).
28 \28\+00:00 Julho \28\+00:00 2020 às 09:31
Se bem entendo da tua perspectiva neste documento (2) faltam 3 temas de aprofundamento: 1- as opções politicas mais de fundo (o que falta saber) perante a situação da Europa pós 21 de Julho, em que os dirigentes da UE chegaram a acordo sobre um orçamento global de 1,824 biliões de euros para 2021‑2027. 2- a vocação ferroviária internacional para alem do tema Lisboa Porto Lisboa 3- O Mar como eterna promessa afogada. Portugal não sabe nadar é a evidencia habitual.
Concordando, acrescentaria mais um tema: o da profunda reforma do Estado (nas funções de segurança e administrativas)
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