O título deste post é pouco informativo. Expliquemos, o Decreto-Lei 112/2011, de 29 de Novembro, Artigo 17º diz que o Infarmed e a Direcção-Geral das Actividades Económicas tem que “apresentar aos membros do governo responsáveis pela área da economia e da saúde no prazo de 180 dias a contar da data de entrada em vigor do presente decreto-lei” um relatório sobre “o impacto económico, financeiro e social da aplicação das medidas”. A entrada em vigor foi a 1 de Janeiro de 2012. Hoje é o dia da entrega do relatório ! (considerando os 180 dias como 6 meses). Esperemos que o relatório seja divulgado.
Monthly Archives: Junho 2012
Relatório da Primavera 2012 (13)
O relatório de primavera dedica toda uma secção ao medicamento, que se divide em duas grandes partes. A primeira de revisão dos grandes números agregados, descendo ao detalhe nos consumos associados com saúde mental, e a segunda com a descrição dos resultados de um estudo do comportamento dos utentes das farmácias.
Sobre a revisão, dá uma visão resumida mas factualmente correcta do que tem sido a evolução do consumo de medicamentos em Portugal. Pessoalmente, há dois aspectos que merecem maior destaque: a evolução da componente paga pelos cidadãos, que tem tido oscilações importantes nos últimos dez anos; e a evolução dos consumos hospitalares e capacidade de conter esse crescimento de despesa sem afectar o tratamento dos doentes.
Quanto à saúde mental, e consumo de medicamentos, na preparação do plano nacional de saúde que ainda não saiu, é referida evidência de consumo excessivo de anti-depressivos (ver a referência aqui), pelo que a redução de consumo deverá ser vista à luz dessa evidência. Ou seja, embora à partida também seja minha conjectura um aumento dos problemas de saúde mental e do seu tratamento com medicamentos, no consumo total poderão existir efeitos de sinal contraditório se ocorrer uma melhor prescrição (no pressuposto de consumo excessivo, como apontado na referência acima indicada).
Tomando o estudo, de um número potencial de 15×661=9915, obteve-se uma taxa de resposta de 3,8% (em número de doentes), pelo que seria importante uma validação da sua representatividade e erro de amostra (e eventuais efeitos de selecção da amostra). O confronto com outros estudos anteriores permitiria perceber diferenças que possam ser atribuíveis às actuais condições económicas, que se por um lado reduzem o rendimento disponível, por outro lado também reduziram os preços dos medicamentos (aspecto reconhecido no relatório, mas não incorporado directamente na interpretação dos resultados do questionário distribuído aos doentes). Da informação prestada, não é claro que saia a conclusão retirada de que “Existem claros sinais relativos à diminuição da acessibilidade aos medicamentos por parte dos doentes, principalmente associados ao seu empobrecimento”. Para poder tirar esta conclusão, que até pode ser verdadeira e é pelo menos plausível, é necessário ligar um aumento de não comprar medicamentos por razões de falta de dinheiro com um menor rendimento líquido.
Relatório da Primavera 2012 (12)
O relatório trata da qualidade dos cuidados de saúde na secção 3.2.4-B, dedicando espaço às normas de orientação clínica, aos “eventuais efeitos de contenção dos gastos na qualidade dos cuidados de saúde” à doença renal.
Importante e de realçar a chamada de atenção para o acompanhar dos efeitos das normas de orientação clínica emitidas a partir de 2011. A esse respeito “Os dados disponíveis evidenciam que a prescrição de metformina não se faz de acordo com a norma emitida pela DGS [01/2011]. Isto traz necessariamente grandes custos financeiros.”
Sendo apenas um exemplo, deverá ser este tipo de acompanhamento generalizado a todas as normas, com o desejável contributo em tempo útil da ordem dos médicos. Aliás, para não desperdiçar o tempo e conhecimento especializado da classe médica, deverá ter-se um sistema de monitorização inicial de base estatística que produzirá alertas para uma análise mais aprofundada e especializada (pode dar-se o caso de a norma ser inapropriada, por exemplo).
Se todos os anos, ou todos os 6 meses, o OPSS produzir exemplos desta natureza dará um bom contributo para um melhor funcionamento do sistema de saúde português.
Na questão da qualidade, já a análise do OPSS revela algumas das fragilidades encontradas em secções anteriores – utilização de informação pontual para corroborar posições assumidas à partida. Por exemplo, assume-se sempre que o que existia antes era sempre óptimo e que por isso desvios ao que existia têm que ser necessariamente de sentido negativo. Assume-se também que contenção de gastos tem que resultar sempre em menor quantidade, pressupondo um trade-off entre qualidade e custos que não está obrigatoriamente presente quando se está na presença de ineficiências de operação (e dificilmente será defensável dizer que o serviço nacional de saúde é perfeitamente eficiente).
Aliás, este é um aspecto normalmente mal entendido em termos de aplicação da teoria económica – se houver desperdício e ineficiências, é possível simultaneamente aumentar a qualidade dos cuidados de saúde e reduzir os custos (ou pelo menos conter os custos).
Dessa relação assumida, mas não testada, entre contenção de custos e menor qualidade, passa o relatório para a noção de “racionamento implicito”, definido como “é aquele que não decorre de instruções ou de decisões explícitas para limitar a prestação de cuidados de saúde necessários, mas que resulta de comportamentos restritivos, como consequência de um clima de intensa contenção de gastos, por parte de decisores pressionados para limitar despesas e avaliados em função disso”. Embora seja discutível, aceitemos esta definição, para avaliar a existência de racionamento implícito é necessário avaliar se a prestação de cuidados é inferior à necessária (que pode ser diferente da que era prestada antes, a menos que se o OPSS considere que a prestação anterior era toda necessária e prestada a custos eficientes).
Os indícios apresentados são apenas casos dispersos, e sobretudo não se sabe se também não estariam presentes mesmo que não houvessem as actuais condições financeiras. Sem menosprezar a possibilidade da existência destes efeitos exige-se um rigor de análise que não está aqui satisfeito (e que também não esta satisfeito na refutação de situações de racionamento implícito por parte do ministério da saúde). Além de que um ou dois casos não constituem uma regularidade, seja qual for o sentido desses casos. Estou certo que em Portugal inteiro conseguiremos também encontrar um ou dois casos em que apesar das dificuldades financeiras se aumentou o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde.
Com o exemplo da doença renal, há um tratamento mais adequado da informação disponível e recolhida, usando comparações internacionais, para alertar para a prevalência dos tratamentos de doença renal terminal e sua possível relação para com o modelo de prestação e financiamento predominante em Portugal (financiamento público por pagamento prospectivo a prestadores privados). A argumento de necessidade de olhar com mais atenção para o que ocorre é válido, e deverá dar origem a reflexão e eventualmente ajustamento do sistema (por exemplo, será razoável incluir no sistema de pagamento aos prestadores privados uma condição associada com ocorrência de tratamento de doença renal terminal?).
e prepara-se um “verão quente”
no campo do medicamento, e com uma tomada de posição (aqui) para tentar colocar um fim nas práticas de determinação de preços por referenciação internacional. Não é clara qual a solução que com transparência de informação sobre os preços consegue satisfazer todas as partes.
Relatório da Primavera 2012 (11)
Sobre as questões de acesso, o relatório de primavera há um conjunto de observações relevantes, produzidas segundo se percebe de acordo com informação reunida de várias fontes. Faltou contudo uma discussão da sua representatividade, essencial para generalizar, bem como de explicações alternativas para as observações.
Não basta em geral dizer que determinada observação é consistente com a interpretação que o autor ache mais adequada, sempre que possível é necessário despistar outras interpretações que sejam igualmente possíveis e razoáveis.
Por exemplo, intui-se da forma como o texto do relatório de primavera está escrito que a redução no número de consultas é uma perda de acesso. Mas noutro ponto do relatório foi dito que a literacia em saúde é relevante para a boa utilização do sistema de saúde, e que essa literacia é baixa (segundo a opinião do OPSS), pelo que não haverá uma boa utilização do sistema de saúde. Se parte das falhas de utilização do serviço nacional de saúde por falta de literacia em saúde for o recurso excessivo a consultas, então a redução de consultas não seria necessariamente um mau sinal para o serviço nacional de saúde. Não estou a afirmar que esta explicação alternativa é a verdadeira, apenas que deverá haver o cuidado suficiente para discriminar entre as alternativas de interpretação, o que não foi feito.
De modo similar, a mera referência a pessoas que não aviam completamente as receitas nas farmácias pode reflectir um problema mas não necessariamente um agravar desse problema – e aqui bastaria ir comparar os resultados obtidos no inquérito realizado com os resultados passados que se encontram publicados em trabalhos de Manuel Villaverde Cabral e Pedro Alcantara da Silva.
Estes cuidados metodológicos reforçariam a argumentação apresentada.
De evitar apenas o recurso a informação jornalística que pode ser imprecisa, mais facilmente manipulável pelas fontes e frequentemente baseada em poucas observações (por exemplo, uma corporação de bombeiros pode dizer que não transporta doentes por falta de verba e que está à beira da ruptura financeira, e que isso prejudica fortemente os idosos da sua localidade, que dificilmente o jornalista terá capacidade de verificar as contas da associação de bombeiros, ou fazer uma avaliação da actividade de transportes realizada). Uma vez mais não significa que as conclusões retiradas sejam erradas, não são é fiáveis dada a base de informação usada.
Sendo plausível que as actuais circunstâncias levem a maiores dificuldades de acesso a cuidados de saúde, não é lícito recolher informação dispersa e desorganizada apenas porque é consistente com essa visão.
sobre e-health, o novo relatório
da Comissão Europeia, aqui.
Operação “remédio santo”, mais uma e não a última…
Para além dos nomes das operações, não se pode deixar de colocar uns quantos “like” (a linguagem do momento) na actuação contra a fraude no sector da saúde. Podem não ser montantes muito elevados por agora, no sentido em que não pagam a dívida específica do sector, mas este combate à fraude é importante.
Mostra, por um lado, que na área da saúde não se é diferente das outras quando há tentações de dinheiro ilícito e esquemas. E mostra que há um caminho a fazer.
Aplaudindo o mérito deste combate, esperando que chegue também aos aprovisionamentos nas unidades de saúde e a contratações diversas. São “zonas de perigo” noutros sectores, e como se vê neste aspecto não há razão para o sector da saúde ser diferente.
Relatório da Primavera 2012 (10)
A atenção dedicada pelo OPSS aos hospitais é demasiado escassa, e sobretudo foge ao problema central, que qualquer dos documentos referenciados para consulta não trata de forma profunda: a dívida hospitalar e os processos da sua criação.
Há, realmente, dois problemas a resolver. Um fácil conceptualmente, difícil materialmente. Outro cuja própria definição de solução não é simples.
O primeiro problema é o stock de dívida gerado. Conceptualmente, basta encontrar dinheiro, o que será materialmente difícil. Aparentemente a solução preconizada é pagar cerca de metade até ao final do ano corrente, e o resto renegociar descontos e esperar que sejam libertados fundos para o pagamento. A maior parte da dívida hospitalar encontra-se junto da indústria farmacêutica.
O segundo problema, mais complicado, é evitar que a criação de nova dívida no futuro. Para evitar essa criação de dívida futura, é necessário compreender os mecanismos que a geram. E há três observações a ter em conta na formulação da solução:
a) o deixar de pagar à indústria farmacêutica é uma solução “fácil” para a gestão hospitalar, com o argumento de que a indústria tem capacidade financeira para esperar pelo pagamento, e com a popularidade de fazer da indústria o “vilão” se não fornecer medicamentos; constitui uma óbvia “válvula de escape”, mas com elevados custos – os preços dos medicamentos já certamente incorporam a expectativa de um prazo de pagamento dilatado, mas também em termos de desresponsabilização da gestão, uma vez que a solução vem sempre ” de cima”
b) a criação de um ambiente em que quem mais gasta e menos paga a fornecedores não tem qualquer interesse em fazer diferente, com uma clara desresponsabilização da gestão
c) a falta de uma relação financeira séria dentro do serviço nacional de saúde, na definição do financiamento hospitalar e no cumprimento das regras acordadas para esse financiamento, de preferência com um base plurianual (três anos, por exemplo), para permitir verdadeiramente uma gestão da actividade; esta falta de relação financeira séria “empurra” facilmente as gestões hospitalares para as observações a) e b) anteriores.
Há que procurar resolver este problema de criação de dívida, e a falta de contribuição do OPSS para esta discussão é uma omissão penalizadora do relatório.
Uma ideia, que proponho para discussão, é fazer uma ligação entre as alterações que decorram da nova carta hospitalar em termos de encerramentos de serviços e o desempenho de gestão, incluindo nesse desempenho com grande destaque a situação da dívida – ou mais claramente, em igualdade de circunstâncias ou quase igualade, encerrar serviços nos hospitais que demonstraram menor capacidade própria de conter o crescimento da dívida a fornecedores.
no dinheirovivo.pt de hoje,
1 ano de governo, o dificil foi escolher 4 tópicos económicos, quando muitos mais caberiam.
Deixei de fora dois aspectos, a que voltarei num futuro próximo:
a) a capacidade de mudar os sectores produtores de bens não transaccionáveis
b) a discussão sobre o que pode fazer crescer a economia, que tem estado sempre latente nas discussões sobre as opções políticas.
Relatório da Primavera 2012 (9)
Naturalmente, pelas pessoas envolvidas, a contratualização não podia deixar de ser um tema tratado pelo Relatório de Primavera.
A contratualização é um instrumento de gestão do sistema de saúde, mas tem sido muito menos efectivo do que deveria ser, uma vez que em lugar de ser negociado entre as partes envolvidas se torna uma imposição. Além de que todo o processo tem tido o seu momento adequado ultrapassado, e sem que haja um verdadeiro compromisso de ambas as partes para com o que é contratualizado.
Há a necessidade de repensar todo o processo, criando os mecanismos e compromissos indispensáveis ao seu bom funcionamento. Neste ponto, é pena que o OPSS não tenha avançado com um conjunto de princípios de bom funcionamento para a contratualização, nem uma proposta de mecanismos para a sua aplicação.
Por exemplo, parece-me razoável o princípio de que a contratualização tenha lugar 6 meses (ou mais) antes do período temporal a que diz respeito, e que possa ser feita para um período de 3 anos, com revisões rápidas anuais, e revisão mais profunda de três em três anos. Se este princípio for aceite, então é melhor pensar já na contratualização para o triénio 2013-2015, a fechar até Setembro. Ou se já não houver tempo, então fixar como meta até final de maio de 2013 fechar a contratualização para o triénio 2014-2016, e 2013 seria igual a 2012 (saltando um ano de negociação explícita como forma de acertar passo com novo mecanismo).
Da mesma forma podem ser pensados outros princípios e respectivos mecanismos.