Momentos económicos… e não só

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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (6).

Continuando nas garantias da coligação PSD + CDS, a quinta garantia é “as reformas na Segurança Social serão feitas por consenso e respeitarão a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Lançaremos um novo programa ambicioso de redução da pobreza.”

Nesta garantia, há a mistura de dois aspectos diferentes, segurança social no aspecto pensões e segurança social acções contra  a pobreza. Vale a pena tratá-las de forma separada.

A discussão sobre a segurança social no campo das pensões tem aspectos penosos pela opacidade que os argumentos propostos possuem. Tanto do lado da coligação PSD – CDS como do lado do PS isso sucede.

Tentarei ilustrar a minha perplexidade com um exemplo tão simples quanto conseguir. Pensemos numa economia sem comércio, porque simplifica a exposição sem sacrificar nada de essencial da discussão. Esta economia tem apenas dois grupos de agentes económicos – trabalhadores activos e reformados. Os trabalhadores activos têm um rendimento ligado ao seu trabalho actual. Os reformados têm uma pensão cujo valor hoje resulta das contribuições dos trabalhadores activos.

Suponha-se que há 20% de reformados e 80% de trabalhadores activos, e que há 10 milhões de pessoas nesta economia fictícia, distribuída pelos dois grupos.

Esta economia produz globalmente um valor de 100 mil milhões de euros em remunerações. A situação é tão igualitária que todos que trabalham têm igual produtividade. A taxa de contribuição para a segurança social é de 20%. O que perfaz 20 mil milhões de euros para distribuir pelos reformados. Que sendo 2 milhões, faz com que cada reformado receba 10 mil euros ano.

Os trabalhadores ficam com 80 mil milhões de euros, como são 8 milhões, cada um recebe 10 mil euros ano.

O que sucede se o número de pensionistas aumentar para 4 milhões e o número de trabalhadores activos baixar para 6 milhões, mantendo-se uma população total de 10 milhões de pessoas.

O que sucede às pensões nesta economia fictícia? Vejamos algumas possibilidades.

a) se a produção baixar porque há menos trabalhadores activos, então haverá menos para distribuir por todos; mantendo-se a taxa de 20% de contribuições, os pensionistas vão receber menos. Os trabalhadores activos poderão receber mais mesmo com uma redução global da produção (uma vez que a produtividade por trabalhador até pode aumentar).

b) se a produção se mantiver, e taxa de contribuição for igual aos 20% iniciais, então o mesmo volume global arrecadado tem que ser distribuído por mais pensionistas, recebendo cada um menos.

c) se a produção de mantiver e se quiser garantir a mesma pensão de 10 mil euros ano, a taxa de contribuição terá que aumentar, mas passando para 40%, todos, pensionistas e trabalhadores activos, continuam a receber os mesmos 10 mil euros da situação inicial. A única diferença é que o salário líquido não acompanha a produtividade.

d) se a produção global baixar, e o sistema garantir aos pensionistas que vão manter o seu rendimento, a taxa de contribuição tem que aumentar para mais de 40% e trabalhadores activos vão receber menos em termos líquidos face à situação de partida.

A terceira situação mostra que apenas o aumento do número de pensionistas e a redução do número de trabalhadores activos não coloca um problema se houver a mesma produção global e houver uma redistribuição diferente.

Admitindo que no pior cenário a economia portuguesa irá estagnar e não reduzir a sua capacidade produtiva, a questão da sustentabilidade da segurança social é sobretudo uma questão de distribuição.

Gostava de conseguir avaliar as diferentes propostas no quadro desta economia simples e fictícia, para conseguir depois perceber os seus efeitos na economia complexa e real que temos.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (5).

Depois do conjunto de compromissos, a que dei atenção nos posts anteriores, a coligação PSD – CDS apresenta um conjunto de garantias. O que é um aspecto curioso, pois a apresentação de garantias pressupõe uma razoável capacidade de as assegurar. O que não sucederá em vários dos casos.

A primeira garantia é “… que Portugal não voltará a depender de intervenções externas e não terá défices excessivos”. Esta garantia é plenamente consistente com os compromissos enunciados antes. A pergunta fundamental é como se efectiva a garantia? aumentando impostos sempre que necessário? quais? reduzindo automaticamente despesas? se sim, quais?

A segunda garantia é uma ambição, não algo que se possa garantir: “crescimento económico robusto e gerador de emprego (…) crescimento económico médio de 2% a 3% nos próximos 4 anos.” Não é dito se é crescimento do PIB per capita em termos reais ou em termos nominais (sem ou com inflação incluída). A última vez que se conseguiu ter um crescimento continuado desta magnitude foi no período 1996 – 2000.


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Estudo para a Ordem dos Médicos (1)

Foi há semanas disponibilizado o estudo “O Sistema de Saúde Português no Tempo da Troika: a Experiência dos Médicos“, realizado a pedido da Ordem dos Médicos.

Tendo recebido atenção mediática, como seria de esperar, é útil fazer uma sua leitura comentada. É por isso de agradecer que a Ordem dos Médicos tenha disponibilizado o texto produzido pelos autores do estudo.

O primeiro comentário é desde logo que não é sobre a experiência dos médicos e sim sobre as suas percepções em grande medida, e esse aspecto será importante para interpretar vários dos resultados obtidos. Infelizmente as perguntas concretas que foram feitas não se encontram apresentadas, o que leva a inferências a partir do que é dito no texto sobre o possam ter sido essas perguntas.

O trabalho tem o cuidado metodológico de apontar quais as limitações de interpretação, embora depois nem sempre as tenha em atenção quando produz as afirmações mais mediatizáveis.

Do que é apresentado, há resultados que têm maior interesse que outros, e alguns sugerem algum abuso de interpretação, a meu ver, como tentarei detalhar.

Saltando directamente para a secção de enquadramento, é feita a habitual discussão sobre despesas per capita em comparação internacional de países e respectivos sistemas de saúde. Contudo, discutir meramente despesa não tem grande sentido, pois obriga a que haja um conjunto de pressupostos implícitos. O mais importante pressuposto implícito quando se olha apenas para a despesa per capita em saúde (ou em percentagem do PIB, o problema é exactamente o mesmo) é a de que cada país tem resultados similares de saúde. Só nesse contexto menor despesa (para iguais resultados) pode ser visto como desejável. Também na discussão de enquadramento se faz referência ao aumento do peso das famílias no financiamento das despesas em saúde, embora não se falhe em não referir que parte substancial desse aumento estará ligada às medidas no campo das deduções fiscais – que reduzindo-se deixam de ser financiamento público de despesa privada em saúde para serem despesa das famílias.

Há, depois, a descrição do que foi o trabalho de recolha de informação propriamente dito. A recolha foi realizada em 2013 (p.7) e pedia-se a comparação com 2011 em diversos aspectos. Há o cuidado dos autores em alertarem para a forma de interpretar os resultados deste inquéritos. Cuidados que decorrem da amostra e a generalização das respostas para avaliação das políticas seguidas (uma vez que as perguntas feitas não se dirigem a medidas em particular).

Metodologicamente, sabe-se que tiveram respostas em apenas 7,8% dos questionários enviados, e em várias das especialidades o número de respostas é muito baixo (tornando os valores médios por especialidade sensíveis a casos extremos). Teria sido adequado que a distribuição das respostas conseguidas tivesse sido comparada com a distribuição dos médicos por especialidades, e que também a caracterização geográfica, de género e etária da amostra conseguida face à população global tivesse sido apresentada. Isto porque a principal preocupação será a de perceber se há problemas de auto-selecção nas respostas – isto é, sendo o questionário de resposta voluntária, se apenas os mais insatisfeitos com a evolução dos últimos anos ou que tenham a visão mais negativa responderem, então a análise da amostra trará uma “fotografia” enviesada.

O não se ter as perguntas realizadas impede uma avaliação mais concreta dos riscos dessa auto-selecção para inclusão na amostra.

(pequena nota: é dito que 35% dos médicos trabalham no sector público e no sector privado simultaneamente, sendo 113 casos, há aqui um erro de dactilografia, serão 1113 casos para as magnitudes fazerem sentido)


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 15 – Junho 2015)

Neste 15º Observatório mensal da dívida dos Hospitais EPE há algumas diferenças. Continua-se a registar uma tendência de decréscimo da dívida acumulada dos hospitais EPE, conforme se pode ver no gráfico 1. Estes últimos três meses surgem como distintos dos anteriores e a evolução tem semelhanças com o que aconteceu no final do Verão de 2014.

Esta tendência ainda não se encontra completamente clara nas dívidas reportadas pela APIFARMA (que são apenas uma parte das dívidas, embora a mais importante em termos quantitativos, dos hospitais EPE e seguem uma definição diferente, que inclui mais dívida recente).

Usando o modelo de estimação de evolução de tendência dos meses anteriores, em que se teste e se mantém a hipótese de igual tendência de crescimento desde Janeiro de 2013 e excluindo os meses de regularização de dívidas ou reforços de capital dos hospitais EPE, e excluindo a última observação, cria-se o intervalo de confiança para o valor do último mês disponível. Esse valor encontra-se agora fora do que é o intervalo de previsão do modelo. Adicionalmente, colocando a hipótese de a partir de Dezembro de 2014 haver uma tendência igual à dos anos anteriores, rejeita-se essa hipótese em termos de significância estatística (também se rejeita se se considerarem apenas os últimos três meses disponíveis), sugerindo que se possa ter aqui uma alteração de tendência. Há ainda alguma cautela a ter pois no final do Verão – Outono de 2014 ocorreu algo de similar pelo mesmo número de meses.

O gráfico 4 apresenta a linha dessa tendência mais recente e o quadro 1 apresenta as estimativas e teste de igualdade da tendência de 2013 e 2014 face ao início de 2015.

graf1Jun2015

Gráfico 1

Gráfico 2

Gráfico 2

Gráfico 3

Gráfico 3

Gráfico 4

Gráfico 4

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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (2)

Depois de apresentado brevemente o quadro conceptual sobre o que é acesso a cuidados de saúde, o Relatório de Primavera passa à análise de dados, começando por referir que as fontes de informação públicas, nomeadamente dos hospitais públicos, e da ACSS ou não têm informação ou está desactualizada. Aspecto que é factualmente correcto. Aliás, desde o fim do programa de ajustamento que o fornecimento de informação regular passou a ter, aparentemente, menor prioridade. Ainda assim, uma consulta rápida ao site da ACSS mostra que está disponível informação para Dezembro de 2014, o que significa alguma actualização desde o momento em que o Relatório da Primavera foi escrito (pois refere como última informação Outubro de 2014). Ou houve actualização esta semana, ou do Relatório da Primavera não se fez uma última verificação antes da publicação.

O primeiro aspecto analisado pelo Relatório de Primavera é a disponibilidade, em comparação internacional, de recursos humanos em saúde. Sendo supostamente um aspecto do lado da “oferta”, falta então algo mais.

A informação de que não temos médicos a menos, estão é mal distribuídos, não é uma propriamente uma novidade. Há problemas de distribuição entre zonas geográficas – no Relatório de Primavera foca-se na diferença urbano/rural mas é pouco preciso pois nas zonas urbanas há também falta de médicos de família de forma assinalável. À distinção entre urbano/rural temos que adicionar a distinção médicos de família/outros especialistas.

Em qualquer caso, a mera comparação com a média europeia não é em si mesma muito interessante, porque não nos diz nada sobre que acesso estes rácios de médicos face à população permitem. E é da combinação dos vários recursos, humanos e de equipamento, que se constrói o acesso (em “economês”, a função de produção do acesso).

E note-se que se Portugal não está mal no rácio médicos por habitante, já está abaixo no rácio enfermeiros por habitante. Mas este julgamento feito separadamente face a cada profissão de saúde tem implícito o princípio da existência de um único rácio óptimo de cada profissão idêntico em todos os países. Ora, as condições especificas de cada país poderão levar a que um prefira ter mais médicos e menos enfermeiros, e outro tenha relativamente mais enfermeiros (e para isso basta que haja “margens de substituição” entre as diferentes profissões no fornecer de acesso, e que os salários relativos entre países nas profissões de saúde não sejam idênticos – esta será uma linguagem mais técnica, mas que ilustra uma complexidade de análise que deve ser exigida e que vai além de apenas olhar para rácios).

Em termos de valores, o Relatório de Primavera identifica uma diferença assinalável entre os valores de médicos por habitante no SNS segundo o Inventário de Pessoal do Sector da Saúde e os valores que são indicados nas estatísticas da OCDE: 4,1 médicos /1000 habitantes na OCDE e 2,63 médicos /1000 habitantes no documento da ACSS (incluindo os médicos em internato). Esta diferença é demasiado elevada para que ambos os valores possam estar a traduzir a mesma realidade – até porque os números apresentados no inventário são por empregos (uma pessoa com dois vínculos a duas entidades diferentes do SNS será contada duas vezes, se bem percebi). Compreender estes valores de formal clara é uma tarefa que deve ser feita, que o Relatório de Primavera inicia com conjecturas, mas não concretiza totalmente.

Dois relatórios interessantes do Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Sa´yde sobre recursos humanos ficam para referência e leitura: sobre evolução do papel dos médicos e sobre como criar um ambiente propício a atrair profissionais de saúde.


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os preços dos novos medicamentos

A discussão sobre o valor da inovação e dos medicamentos que surgem vai estar na agenda dos próximos anos. Essa discussão tem-se, conscientemente ou não, centrado quase exclusivamente em como encontrar fundos para pagar a inovação aos preços que as empresas os pretendem colocar. O que cria dificuldades. E que impede de se olhar para outras soluções.

Para procurar soluções olhando de uma forma diferente para este problema, colaborei numa reflexão livre, ao jeito de ensaio, com um conjunto de médicos da vizinha Espanha. Creio que se tornará cada vez mais claro que a procura de uma solução terá de ser conjunta entre países, e não unilateralmente.

O resultado deste esforço pode ser encontrado aqui. Reflexões adicionais de Fernando Lamata, aqui. Cobertura mediática em Espanha, disponível aqui.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (4).

O quarto compromisso que surge é “Fidelidade a um modelo de crescimento económico que assegure a sustentada criação de riqueza e a criação de emprego”. É uma preocupação (correto) com a necessidade de capacidade exportadora e com a necessidade de investimento privado, além da habitual “aposta” na investigação / inovação / tecnologia.

Mais curiosa é a referência às economia verde, economia azul e economia social (qual será a sua cor?). O receio é que se esteja a pensar em tudo o que exige apoio do Estado senão não tem viabilidade económica. É uma tentação terrível ter “projectos de estimação” que sejam apenas rentáveis enquanto houver dinheiro público, e este aspecto tem que ser muito claro nas propostas concretas. Ficava mais descansado se falassem em remover obstáculos ao seu desenvolvimento do que em dar apoios (que normalmente são acompanhados de lobbying e actividades de rent seeking diversas).

Sobre o quinto compromisso “5 Consolidação dos princípios e valores do Estado de Direito” não tenho realmente qualquer comentário nesta altura, sendo fácil concordar genericamente com os princípios enunciados.

O sexto compromisso é mais interessante, “6 Continuação da reforma do Estado, por forma a contribuir adicionalmente para o reforço da sua eficiência” falando-se depois em “progressiva promoção da liberdade de escola no âmbito dos sistemas público”. Porquê este compromisso? é um princípio absoluto quaisquer que sejam os seus custos? Como é se lida com a heterogeneidade de preferências das pessoas? e como limitar favorecimentos e abusos (afinal uma das razões da burocracia é garantir igual tratamento).

As referências à descentralização trazem à memória as experiências de capacidade de despesa local paga por fundos gerais, criando o problema da “conta do restaurante”: com benefícios concentrados e custos dispersos, instala-se uma piscina municipal aquecida em todo lado, ao pé de uma pista de atletismo olímpica e uma meia dúzia de rotundas com obras de arte no centro. A respeito do que possa ser descentralização, sugiro uma leitura do documento que saiu da série de discussões “Sextas da Reforma“, em particular o painel XI “Território, desenvolvimento económico e descentralização orçamental”.

Os compromissos 7, 8 e 9 deixo para análise dos especialistas em ciência política, pois cobrem “empenho na modernização do sistema político, estabilidade em matéria de políticas relacionadas com as áreas de soberania, presença ativa no domínio europeu e na cena internacional”.

Não houve, nestes compromissos, qualquer detalhe significativo quanto ao sector da saúde, pelo que é lícito assumir que o financiamento das despesas em saúde manterá o seu padrão histórico, na perspectiva da coligação para a próximo legislatura. Quanto ao papel do Serviço Nacional de Saúde, fica a dúvida de em que medida será ou não afectado pelas parcerias sociais mencionadas. Uma discussão mais detalhada do que propõe a coligação será deixada para a momento da apresentação do respectivo programa eleitoral.

Tal como na análise do programa eleitoral do PS será interessante ver em que medida os esforços de reflexão independente conseguem ser incorporados nas opções políticas (o relatório Gulbenkian no caso da saúde, o documento “Sextas da Reforma” promovido pelo Banco de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian e Conselho das Finanças Públicas.


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (1)

Saiu na semana passada o Relatório da Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Mantém uma tradição iniciada em 2001, e que é de agradecer. Tal como em anos anteriores, este ano repetiu-se a “dança mediática” habitual, com as notícias baseadas no Relatório a dizerem que tudo vai mal no sistema de saúde Português (sobretudo dedicam-se ao Serviço Nacional de Saúde) e do lado do Governo a reacção a desvalorizar as observações do Observatório.

O Relatório tem oscilado ao longo dos anos na linha fina que separa o relatório técnico do relatório de intervenção política, pendendo com regularidade mais para o segundo do que para o primeiro tipo de relatório, e as reacções que suscita são reflexo disso mesmo. Tem também faltado uniformidade temporal ao relatório – se é certo que todos os anos haverá aspectos que é importante focar de novo, também seria importante que quem lesse os vários relatórios elaborados ao longo do tempo conseguisse ficar com uma ideia rápida do que tem sido a evolução do sistema de saúde português. Por exemplo, lembro-me que nos primeiros relatórios havia propostas interessantes de como pensar na relação entre todos os interessados (“stakeholders”), e que essencialmente desapareceu nas versões mais recentes.

É recorrente a queixa de quem faz o relatório da falta de informação, e sendo verdade em considerável medida creio que ainda assim se poderia fazer mais do que surge no relatório. Pelo menos este ano não é dado tanto destaque como no passado recente a notícias de jornal como sendo exemplos de regularidades do Serviço Nacional de Saúde.

O grande tema deste ano é o acesso aos cuidados de saúde em tempos de crise. A este tema é dedicado o capítulo 2 do Relatório de Primavera 2015. Há, logo no início, o cuidado de estabelecer o que se deve entender por acesso, contemplando um quadro conceptual que se começa a generalizar onde entram o tempo em que se consegue satisfazer uma necessidade de cuidados de saúde, a capacidade de resolver essa necessidade e a protecção financeira existente. O texto fala frequentemente em procura e oferta, e não há qualquer referência ao equilíbrio entre as duas. Esta questão não é meramente de quadro conceptual, pois altera a forma de interpretação dos indicadores que são recolhidos.

Por exemplo, o acesso a consultas ou o acesso aos serviços de urgência resultam da oferta da procura – se houver o equipamento e os recursos humanos disponíveis, mas a procura exceder em muito a capacidade o tempo de espera será muito elevado, e não haverá acesso em tempo adequado, como resultado dos aspectos de oferta e procura; se houver oferta e não houver procura, há acesso mas é irrelevante e é apenas um desperdício de recursos; se houver procura e não houver oferta, tem-se um problema de falta de acesso.

De forma similar, quando se fala em despesas de saúde no momento de utilização (o chamado “out of pocket”), não é uma aspecto do lado da procura e sim um aspecto da arquitectura financeira da protecção concedida em caso de doença. As despesas dependem da procura que se realizar. O que é pedido como pagamento directo irá influenciar a procura, e logo a definição do que é acesso adequado em tempo útil, mas é o pagamento por serviço utilizado e não a despesa out of pocket (que é o pagamento por serviço vezes o número de utilizações do serviço, numa versão simples). Assim, o quadro conceptual apresentado no Relatório necessita de afinamentos para que depois a evidência que se consiga recolher possa ser interpretada apropriadamente.

(continua…)


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (3).

O documento de orientação do PSD e CDS para a elaboração do respectivo programa eleitoral inclui ainda um conjunto de compromissos.

O primeiro compromisso é expresso como “1. Manutenção da credibilidade financeira, evitando políticas ou situações que conduzam a novas intervenções externas e assim salvaguardando a soberania nacional reconquistada”. Não diz muito sobre o que se está disposto a fazer para o garantir. São dados os objetivos deste compromisso mas não são identificados os instrumentos possíveis, e dentro destes quais os que serão preferenciais na acção governativa. É um aspecto que se deseja ver clarificado no programa eleitoral que venha a ser divulgado.

O segundo compromisso é “2. Recuperação do poder de compra e melhoria das condições de vida dos cidadãos”. A pergunta imediata é que este aspecto está na mão do Governo. Pode ser um objectivo mas dificilmente um compromisso. O seu desenvolvimento no documento limita-se a enunciar formas de desfazer as medidas adoptadas durante o período de resgate financeiro internacional. Dificilmente se pode ser aqui um compromisso mobilizador ou inabalável

O terceiro compromisso é “3. Fortalecimento do estado social”. Embora não tenha grande concretização, apresenta uma ideia nova: parcerias público – sociais, para as quais se reclamam duas características positivas – capacidade  de gerar poupanças, e trazerem “humanização” na intervenção. Neste ponto específico, há que ser exigente com a ideia, sem a deitar fora de momento: qual a evidência que existe sobre a melhor capacidade de gestão na economia social/solidária? são as boas experiências que consigam apresentar generalizáveis?

No campo da eficiência de hospitais, por exemplo, estudos repetidos ao longo de vários anos, em diversos países, não conseguiram estabelecer uma superioridade, em termos de eficiência (isto é, capacidade de gerar poupanças) entre hospitais públicos, hospitais privados com fins lucrativos (sector empresarial) e hospitais privados sem fins lucrativos (sector social). Se é assim no campo hospitalar, não há razão para ser diferente noutras áreas, como a educação.

Normalmente, o que é fundamental é o quadro institucional de funcionamento, e se for dado às entidades do sector social um enquadramento em que todas as perdas que possam ter são absorvidas pelo sector público, é fácil prever que terão os mesmos problemas e vícios do sector público que pretendem substituir. Se lhes for dada a oportunidade de se comportarem como monopolistas privados, as entidades do sector social não deixarão de o fazer em vários casos, com os mesmos vícios dos monopolistas privados, e com o argumento de que como não têm fins lucrativos tudo o que fazem promove a solidariedade social. Assim, uma aposta desta natureza no sector social, legítima do ponto de vista da actuação política e também discutível nesse campo político, terá que ser muito clara sobre quais os mecanismos de controle e exigência sobre essas parcerias público – sociais (por exemplo, se falirem, deve-se garantir que os custos associados se repercutem sobre o parceiro social). E não deve haver receio de substituição de um parceiro social por outro que se apresente como tendo maior eficiência.

No restante, teria sido adequado que os principais desafios ao estado social tivessem sido identificados e as opções disponíveis analisadas. “Fortalecimento do estado social” é certamente um termo que todos (ou quase todos) os partidos partilharão, mas depois terão diferenças no que significa realmente e em como fazer. É esta última parte que deveria ter mais detalhe.


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4 anos de blog

Há quatro anos, quando se entrava no período da troika, decidi iniciar este blog. Tinha nessa altura um horizonte de meses, até ao final do ano, para decidir se continuaria ou não com o blog. Acabei por manter o hábito, no meio de outras actividade, nuns dias com maior capacidade noutros mais para ser rotina instalada.

Ao longo destes quatros anos, iniciei e fechei outras actividades. Mas pelo menos até ao final deste ano tentarei manter a actividade do blog.
Por curiosidade, deixo algumas estatísticas do último ano. E um agradecimento aos amigos que vão lendo e por vezes comentando o que vou escrevendo.

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