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Sobre utilização de urgências

1 Comentário

Na semana passada surgiram notícias sobre a proporção de “falsas urgências” nos hospitais (aqui e aqui). Esta questão não é nova. Por exemplo, no ano passado, em Julho de 2015, no Público, Romana Borja-Santos, retomava o tema.  E em 2011, no último relatório de proposta de reforma hospitalar que está publicamente disponível (pelo menos enquanto a comissão criada pelo atual Governo não tornar públicos os resultados do seu trabalho) esse aspecto era explicitamente referido. O então Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar escrevia propunha usar mais a Linha Saúde 24 e colocar mais meios nos cuidados de saúde primários.

O problema central é o que devem fazer as pessoas quando se sentem doentes, e que informação têm para poder tomar a sua decisão. E apesar da percentagem das ditas “falsas urgências” continuar em cerca de 40%, entre 2013 e 2015 houve uma alteração no padrão de utilização, com um maior recurso aos médicos de família e consultas programadas e menor recurso às urgências hospitalares no SNS (ver aqui).

Resolver as “falsas urgências” implica que haja confiança noutras respostas à necessidade sentida, que haja o conhecimento dessa disponibilidade, e que a utilização dessas alternativas seja satisfatória. A medida adoptada de não pagamento de taxa moderadora quando há referenciação da linha saúde 24 é um bom exemplo de organização do sistema de saúde que vai nesse sentido. E sobretudo é preciso conhecer as razões desse recurso às urgências hospitalares. Para ajudar na construção desse conhecimento, se tiver disponibilidade para responder a um conjunto rápido de perguntas, agradeço, e mais tarde colocarei aqui no blog o agregado das respostas conseguidas, e sua comparação com as mesmas perguntas feitas no passado: responder aqui.

Os resultados de 2012 e 2014 desta amostra “via internet” estão disponíveis nos seguintes posts deste blog: (1), (2), (3), (4) e (5), caso tenha curiosidade.


O que dizia em 2011 o Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar:

“Estimular a utilização da Linha Saúde 24 bem como dotar, progressivamente, os CS dos recursos humanos e técnicos necessários para disponibilizarem consultas aos cerca de 40% de doentes, em cuja triagem nas urgências hospitalares tem sido atribuída a classificação de verde ou azul, garantindo um tempo de resposta de consulta não superior a 12 horas. (p.18)

5. Atender os Doentes triados como “Não Urgentes” fora das Urgências Hospitalares

_I. Justificação

Sabemos há anos que nem todas as idas às urgências correspondem a verdadeiras necessidades de tratamento urgente conforme definido tecnicamente.

As urgências hospitalares vêem-se assim confrontadas com um volume enorme de doentes, que exigem por sua vez um grande número de profissionais disponíveis para os atender. Esta exigência tem enormes custos em recursos humanos para os hospitais. No entanto, se não oferecermos alternativas às populações, a situação manter-se-á.

O primeiro objectivo do sistema deve ser o de conseguir evitar que os doentes não urgentes se desloquem às urgências. Isto só acontecerá se tiverem alternativas satisfatórias noutros níveis de cuidados, nomeadamente nos Cuidados de Saúde Primários. Não vamos pronunciar-nos sobre as alterações a promover neste nível de cuidados, visto haver um grupo de peritos designados para o fazer especificamente, ao mesmo tempo que existe um grupo nomeado para estudar as urgências de forma global.

O objectivo fundamental é, portanto, evitar que as populações se desloquem às urgências hospitalares, e não necessariamente “devolvê-las” uma vez que lá se encontrem (embora entendamos que não se deva excluir igualmente essa hipótese).

Portugal usa há anos em grande parte das suas urgências hospitalares o sistema de triagem de Manchester. Com todos os problemas que possa ter, o sistema resolveu um problema gravíssimo antes da sua entrada em vigor: os utentes eram tratados simplesmente por ordem de chegada, sem qualquer critério clínico

Uma solução possível, preconizada inclusivamente pelo grupo de triagem de Manchester (Mackway-Jones et al., 2006), passa pelo direccionamento dos doentes menos urgentes para outros níveis de cuidados. Estes têm necessariamente que estar disponíveis. Há que decidir adicionalmente que protocolos orientarão o reencaminhamento: os utilizados no sistema de triagem de Manchester? Os utilizados na Linha de atendimento telefónico Saúde 24 (que, note- se, em muitas circunstâncias já aconselha os doentes a não ir a urgências hospitalares, sugerindo antes o recurso ao Centro de Saúde ou inclusivamente aconselhando o doente a ficar no domicílio)?

_II. Descrição

Urge, antes de mais, caracterizar, por área geográfica, a população triada como menos urgente nas urgências hospitalares: que patologias têm? De que áreas geográficas vêm? Este conhecimento permitirá planear programas de gestão clínica dirigidos a patologias e grupos populacionais específicos.

Em segundo lugar, urge promover a utilização pelos cidadãos da Linha de atendimento telefónico supracitada.

Depois, conforme previsto já na legislação que organiza os serviços de urgência, e sem prejuízo do que venha a propor o grupo de trabalho nomeado especificamente para estudar as urgências, para descongestionar serviços centrais, temos que garantir a funcionalidade de Serviços de Urgência Básicos, que consigam resolver a maior parte das questões minor.

A medida exige a revisão da rede de SUB existentes e a dotação de cada um com as condições mínimas para funcionar (para além da capacidade de realizar exames complementares de diagnóstico simples, como análises, ECG e RX, é fundamental dotar estas unidades de profissionais com o know-how e o à-vontade suficiente para dar de facto resposta cabal às solicitações, nomeadamente médicos de MGF com experiência de serviços de urgência hospitalar e/ou especialistas hospitalares, incluindo internistas, cirurgiões gerais e/ou pediatras).

_III. Impactos

Esta medida terá sobretudo impacto em termos qualitativos, reduzindo o tempo de espera nas urgências hospitalares. Tem também enorme impacto sobre os doentes, que não precisam de se deslocar a serviços de urgência mais distantes e/ou congestionados. Em termos financeiros, os investimentos à periferia terão que ser compensados por ajustamentos a nível central (nas urgências a descongestionar).

_IV. Fases de implementação e calendarização

Está em curso a revisão da actual rede de urgências. O 1o semestre de 2012 deverá permitir a realização de estudos de caracterização do problema a nível local e a garantia de condições nos diferentes SUB para que até final de 2012 estejam a funcionar em pleno, descongestionando as urgências mais centrais. Deve começar igualmente, no 1o semestre de 2012, uma campanha de sensibilização da população para as vantagens e a segurança de utilizar a linha de aconselhamento telefónico. Quanto ao eventual reencaminhamento de doentes para outros níveis de cuidados, pode começar-se apenas pelos menos urgentes (cor azul), por serem os que apresentam menor risco.

_V. Entidades envolvidas

Para além do trabalho de fundo a ser desenvolvido pelo grupo de trabalho supracitado, cabe aos hospitais a análise da realidade em cada local, e às ARS a supervisão do funcionamento da rede a nível regional.

_VI. Monitorização e acompanhamento

A monitorização do volume de doentes por urgência permitirá acompanhar o desenvolvimento das capacidades sub-regionais. É importante monitorizar igualmente as taxas de eventuais complicações (por exemplo, a necessidade de internamento a posteriori de doentes triados como não urgentes). (p.135-138)”

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

One thought on “Sobre utilização de urgências

  1. “Falsas urgências”, o que são? Alguém consegue definir uma falsa urgência? É um pouco estranho termos a DGS a referir que aconteceram X ou Y falsas urgências, porque se alguém é capaz de definir o que são falsas urgências então transmita-se esse conhecimento e dê-se diretrizes aos secretariados dos hospitais para classificarem logo à entrada o utente A ou B como falsa urgência e mandá-lo logo para casa. Não é fácil pois não? Pois então o termo “falsa urgência” se calhar não devia ser utilizado.
    Reportemos a exemplos fictícios, o utente A acede à urgência com fortes dores abdominais, o utente A não é médico, o utente A tem fortes dores e não tem dinheiro para ir a um hospital privado, o utente A nem sequer ligou para a saúde 24 porque ele quer lá saber de conversa (de certeza que não lhe vão tirar as dores pelo telefone e ele só sabe que lhe doí), o utente A não tem centro de saúde para urgências e as dores continuam cada vez mais fortes, onde é que ele vai? Claro às urgências que é o único sítio onde lhe podem fazer alguma coisa.
    Uma vez lá chegado e após visto pelo médico o utente A é classificado como falsa urgência porque as dores eram devidas a gases. Pois mas A, não é médico ele tinha era dores e agora depois do medicamento que lhe deram já está melhor.
    A é amigo de B (que também não é médico, nem tem conhecimentos de saúde), B teve exactamente os mesmos sintomas semanas depois de A e como sabia que A tinha levado um raspanete no hospital por causa dos “gases”, por ali ficou em casa a tomar uns chazinhos. Mas como as dores eram cada vez mais fortes decidiu ligar para a saúde 24 não vá chegar ao hospital e levar um raspanete por causa dos gases. Bem a conversa com a saúde 24 é longa já se sabe, desde logo até ser atendido, enquanto isso B que já está a algumas horas só com chazinhos, come também umas bolachinhas “Maria” (mal não deve fazer), afinal mesmo com dores depois de umas horitas já há um bocadinho de fome.
    Bem, mas de facto a coisa não passa e o conselho da saúde 24 é para ir ao hospital, o que B faz. Chegado lá leva um raspanete do médico – “Você tem uma apendicite, o que é que andou a fazer e não veio logo ao hospital? Temos que o operar de urgência.” (lembram-se das bolachinhas?) “Então você andou metido nas bolachas antes de vir para aqui? Agora temos de esperar 6 horas até poder ir para o bloco….”
    Pronto e assim B lá foi operado. Moral da história? A e B levaram raspanetes (o raspanete é algo inexplicável nos nossos cuidados de saúde e que merecia uma tese). A, tinha fortes dores abdominais que não conseguia suportar, A tinha gases e era um “falso urgente”. B, tinha fortes dores abdominais que não conseguia suportar, B tinha uma apendicite e era muito urgente. Quem fez a diferença no “falso”? O diagnóstico médico, pois A e B só sabiam era que tinham de ir a qualquer lado para lhes tirarem as dores.
    Bem, mas A e B, conheciam C, que um dia lembrou-se e foi às urgências porque aquele sinal que tinha há 3 anos hoje pareceu-lhe um bocadinho maior e estava com uma cor aparentemente diferente. C sempre teve pânico de doenças e coisas de hospitais.
    Assim, C levou um raspanete, porque devia ter ido ao médico de família, porque não havia nada de mal com o sinal e mesmo que houvesse…..
    Então a chave não está em C? Não é aqui que se tem que atuar? A, B e C vão sempre recorrer ao hospital se não houver respostas à altura no SNS, (e essa história da saúde 24 tem muito que se lhe diga, aqui à parte o signatário já ligou para a saúde 24 com sintomas de gripe (naqueles picos…!), foi encaminhado para o centro de saúde e lá chegado a resposta foi “Tem é que marcar consulta, isso da saúde 24…..). Portanto não havendo resposta o utente vai onde lhe podem resolver o problema.
    Voltando a C, não deveria existir um método para o “retirar” o mais rápido possível do circuito hospitalar? Género uma via verde dos não urgentes (sim não urgentes ao invés de falsos urgentes). Claro que sim, e qual é a dificuldade de arranjar o método? Será que algum dos peritos envolvidos recorre na sua vida particular a SU? (sem cunhas está claro), muitas continuam um caos, mas mesmo CAOS!
    O signatário acompanhou um utente ao HBA, em agosto quando lisboa vai a banhos para o algarve e fica por cá muito pouca gente e a espera (verde) era de 8 horas!!!! Basta ainda ficar por lá um bocadinho e ter algum interesse na questão para facilmente ficar a saber histórias de dias anteriores, e anteriores aos anteriores, onde a espera foi……enfim, desculpem lá a teoria do caos, mas que existe, existe, e não basta aparecer com a desculpa de que as “falsas urgências” é que andam a sabotar isto tudo.

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