A propósito da próxima revisão da troika, no campo da saúde surgiram algumas informações na imprensa. A primeira diz respeito às taxas moderadoras e à sua subida de acordo com a inflação, aspecto que o ministério da saúde no passado rejeitou em declarações públicas.
Numa perspectiva de receita, as taxas moderadoras são, e serão, apenas marginais ao serviço nacional de saúde. Não são as taxas moderadoras que vão resolver os problemas de financiamento das instituições que as cobram. O papel que as taxas moderadoras possuem está, como o nome diz, ligado à moderação da procura, que tem como aspecto complementar as isenções atribuídas.
Aliás, como detalhei noutros contextos e discussões, ter simultaneamente um objectivo de moderação de procura e um objectivo de receita pode ser incompatível – se se modera a procura desnecessária de cuidados de saúde então não se tem a receita das taxas moderadoras que essa procura evitada geraria. E em geral os custos evitados por uma utilização mais racional dos serviços de saúde é superior ao valor da taxa moderadora recebida por esse serviço.
O outro lado da preocupação com as taxas moderadoras é saber se afastam a utilização desnecessária de cuidados de saúde, aspecto sobre o qual se sabe surpreendentemente pouco. Apesar dos opositores das taxas moderadoras focarem sempre na redução da utilização como sendo um problema de acesso, na verdade esse problema só existe quando há utilização necessária que deixa de ocorrer ou é adiada com custos para a saúde da pessoa (e até em termos de custos para o sistema de saúde). Conhecer essas situações é complicado, pois correspondem a ausência de contacto com o sistema de saúde, quando normalmente o que registamos é os contactos que existem.
O segundo tema presente na imprensa é o da das dívidas vencidas (“arrears”). Aqui retomo os valores mais recentes indicados pela APIFARMA no seu site, como indicador, na ausência de uma série publicamente disponível sobre o total das dívidas vencidas do Serviço Nacional de Saúde. Deste passado recente, ressalta que após um período de regularização de dívidas em 2012, voltou-se a partir de 2013 a registar-se uma subida em ritmo aparentemente similar ao anterior à regularização, excepto nos últimos dois meses antes de se entrar num novo período de regularização. Só para este componente da dívida do SNS, o ritmo de crescimento médio fora dos períodos de regularização é de 32 milhões de euros por mês (com dados até dezembro de 2013).
Para o final do ano de 2013, observa-se novo período de regularização de dívidas que não permite inferir ainda sobre uma alteração dos fundamentos, da tendência, ou não. Mais relevante que o valor do stock de dívida no final do ano de 2013, interessa saber como está a ser o fluxo e a sua evolução (isto é, que stock está a ser constituído, depois de eliminado o efeito da regularização).
21 \21\+00:00 Fevereiro \21\+00:00 2014 às 09:53
Bom Dia Caro Professor
Como é polémico o assunto das taxas, que de moderadoras deviam também ser de utilização. Na verdade não temos dinheiro para o SNS e a sua manutenção com a qualidade desejada, deve ser paga de forma moderada. Obviamente com critérios adaptados aos rendimentos e carga da doença.
Na verdade o financiamento do SNS é um grave e sério problema hoje, mas a agravar-se no futuro. É bom que façamos algo que reforce e reinvente o financiamento para além do que é retirado do orçamento.
Quanto à dívida, saberá o Professor quanto é que o estado e os contribuintes pouparam com o juros não cobrados ao estado desta mesma dívida? Só mesmo por curiosidade moral.
Obrigado.
José Ribeiro
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24 \24\+00:00 Fevereiro \24\+00:00 2014 às 08:46
Caro José Ribeiro,
o pagamento de cuidados de saúde no momento de utilização tem que gerir duas tensões de sinal oposto – de um lado, fazer reflectir o custo ou parte dele sobre o doente leva a uma utilização mais adequada – só usar quando se justifica pelos benefícios recebidos; de outro lado, dada a incerteza sobre o exacto momento e montante que se vai precisar, há valor associado com ter uma protecção de seguro, ou seja, não pagar no momento de consumo. Quando o doente não tem qualquer papel na decisão de consumo, o primeiro aspecto desaparece, ficando apenas o segundo, que leva a que para essas situações não deva existir taxa moderadora porque é possível criar um sistema de financiamento que lhe é superior em termos de vantagem para todos os agentes.
Obrigado pelo seu comentário.
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