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Reforma do SNS e coordenadores nacionais

São hoje anunciados os coordenadores nacionais para a reforma do SNS:

“No dia 16 de dezembro de 2015, quarta-feira, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, apresenta em conferência de imprensa os Coordenadores Nacionais para a reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS).


Programa

11h00
Apresentação dos Coordenadores Nacionais para a reforma do Serviço Nacional de Saúde: Prof. António Ferreira, Prof. Manuel Lopes e Dr. Henrique Botelho.

Intervenções previstas:

  • Secretário de Estado Adjunto e da Saúde
  • Prof. António Ferreira
  • Prof. Manuel Lopes
  • Dr. Henrique Botelho

Local: Ministério da Saúde, Av. João Crisóstomo, n.º 9, 3.º piso, Lisboa

Lisboa, 15 de dezembro de 2015″.

Cada ciclo político na saúde tem-se caracterizado de forma regular pela produção de documentos de reflexão sobre a reforma do SNS – em 1995 com Paulo Mendo, em 1999 com Maria de Belém Roseira, em 2006 com António Correia de Campos, em 2011 com Paulo Macedo. Todos estes ministros solicitaram reflexões sobre o Serviço Nacional de Saúde ou sobre  o Sistema de Saúde. O documento de maior fôlego mais recente é de 2014 e resultou de um esforço da Fundação Calouste Gulbenkian, que tentou também um entendimento político (fracassado).

A propósito desta iniciativa, o Público tem já um texto, disponível aqui, sobre a divisão de trabalho entre os três coordenadores.

A referência no artigo do Público às ideias de António Ferreira expressas no livro que escreveu há tempos leva-me a recuperar os comentários que então fiz, há praticamente um ano, depois da leitura do livro: ver aqui-parte I, aqui-parte II, e aqui-parte III.

Manuel Lopes no último ano foi o responsável pelo Relatório de Primavera 2015 do Observatório Português de Sistemas de Saúde, também comentado aqui no blog nos seguintes posts, em Junho de 2015:  parte (1), parte (2), parte (3), parte (4), parte (5), parte (6), parte (7), e parte (8).

Se houver produção de documentos que venham a estar publicamente disponíveis, faremos a leitura comentada.

 


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (8)

O capítulo 6 dedicado ao “acesso aos cuidados de saúde mental”. Este é um capítulo relativamente longo, com uma revisão cuidada da evidência disponível e das barreiras existentes (incluindo custos com transportes). A documentação de que os tempos de crise afectam a saúde mental da população não é exactamente uma surpresa (embora fosse interessante ter um índice de qualidade de vida que pudesse ser avaliado, em vez do aspecto meramente qualitativo de se “sente um agravamento da vida” – ver aqui).

Globalmente, o Relatório de Primavera é, na informação que presta, menos negativo para o ajustamento do Serviço Nacional de Saúde do que transpareceu na imprensa. E as opiniões mais negativas, mesmo que correspondam a uma percepção que poderá ser correcta, não têm completo suporte nas análises produzidas, às quais falta sobretudo a capacidade de identificar explicações alternativas para a evidência básica e definir a informação que sirva para discriminar entre as várias hipóteses alternativas.


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (7)

O quarto capítulo tem por objecto “acesso aos cuidados de saúde por pessoas dependentes no autocuidado”. A preocupação base é com as pessoas dependentes no autocuidado é legítima e deve ser pensada em termos de futuro, muito além do que seja apenas dizer que é preciso mais camas na rede de cuidados continuados. É necessário pensar melhor no que dever ser a resposta adequada, com atenção a soluções de “maior proximidade”, evitando a institucionalização ao mesmo tempo que se faz a gestão da multiplicidade de condições crónicas. Este desejo surge claramente na revisão de literatura realizada no Relatório de Primavera. Juntamente com a evolução do modelo de cuidados terá que se verificar uma evolução do modelo de financiamento. Esta mensagem do Relatório de Primavera é, a meu ver, largamente consensual, sendo agora fundamental pensar igualmente os aspectos de implementação, que são normalmente um ponto fraco da actuação portuguesa.

O quinto capítulo é dedicado ao “impacto da recomendação europeia na segurança do doente”, sendo pouco clara a relação com a restante preocupação do Relatório de Primavera com as questões de acesso. A principal preocupação deste capítulo é com eventos adversos e com infecções associadas com cuidados de saúde. É um capítulo que depois adopta uma abordagem de descrição do enquadramento normativo em Portugal.

Procuram depois realizar duas análises baseadas em inquérito. Um deles destinado a associações de doentes, e outro destinado a hospitais. No primeiro caso, não houve respostas suficientes para proceder a análise representativa. No segundo caso, dos hospitais foram conseguidas 23 respostas (dos 48 hospitais inquiridos). As questões focadas incidiram sobre sobre acções para segurança do doente, e sobre questões de processo. Seria interessante também ter informação sobre efeitos nos resultados de cada instrumento e o custo de usar cada instrumento, que são elementos centrais para depois se definir quais as melhores intervenções.

Globalmente, este capítulo levanta a questão da gestão dos hospitais, e de a gestão na saúde surgir como factor de bloqueio de melhor organização. É um tema que merece ser tratado de modo mais profundo num Relatório de Primavera futuro.


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (6)

O terceiro capítulo do Relatório de Primavera intitula-se “Acesso ao medicamento por parte do cidadão no ano pós-troika”. Antes de passar ao comentário propriamente dito, vale a pena explicitar que a variação de condições de acesso deve ser vista em vários planos: a) alteração dos preços dos medicamentos para os mesmos consumos; b) introdução, ou não, de novas opções terapêuticas (novos medicamentos); c) alteração da cobertura financeira oferecida pelo Serviço Nacional de Saúde; d) capacidade de encontrar os medicamentos disponíveis nas farmácias (no caso dos consumos em ambulatório).

É contra estes quatro aspectos que devem ser confrontados os dados disponíveis. Por isso, a importância dada aos ensaios clínicos como fonte de acesso parece-me desproporcionada. A existência de ensaios clínicos é importante para o desenvolvimento do sector da saúde em Portugal, mas fazer disso uma questão de acesso central do Serviço Nacional de Saúde surge como exagerado.

O segundo tema tratado é o acordo entre o Ministério da Saúde e a Associação Nacional das Farmácias para a definição e criação operacional de programas de saúde com intervenção das farmácias. Não é claro em que sentido o Relatório de Primavera vê estes acordos – aparentemente, há uma simpatia para com eles, embora não haja mais referência à capacidade da sua implementação.

No restante, sobre o ponto a) há uma referência à descida dos preços dos medicamentos, mas sem análise efectiva sobre o acesso ao medicamento. Sobre o ponto b) há a referência esperada à introdução de inovação, que deve ser vista atendendo aos benefícios terapêuticos que traz realmente; Sobre o ponto c), há incidência sobre medicamentos associados com saúde mental, este foco de atenção acaba por resultar de não se ter mais alterações generalizadas de taxas de comparticipação; sobre o ponto d), há referência às dificuldades das farmácias na gestão de stocks e disponibilidade de produtos.

Pelo meio e a propósito da saúde mental há uma referência à discussão sobre os suicídios, liderada pelo grupo de Martin McKee and David Stuckler, embora tenha escapado à atenção o que parece ser uma maior capacidade protectora face a estes efeitos em Portugal e Espanha (da sociedade? Dos sistemas de saúde? Está em aberto a causa).


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (5)

A “disponibilidade de camas nos hospitais e na rede nacional de cuidados continuados integrados” é outra secção do acesso, mas começa por referir o número de camas de internamento hospitalar – que é cada vez menos indicador de capacidade face ao crescimento da cirurgia de ambulatório (o que é aliás reconhecido adiante no relatório). Acresce que se houver maior capacidade de resolução de problemas nos cuidados de saúde primários pode-se observar uma redução de internamentos. Uma vez mais olhar apenas para a oferta de camas não fornece grande informação. O crescimento das camas no sector privado, cerca de 2000 em 10 anos, não é claro que seja uma compensação da redução de camas no sector público ou que esteja a satisfazer uma procura que não encontra resposta no sector público. Para isso seria necessário conhecer as respectivas distribuições geográficas e casuística tratada nas camas de cada sector (ajustando para o efeito de crescimento das actividades de ambulatório). Volta também a comparação com a média europeia nas camas hospitalares, sem uma justificação de porque é essa comparação informativa e relevante. Na medida em que Portugal tenha uma rede de cuidados de saúde primários mais extensa e generalizada do que outros países, não seria de esperar este efeito? Não se pode ver estes aspectos desligados do conjunto, numa mentalidade de silo.

Segue-se a análise da rede de cuidados continuados, onde se constata um aspecto conhecido, a necessidade de expandir a rede. Neste ponto, mais do que a necessidade de expansão é ponto de discussão a forma como essa expansão deve correr, em termos de definição de prestadores e de forma de pagamento.


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (4)

Secção seguinte do capítulo de acesso: acesso às consultas, que são o resultado de “procura meets oferta” – o que se observa é na verdade o menor dos dois, procura ou oferta, sendo que quando há excesso de procura devemos encontrar tempos de espera e listas de espera, e quando há excesso de oferta devemos encontrar capacidade instalada não utilizada (embora os serviços de saúde tenham sempre o engenho de encontrar o que fazer). A caracterização das situações baseia-se muito na primeira situação, ignorando-se por completo a segunda. E metodologicamente, tal afecta o que se pode concluir dos dados.

Por exemplo, encontra-se uma redução das consultas médicas nos centros de saúde de 2010 para 2012. A explicação poderá estar em vários aspectos: a) redução da capacidade de oferta, por causa dos cortes da saúde – neste caso, deverá ir-se procurar evidência de aumento de tempos de espera para obtenção de consultas nos cuidados de saúde; b) alteração da forma como os cuidados de saúde lidam com as necessidades, com alteração da tipologia das consultas, por exemplo – neste caso, deverá olhar-se preferencialmente para o estado de saúde da população e perceber se houve outro tipo de atendimentos que tenham aumentado; c) há centros de saúde com excesso de oferta, por redução da procura decorrente de redução da população na sua área, e há centros de saúde com excesso de procura, que não conseguem aumentar a quantidade de consultas – este efeito, talvez o menos provável, implica ir perceber a distribuição geográfica da evolução das consultas face à capacidade instalada.

Ou seja, a mesma evolução pode ser compatível com diferentes explicações alternativas, tornando-se necessário identificar que evidência adicional é precisa para conseguir discriminar entre essas várias hipóteses alternativas. (não procurei ser exaustivo na identificação das alternativas nem na informação que permite discriminar entre elas, apenas procurei ilustrar o cuidado metodológico que é necessário ter para construir uma imagem das condições de acesso aos cuidados de saúde primários)

E sem uma apreciação cuidada destes elementos uma conclusão como a que é apresentada “estes dados parecem contrariar a ideia de um maior investimento nos cuidados de saúde primários” é excessiva. Até pode ser uma conclusão verdadeira, mas não decorre dos dados analisados como sendo a única possível.

Um outro aspecto deste tópico, tocado apenas tangencialmente é o do tempo médio de espera dos utentes operados, sendo que valeria a pena algum detalhe mais sobre o que se tem passado (ver aqui o relatório do SIGIC – tempos de espera para cirurgia – referente a 2013).


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (3)

Uma segunda secção do capítulo reservado ao acesso é dedicada ao “Acesso aos serviços de urgência”. Aqui vale a pena relembrar que reduzir o recurso à urgência hospitalar não necessária tem sido advogado para o sistema de saúde português, o que significa que o julgamento da tendência de decréscimo observada tem que ser feita com cuidado. O Relatório de Primavera é cuidadoso em assinalar “coincidências” sem inferir causalidade, embora às vezes pareça que está implícita – como quando se diz “Deve assinalar-se ainda uma coincidência temporal entre a ocorrência desta diminuição e o aumento das taxas moderadoras”. Pode-se ainda dizer um pouco mais – os cidadãos isentos não deverão ser afectados pela alteração dos valores das taxas moderadoras uma vez que não as pagam, e por isso a evolução da sua procura de cuidados de urgência será independente do que sucede às taxas moderadoras. A Entidade Reguladora da Saúde olhou para esse aspecto, e concluiu que a descida em 2012 da utilização de urgências foi até ligeiramente maior nos cidadãos isentos de taxa moderadora do que nos que pagam taxa moderadora (página 90 do estudo da ERS). Ou seja, há outro efeito, diferente da taxa moderadora, a guiar esta evolução. A coincidência é de facto coincidência (corroborada também por outros trabalhos, com informação de um número mais limitado de hospitais mas que vai globalmente no mesmo sentido). Ou seja, há aqui uma análise que deveria ter sido mais completa por parte do Relatório da Primavera, pois os documentos de análise disponíveis publicamente assim o permitem.

Por outro lado, o Relatório de Primavera é feliz a procurar trazer para a discussão outro aspecto: “questionar a adequabilidade estrutural e funcional dos atuais serviços de urgência para responder às necessidades de um dos grupos populacionais que mais consome cuidados de saúde: os idosos”. O desafio organizacional colocado é bem mais relevante que a discussão do efeito das taxas moderadoras em termos de consequências futuras.

Há logo de seguida a recensão de vários trabalhos que documentam a existência de recurso excessivo às urgências – o que vai de encontro à ideia de que é bom reduzir o número de urgências. Ainda aqui é preciso ter o cuidado de definir o que é recurso indevido à urgência ex-post (depois da pessoa ser vista por um médico) e o que é recurso indevido à urgência ex-ante (antes da pessoa se dirigir, e quando tem de decidir se o faz ou não). Julgar apenas pelas situações ex-post é manifestamente insuficiente e leva sempre à conclusão de que haverá recurso excessivo às urgências (até porque os casos de recurso à urgência que deviam ter ocorrido face à necessidade clínica mas não procuraram o serviço de urgência não são quantificados). De qualquer modo, é um caminho de conhecimento que é preciso ganhar.


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Sobre o Relatório de Primavera 2015 (1)

Saiu na semana passada o Relatório da Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Mantém uma tradição iniciada em 2001, e que é de agradecer. Tal como em anos anteriores, este ano repetiu-se a “dança mediática” habitual, com as notícias baseadas no Relatório a dizerem que tudo vai mal no sistema de saúde Português (sobretudo dedicam-se ao Serviço Nacional de Saúde) e do lado do Governo a reacção a desvalorizar as observações do Observatório.

O Relatório tem oscilado ao longo dos anos na linha fina que separa o relatório técnico do relatório de intervenção política, pendendo com regularidade mais para o segundo do que para o primeiro tipo de relatório, e as reacções que suscita são reflexo disso mesmo. Tem também faltado uniformidade temporal ao relatório – se é certo que todos os anos haverá aspectos que é importante focar de novo, também seria importante que quem lesse os vários relatórios elaborados ao longo do tempo conseguisse ficar com uma ideia rápida do que tem sido a evolução do sistema de saúde português. Por exemplo, lembro-me que nos primeiros relatórios havia propostas interessantes de como pensar na relação entre todos os interessados (“stakeholders”), e que essencialmente desapareceu nas versões mais recentes.

É recorrente a queixa de quem faz o relatório da falta de informação, e sendo verdade em considerável medida creio que ainda assim se poderia fazer mais do que surge no relatório. Pelo menos este ano não é dado tanto destaque como no passado recente a notícias de jornal como sendo exemplos de regularidades do Serviço Nacional de Saúde.

O grande tema deste ano é o acesso aos cuidados de saúde em tempos de crise. A este tema é dedicado o capítulo 2 do Relatório de Primavera 2015. Há, logo no início, o cuidado de estabelecer o que se deve entender por acesso, contemplando um quadro conceptual que se começa a generalizar onde entram o tempo em que se consegue satisfazer uma necessidade de cuidados de saúde, a capacidade de resolver essa necessidade e a protecção financeira existente. O texto fala frequentemente em procura e oferta, e não há qualquer referência ao equilíbrio entre as duas. Esta questão não é meramente de quadro conceptual, pois altera a forma de interpretação dos indicadores que são recolhidos.

Por exemplo, o acesso a consultas ou o acesso aos serviços de urgência resultam da oferta da procura – se houver o equipamento e os recursos humanos disponíveis, mas a procura exceder em muito a capacidade o tempo de espera será muito elevado, e não haverá acesso em tempo adequado, como resultado dos aspectos de oferta e procura; se houver oferta e não houver procura, há acesso mas é irrelevante e é apenas um desperdício de recursos; se houver procura e não houver oferta, tem-se um problema de falta de acesso.

De forma similar, quando se fala em despesas de saúde no momento de utilização (o chamado “out of pocket”), não é uma aspecto do lado da procura e sim um aspecto da arquitectura financeira da protecção concedida em caso de doença. As despesas dependem da procura que se realizar. O que é pedido como pagamento directo irá influenciar a procura, e logo a definição do que é acesso adequado em tempo útil, mas é o pagamento por serviço utilizado e não a despesa out of pocket (que é o pagamento por serviço vezes o número de utilizações do serviço, numa versão simples). Assim, o quadro conceptual apresentado no Relatório necessita de afinamentos para que depois a evidência que se consiga recolher possa ser interpretada apropriadamente.

(continua…)