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Observatório da dívida dos hospitais EPE, nº 38 – parte II

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A preocupação com as dividas dos hospitais EPE, nomeadamente no que diz respeito aos pagamentos em atraso, resulta do meu entendimento de essas dívidas serem o reflexo de problemas estruturais de gestão.

Face à evolução mais recentes, dos últimos meses, tenho recebido algumas perguntas sobre se há, ou não, motivo de preocupação.

Numa primeira visão, e atendendo a que no final de 2016 houve um esforço visível de redução dos pagamentos em atraso, o acelerar do crescimento dos pagamentos em atraso nos primeiros meses do ano poderá ser apenas um retomar da tendência subjacente, pois injectar dinheiro para pagar dívidas em atraso não afecta a dinâmica de funcionamento dos hospitais. Esta interpretação inicial foi de algum modo reforçada pelos acréscimos nos pagamentos em atraso estarem a ser sucessivamente menores ( em Janeiro,  em Fevereiro, em Março e em Abril, segundo a execução orçamental publicada pela Direcção-Geral do Orçamento).

Contudo, por vezes é conveniente ir um pouco mais longe na análise. Em particular, neste caso, interessa saber se os pagamentos em atraso se concentram num conjunto pequeno de entidades, ou se está disperso, por um lado, e saber, por outro lado, como está a evoluir essa dispersão. Se estiver a aumentar tem-se um problema mais geral, enquanto se a dispersão estiver a diminuir, indicando uma concentração da criação de pagamento em atraso num conjunto pequeno de unidades do Serviço Nacional de Saúde, então tem-se um problema de gestão mais controlado. A actuação pública num e noutro caso deve ser distinta.

Como indicador da concentração dos pagamentos em atraso utilizo uma média ponderada do peso de cada entidade do SNS no total de pagamentos em atraso do SNS, sendo o ponderador dado por essa mesma proporção. Ou seja, o indicador é obtido como a soma do quadrado do peso de cada entidade no volume global de pagamentos em atraso. Este é um indicador “emprestado” pelas análises de concentração de empresas no mercado. Tem valor máximo, igual a 1, quando uma só entidade é responsável por todo o volume de pagamentos em atraso, tem valor zero se não houver pagamentos em atraso, tem valor 1/n se o problema estiver igualmente disperso pelas n entidades que estejam a ser monitorizadas (incluídas ma contabilização dos pagamentos em atraso).

Usando informação publicamente disponível (pelo menos por enquanto), calculou-se a evolução deste indicador nos últimos anos. Está informação publicamente disponível permite igualmente conhecer que unidades do Serviço Nacional de Saúde mais contribuem para estas dívidas em atraso.

Usando os dados mensais disponíveis, constata-se que uma só entidade, o Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria e Hospital Pulido Valente) é responsável por um quarto, aproximadamente, destas dívidas em atraso.

A evolução dos últimos meses, ao apresentar uma concentração decrescente, com um aumento dos pagamentos em atraso em valor total, significa que o problema se está a generalizar. A leitura conjunta da evolução da concentração e do volume total de pagamentos em atraso é necessária, pois uma menor concentração  com menos pagamentos em atraso poderia ser o resultado de se estar a resolver o problema nas entidades com maior contributo para os pagamentos em atraso.

De uma forma simples, o quadro seguinte ilustra a leitura.

  Pagamentos em atraso
A diminuir A aumentar
Concentração

 

A aumentar em resolução, com maior contributo das unidades menos problemáticas problema agrava-se e sobretudo nas unidades onde já era maior
A diminuir em resolução, sobretudo nos casos com mais problemas problema em generalização

É agora o momento de olhar para as figuras referentes a 2016 e a 2017 desta matriz, em que D_D corresponde à variação dos pagamentos em atraso (negativa, se a diminuir; positiva, se a aumentar), e D_H corresponde à variação da concentração.

Em ambos os anos predomina uma evolução mensal no sentido da generalização do problema – há progressivamente mais hospitais com uma maior dívida, com um aumento relativo maior nos hospitais que tinham um peso pequeno.

Screen Shot 2017-06-27 at 00.16.23

Ano de 2016

Screen Shot 2017-06-27 at 00.16.50

Ano de 2017

 

Assim, com base nesta informação adicional, o aumento das dividas em atraso verificado nos últimos meses corresponde a uma generalização do problema, e é, por isso, provavelmente mais do que apenas o retomar de uma tendência passada, interrompida por um esforço de final de ano.

Por outro lado, fica também claro que é um problema concentrado em algumas unidades, aspecto que é certamente conhecido de quem faz o acompanhamento regular da situação financeira destas unidades do Serviço Nacional de Saúde. Aliás, no passado fim de semana, em entrevista ao Expresso, o Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria) falava em cerca de 250 milhões de euros de dívida. Os pagamentos em atraso são cerca de 146 milhões de euros (referente ao mês de Abril de 2017), sendo apenas este centro hospitalar responsável por quase 23% do total dos pagamentos em atraso.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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