Como ponto forte da sua intervenção sobre determinantes sociais da saúde mental, na conferência da Global Mental Health Platform, Marmot introduziu a ideia de universalismo proporcional. Isto é, nenhum grupo deve ser deixado de lado, mas os diferentes grupos devem ser tratados de forma proporcional. Num contexto de recursos escassos, isto significa que por pouco que se faça nuns grupos, haverá recursos que são desviados de outros.
A noção de universalismo proporcional precisa no entanto de receber maior definição. Por exemplo, definir grupos prioritários de acção e não incluir outros é na verdade uma forma de proporcionalidade. Se se definir que todos os elementos da sociedade são em princípio abrangidos (universalidade na cobertura) mas que apenas alguns serão explicitamente considerados para intervenção tem-se proporcionalidade, que é diferente de dizer que todos os grupos têm que receber atenção estritamente positiva do sistema de saúde.
Embora o argumento formal de Marmot tenha sido as desigualdades, e usa a noção de proporcional para afirmar que os mais desfavorecidos devem receber proporcionalmente mais, durante a apresentação apresentou outro argumento, de natureza completamente diferente: um sistema de saúde montado a pensar apenas num grupo de pessoas, nomeadamente nas de menores condições económicas na sociedade, será um sistema de baixa qualidade, e para assegurar que se tem um sistema de elevada qualidade então tem-se que incluir todos com atenção estritamente positiva. Não utilizou estas palavras, foi mais rápido, algo que numa minha proposta de resumo numa frase seria: um sistema de saúde para pobres será um pobre sistema de saúde. Por detrás desta afirmação está num entanto presente uma concepção sobre a forma como os sistemas de saúde (ou suas partes) são construídas, e que não sendo trazida para a discussão não se pode avaliar se é uma visão correcta ou não, ou se está sequer baseada em qualquer tipo de evidência (o que faz com que tenha um tratamento diferente das questões associadas com desigualdades, onde se tem feito muito trabalho empírico).
A própria noção de universalismo proporcional precisa de receber mais conteúdo em termos do seu alinhamento com as preferências da sociedade sobre intervenção em saúde.
Coloquei a votação duas propostas de intervenção, precisamente para ver se existe, ainda que informalmente e com pequenos números, numa amostra de conveniência e provavelmente enviezada e não representativa (todas as ressalvas de que não é um trabalho científico, apenas uma exploração), alguma tendência clara nas escolhas. As mesmas questões foram colocadas à audiência da conferência, que teve a possibilidade de votar online durante cerca de 45 minutos.
Há duas intervenções de política de saúde disponíveis, que utilizam exactamente os mesmos recursos. Uma das opções tem que ser escolhida. Os resultados de cada uma das intervenções, medidas num score de saúde mental na escala 0 a 100 são os apresentados nos dois quadros seguintes. A primeira linha apresenta a situação de partida (igual em ambas as opções). A segunda linha contém os benefícios de cada opção.
Opção A | Opção B | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Pobres | Ricos | Pobres | Ricos | |||
Antes | 30 | 80 | Antes | 30 | 80 | |
Depois | 50 | 90 | Depois | 60 | 80 |
Embora não tenho aqui feito uma separação entre as escolhas realizadas pelas pessoas que assistiram à conferência de M Marmot e as que responderam depois ao desafio do post neste blog, os resultados são essencialmente os mesmos: uma divisão das pessoas entre as duas alternativas, que não são aliás muito diferentes (propositadamente). A alternativa A aproxima-se da ideia de universalismo proporcional com todos os grupos a receberem atenção estritamente positiva, enquanto a opção B tem apenas intervenção num dos grupos. As diferenças entre as duas opções estão em A ter menor beneficio para um grupo e maior noutro grupo, pois em B a intervenção é direccionada apenas para um dos grupos.
A minha interpretação, no que pode ser uma hipótese para trabalho posterior mais rigoroso, é a de, não havendo grandes diferenças de benefícios, a divisão desses benefícios entre os diferentes grupos estar associada com uma certa indiferença em termos agregados. Indiferença tem aqui um sentido técnico de se ter 50% das pessoas a preferir um aumento de benefícios de 20+10 face a 30+0 (ver o quadro). Não se tendo explorado as motivações para cada escolha, não é possível saber se quem optou por A prefere de facto que todos sejam beneficiados, ou se pretendeu dividir os ganhos possíveis pelos grupos, ou outra motivação subjacente à escolha.
Longo texto para um comentário curto: é diferente ver o universalismo proporcional como resposta a uma escolha da sociedade baseada em preferências sobre tipos de intervenção ou como resposta à forma como os sistemas de saúde são construídos. Fica para esclarecer noutra altura por M Marmot.