Esta manhã tive a oportunidade de comentar a apresentação de Olivier Thevenon sobre este tema. Deixo aqui uma breve apreciação de dois trabalhos do autor, com as respectivas referências no final.
O desafio de partida apresentado pelo autor é: que relação se encontra entre desenvolvimento económico e fecundidade?
As sucessivas análises de dados têm encontrado uma relação negativa – conforme o rendimento per capita aumenta, a número de crianças na população tende a diminuir, há uma redução da taxa de fecundidade.
Mas, mais recentemente, alguns países de rendimento elevado reverteram ligeiramente esta tendência. Aparentemente, quando o rendimento per capita é suficientemente elevado, o seu crescimento gera um aumento da taxa de fecundidade, mas longe de atingir a taxa de reposição da população.
Porquê esta inversão? os autores identificam como principal factor a existência de mecanismos sociais e legais que permitem conciliar o trabalho feminino com a vida familiar.
Desta relação é fácil passar para a discussão de quais os instrumentos que estão disponíveis para aumentar a natalidade.
A primeira constatação é a de que diferentes países têm adoptado diferentes instrumentos:
– Norte da Europa Continental – incluindo França e Escandinávia – licenças parentais, de maternidade e paternidade, generosas, creches e apoios similares
– países de tradição de língua inglesa – programas de trabalho flexíveis e apoios no local de trabalho
Para ver com mais detalhe estes aspectos, os autores usem uma base de dados de 1982 a 2007 sobre medidas de apoio à família.
Consideram o impacto de cinco tipos de medidas sobre a taxa de fecundidade:
1) despesa em licenças de maternidade, paternidade e outros pagamentos do tipo, por nascimento, como proporção do PIB per capita.
2) despesa em transferências por criança abaixo dos 20 anos em percentagem do PIB per capita
3) despesa em serviços de apoio a crianças com menos de 3 anos, em proporção do PIB per capita
4) número de semanas de licença pagas (maternidade e paternidade)
5) proporção das crianças com menos de 3 anos que frequenta instalações de apoio
Os autores procuram ver o impacto destas medidas na taxa de fecundidade e numa taxa de fecundidade ajustada para o adiamento do momento de nascimento do primeiro filho.
Utilizam métodos estatísticos avançados para concluir que
a) os principais instrumentos, os que têm mais efeitos, são os apoios de médio e longo prazo – as medidas 2) e 3)
b) de qualquer modo, o seu impacto quantitativo parece não ser muito grande.
Há vários comentários que podem ser produzidos.
Tomemos os factores económicos:
– custo de ter e criar uma criança face ao rendimento disponível
– custo de oportunidade em termos de tempo retirado à actividade laboral e a actividades de lazer
Em que medida as políticas ou as variáveis usadas capturam estes efeitos?
Exemplos de medidas alternativas que podem estar mais próximas:
* apoio concedido face ao custo de ter e criar uma criança
* salário médio das mulheres em idade fértil (ou das mulheres com idade em redor do momento de ter o primeiro filho)
Seria interessante ter também uma visão clara do tempo que as medidas demoram a produzir efeitos.
Seria interessante saber o papel da credibilidade das medidas de apoio em cada país (com que frequência mudam as regras e os valores, por exemplo)
Seria interessante ter para cada país quanto teria de ser usado de cada medida para que fosse alcançada a taxa de reposição da população (o que tecnicamente deve ser uma extrapolação para além do domínio da amostra).
Os resultados indicam que medidas com “permanência” no tempo têm mais efeito – os apoios financeiros de natureza duradoura parecem ser de alguma forma incorporados numa noção de rendimento permanente.
Dois outros aspectos são claros:
– a incerteza criada pela possibilidade de desemprego tem um efeito negativo – se li bem as estimativas dos autores, um aumento de 1% na taxa de desemprego teria que ser compensada com um aumento de 1% do PIB per capita dedicado a apoiar crianças abaixo dos 20 anos para que a taxa de fecundidade se mantivesse inalterada; curiosamente, não é a protecção no emprego que faz a diferença. É mesmo a capacidade de encontrar emprego.
– a aceitação social de nascimentos fora dos modelos de família tradicional, correspondendo a u mudança de normas sociais, é favorável a uma maior taxa de fecundidade.
Tomando Portugal nos dias de hoje:
– elevada taxa de participação feminina no mercado de trabalho
– elevado desemprego e dificuldades de jovens em encontrar emprego
– incerteza quanto à duração de apoios estatais (em geral), não permitindo a sua integração como “rendimento permanente”
– baixos salários, fazendo com que o custo de ter e criar uma criança seja elevado face aos rendimentos (mais do que compensando o baixo custo de oportunidade de cuidar de uma criança).
– cultura de “presentismo” no local de trabalho, dificultando a conciliação trabalho – família.
Todos estes são factores negativos.
Por outro lado,
– apoio dos avós é relativamente comum.
Dos estudos internacionais não é claro o que possa promover uma alteração da situação actual, alteração que tenha baixos custos, nos países do Sul da Europa.
Aspectos que surgem como determinantes:
– perspectiva de longo prazo em qualquer medida que seja adoptada, não há formas rápidas de fazer esta mudança
– influência sobre o estilo de vida e decisões de uma população relativamente jovem
Atacar dois problemas:
– condições financeiras
– custo de oportunidade (e não só salarial, mas de tempo – actividade lúdicas, incluindo viagens, por exemplo).
Com mais do que um objectivo, será necessário mais do que um instrumento.
Que fazer?
– apoios monetários directos ou indirectos atacam as dificuldades financeiras. Não resolvem porém o aspecto do tempo.
– conciliar a vida de trabalho com a vida familiar. Só trata do custo de oportunidade do trabalho.
– falta lidar com custo de oportunidade do lazer:
* pais irem ao cinema ou teatro ou futebol ou concerto (ou tudo isto)
* país fazerem viagens curtas (dentro ou fora do país)
Como?
– facilitar o apoio dado pelos avós
– facilitar a cooperação e auto-organização dos jovens
– Outras ideias “diferentes”?
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