Depois de apresentado brevemente o quadro conceptual sobre o que é acesso a cuidados de saúde, o Relatório de Primavera passa à análise de dados, começando por referir que as fontes de informação públicas, nomeadamente dos hospitais públicos, e da ACSS ou não têm informação ou está desactualizada. Aspecto que é factualmente correcto. Aliás, desde o fim do programa de ajustamento que o fornecimento de informação regular passou a ter, aparentemente, menor prioridade. Ainda assim, uma consulta rápida ao site da ACSS mostra que está disponível informação para Dezembro de 2014, o que significa alguma actualização desde o momento em que o Relatório da Primavera foi escrito (pois refere como última informação Outubro de 2014). Ou houve actualização esta semana, ou do Relatório da Primavera não se fez uma última verificação antes da publicação.
O primeiro aspecto analisado pelo Relatório de Primavera é a disponibilidade, em comparação internacional, de recursos humanos em saúde. Sendo supostamente um aspecto do lado da “oferta”, falta então algo mais.
A informação de que não temos médicos a menos, estão é mal distribuídos, não é uma propriamente uma novidade. Há problemas de distribuição entre zonas geográficas – no Relatório de Primavera foca-se na diferença urbano/rural mas é pouco preciso pois nas zonas urbanas há também falta de médicos de família de forma assinalável. À distinção entre urbano/rural temos que adicionar a distinção médicos de família/outros especialistas.
Em qualquer caso, a mera comparação com a média europeia não é em si mesma muito interessante, porque não nos diz nada sobre que acesso estes rácios de médicos face à população permitem. E é da combinação dos vários recursos, humanos e de equipamento, que se constrói o acesso (em “economês”, a função de produção do acesso).
E note-se que se Portugal não está mal no rácio médicos por habitante, já está abaixo no rácio enfermeiros por habitante. Mas este julgamento feito separadamente face a cada profissão de saúde tem implícito o princípio da existência de um único rácio óptimo de cada profissão idêntico em todos os países. Ora, as condições especificas de cada país poderão levar a que um prefira ter mais médicos e menos enfermeiros, e outro tenha relativamente mais enfermeiros (e para isso basta que haja “margens de substituição” entre as diferentes profissões no fornecer de acesso, e que os salários relativos entre países nas profissões de saúde não sejam idênticos – esta será uma linguagem mais técnica, mas que ilustra uma complexidade de análise que deve ser exigida e que vai além de apenas olhar para rácios).
Em termos de valores, o Relatório de Primavera identifica uma diferença assinalável entre os valores de médicos por habitante no SNS segundo o Inventário de Pessoal do Sector da Saúde e os valores que são indicados nas estatísticas da OCDE: 4,1 médicos /1000 habitantes na OCDE e 2,63 médicos /1000 habitantes no documento da ACSS (incluindo os médicos em internato). Esta diferença é demasiado elevada para que ambos os valores possam estar a traduzir a mesma realidade – até porque os números apresentados no inventário são por empregos (uma pessoa com dois vínculos a duas entidades diferentes do SNS será contada duas vezes, se bem percebi). Compreender estes valores de formal clara é uma tarefa que deve ser feita, que o Relatório de Primavera inicia com conjecturas, mas não concretiza totalmente.
Dois relatórios interessantes do Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Sa´yde sobre recursos humanos ficam para referência e leitura: sobre evolução do papel dos médicos e sobre como criar um ambiente propício a atrair profissionais de saúde.
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