Um assunto quente por estes dias é a decisão anunciada pelo Ministério da Saúde em transferir o Infarmed para o Porto.
As reações a esta decisão tiveram (estão a ter) um lado emocional inevitável, de várias naturezas. Numa observação mais fria, há que distinguir dois aspectos diferentes, que interagem mas são distintos.
Primeiro, o processo pelo qual a decisão é conhecida e justificada.
Segundo, o mérito da ideia.
Relativamente ao processo de anúncio, de surpresa, e sem conhecimento dos dirigentes máximos do Infarmed, e consequentemente dos próprios trabalhadores que souberam pela comunicação social. Se anunciar desta forma pelo Governo tinha a pretensão de comunicar a decisão de forma a evitar que houvessem resistências, tornando-a um facto consumado, então parece ter funcionado ao contrário dada a perplexidade geral. De todos os comentários que foram produzidos e que eu tenha visto, não vi a defesa da forma como foi comunicada a decisão. Também não houve justificação apresentada, o que torna a decisão mais próxima de uma interpretação (eventualmente injusta) de capricho politico do que uma medida de política devidamente pensada.
A comparação com o processo de seleção da localização da Agência Europeia do Medicamento é inevitável, em dois planos. Por um lado, o processo de decisão política teve vários meses e houve participação dos trabalhadores, ainda que a decisão final tenha sido integralmente tomada por agentes políticos (e com a pitada de surreal de decisão por sorteio). Mas no caso da localização do Infarmed, não houve qualquer informação sequer aos trabalhadores. É evidente que estes se sentem desconsiderados. É uma contradição de ação de um Governo que criticou práticas laborais de empresas privadas.
Por outro lado, no processo da Agência Europeia do Medicamento, o caminho do Governo foi anunciar que Lisboa seria candidata, afinal depois de protestos da “comunidade” do Porto, faz-se uma comissão, depois dos resultados da comissão, opta-se pelo Porto, faz-se a candidatura, tem-se um lugar na votação semelhante ao que é habitual no Festival Eurovisão da Canção (se excluirmos o que se passou este ano). Poucas horas depois, passa-se o Infarmed para o Porto (sem comissão, sem possibilidade de outras cidades se proporem). Um dos dois processos tem que estar errado, a menos que se tratem de processos de capricho político. E não será dificil imaginar que uma cidade como Coimbra também considerasse ter condições para receber o Infarmed. E na verdade, porque excluir muitos outros locais (pessoalmente, gostaria de ver uma candidatura de Vila Viçosa, ou de Viseu, ou de Viana do Castelo, ou Castelo Branco, ou Faro, etc…). O momento escolhido para o anúncio tornou inevitável a ligação entre as duas decisões, a europeia relativa à Agência Europeia do Medicamento e a nacional relativa ao Infarmed.
Sendo o Ministro da Saúde um excelente comunicador, e geralmente atento a estes aspectos, fica a curiosidade de saber qual o processo de decisão (não conhecido).
O segundo aspecto é se faz sentido o Infarmed sair de Lisboa. O que é uma decisão diferente de localizar uma nova agência. Como foi referido publicamente por várias pessoas conhecedoras de todo o trabalho realizado pelo Infarmed, há investimento que será preciso fazer de novo se todas as funções do Infarmed forem transferidas para o Porto. Já foi esclarecido que haverá um polo regional em Lisboa, mas a sede nacional será no Porto. Calculo que seja a forma de manter toda a componente que exija forte investimento (nomeadamente a parte laboratorial) em Lisboa, sem ter que o ir replicar ao Porto. Mas se é apenas a parte de “papel e lápis” (ou teclado de computador e reuniões, numa versão modernizada da expressão), então a pergunta que deve ser respondida é se o fraccionamento do Infarmed faz sentido. Não é de todo claro como é que a separação do Infarmed em pedaços contribui para um seu melhor funcionamento.
Se não contribuir então a justificação para a mudança (parcial) do Infarmed para o Porto terá que ser encontrada noutras áreas.
A pergunta fica então, qual o objectivo, qual o “problema” que se pretende resolver?
A resposta pode ser que o problema é “como diminuir a macrocefalia administrativa centrada em Lisboa?”. Que é uma pergunta legítima. Mas se for essa a pergunta, então muitas opções podem ser colocadas como resposta – a mais óbvia, e levantada por alguns comentadores, é que seria natural que uma nova agência para a investigação biomédica, criada agora, ficasse localizada no Porto. Como aparentemente a decisão é colocar essa nova entidade em Lisboa, resulta uma aparente contradição com o “problema” a ser resolvido.
Ou seja, também não resulta evidente do anúncio desta e de outras decisões qual o problema que tem como solução a passagem da sede do Infarmed para o Porto.
Sobre a incerteza lançada junto dos trabalhadores, é natural que agora se tenha menor concentração no trabalho, que alguns profissionais comecem a procurar colocações alternativas se não quiserem ir trabalhar para o Porto e decidam antecipar decisões profissionais para evitar essa incerteza. Neste aspecto, terá, com as diferenças de escala, similaridades com o Brexit e os trabalhadores de outros países europeus no Reino Unido. E pelo visto há também semelhança com a imprevisibilidade da decisão politica e dos humores dos decisores políticos.
24 \24\+00:00 Novembro \24\+00:00 2017 às 21:10
Oportuno e brilhante, como sempre !
GostarGostar
26 \26\+00:00 Novembro \26\+00:00 2017 às 22:34
Partilho da sua visão sobre este assunto! Sem mais explicações só pode ser 1 capricho político!
GostarGostar