Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


Deixe um comentário

Barreiras de acesso ao SNS (4)

No desenvolvimento do acesso a cuidados de saúde primários é importante conhecer o que sucede com os utentes sem médico de família. Sendo evidente que o objetivo proclamado de todos os residentes em Portugal terem um médico de família, importa saber o que foi a evolução recente. Em termos de informação estatística há ainda uma tradição de ter mais inscritos em centros de saúde do que habitantes em Portugal, mostrando um problema de registos. A evolução recente de redução de inscritos nos cuidados de saúde primários não é assim um bom indicador. O progresso conseguido tem sido baixo, sendo que a  dificuldade de contratação de novos médicos e a reforma de um número considerável de médicos de família são apontados pelo Ministério da Saúde como contrariando um desejável mais rápido progresso. A criação de USF tem sido indicada como uma forma de aumentar a cobertura de médicos de família, pois à partida todos os utentes abrangidos pela USF terão de ter médico de família. Em termos estatísticos, essa característica tem permitido aumentar o número de pessoas com médico de família mas também leva a que os utentes sem médico de família se concentrem mais nas unidades tradicionais de cuidados de saúde primários.

Além de conhecer os valores globais, é relevante conhecer a sua distribuição. Uma forma de o fazer é através de curvas de concentração. Optou-se aqui por relacionar a proporção de utentes sem médico de familia em cada unidade funcional (qualquer que seja a sua natureza) e poder de compra da zona onde está situada (como forma de aproximar diferenças de rendimento entre zonas). Criaram-se gráficos, usando informação detalhada por unidade funcional cedida pela ACSS, que ligam a frequência relativa acumulada das unidades funcionais, ordenadas crescentemente com o poder de compra da população que é servida com a frequência acumulada da proporção de residentes sem médico de familia.

As figuras para os anos 2009, 2011 e 2014 mostram uma aproximação à diagonal principal, indicando que há uma menor relação entre aspectos de rendimento (medidos pelo poder de compra) e a cobertura por médico de família. Observa-se também que as unidades funcionais localizadas em zonas de menor rendimento não têm um tratamento desigual. O afastamento da diagonal surge sobretudo para unidades de cuidados de saúde primários que servem zonas geográficas de rendimentos médios-altos (mas não os mais elevados), indicando que há uma menor cobertura por médicos de família nessas zonas de poder de compra. As zonas de maior poder de compra voltam a ter uma situação basicamente de cobertura de médicos de família não relacionada com esse poder de compra. Note-se que aqui cada unidade funcional tem o mesmo peso, qualquer que seja a população servida. É também claro que a aproximação à diagonal, redução de desigualdades ligadas a este poder de compra, ocorre sobretudo entre 2011 e 2014, não havendo grande evolução entre 2009 e 2011. Claro que uma menor desigualdade poderia ser obtida havendo mais utentes sem acesso a médico de família, afectando apenas de forma mais uniforme todas as zonas. Os valores agregados de evolução entre 2011 e 2014 sugere que não será essa a situação.

Screen Shot 2015-10-26 at 10.34.03

Screen Shot 2015-10-26 at 10.35.14

Screen Shot 2015-10-26 at 10.35.22

Screen Shot 2015-10-26 at 10.35.30


3 comentários

Barreiras de acesso ao SNS (1)

No trabalho feito para responder à questão de como evoluíram as barreiras no acesso a cuidados de saúde em Portugal entre 2013 e 2015, utilizaram-se dois inquéritos com perguntas similares, um realizado na Primavera de 2013, e o segundo em Junho de 2015. A utilização de perguntas similares permite comparação, ainda que não se trate de um painel.

Foram em cada ano inquiridos mais de 1200 pessoas, com estratificação para representatividade (ver no final deste post informação sumária, sendo que informação completa se encontra disponível no volume complementar mencionado aqui).

Para identificar barreiras de acesso a cuidados de saúde não basta perguntar às pessoas se sentiram alguma inibição, pois isso seria equivalente a admitir como ponto de partida que nunca existe utilização supérflua de cuidados de saúde. Na utilização de cuidados de saúde pela população temos efeitos tão diferentes como evitar utilização desnecessário (o que é positivo) e impedir utilização necessária (o que é negativo). Adicionalmente, perguntar em geral se houve limitação ou não é enganador porque não dá uma visão quantificada. O exemplo disso é quando uma pessoa que foi 9 vezes à urgência hospitalar num ano diz que houve uma situação em que não foi por causa da taxa moderadora. Neste caso, a pessoa foi inibida pela existência de uma barreira preço (a taxa moderadora) mas apenas numa vez em dez.

Para evitar este efeito, que tende a empolar a importância das barreiras de acesso, é perguntado às pessoas o que fizeram na última vez que se sentiram doentes. E das que não foram procurar auxilio no sistema de saúde, é perguntado o motivo pelo qual não recorreram ao sistema de saúde. Nas opções é incluída a possibilidade de não valer a pena pagar a taxa moderadora (interpretado como o benefício recolhido ser inferior ao custo dessa taxa moderadora para o cidadão) e a possibilidade não ter capacidade de pagar a taxa moderadora (caso em que se admite que o preço da taxa moderadora impede uma utilização necessária de cuidados de saúde).

As perguntas exactas usadas quer em 2013 quer em 2015 foram:

“Relativamente à última vez em que se sentiu ou esteve doente, procurou auxílio no sistema de saúde?”

Se a resposta foi negativa, as perguntas seguintes foram: “Disse-me que não procurou auxílio no sistema de saúde. O que fez quando se sentiu ou esteve doente? (Não sugerir nada e registar as respostas dadas)

  • Automedicou-se
  • Não fez nada, esperou que passasse
  • Outra: Qual?

e qualquer que tenha sido a resposta à questão anterior, seguiu-se:

E porque razão tomou esta opção?

  • Não era grave
  • Não quis esperar para ser atendido
  • Não valia a pena pagar a taxa moderadora
  • Não tinha capacidade para pagar a taxa moderadora
  • Não tinha capacidade para pagar o transporte
  • Outra: Qual?

A partir destas perguntas é possível ver quantas pessoas na amostra indicaram cada opção na última vez que se sentiram doentes, e usando os factores de representatividade ter uma estimativa do que poderá ser este efeito na população com mais de 15 anos. Os dois quadros seguintes apresentam os resultados, calibrados para representar a população. As diferenças entre os dois anos não são expressivas. É de realçar o elevado recurso à automedicação nestes casos. Olhando para as barreiras como traduzidas pelas decisões das pessoas que tendo estado doentes optaram por não procurar auxilio no sistema de saúde. É de realçar que em nenhum dos dois anos foi referido por qualquer inquirido a existência de custos de transporte inibidores do recurso a cuidados de saúde. Isto é, os custos de transporte não são suficientemente elevados para evitar utilização necessária de cuidados de saúde (este aspecto voltará a ser analisado com outras questões num post futuro). A falta de capacidade para pagar taxa moderadora afecta também um número reduzido de pessoas (acresce que os motivos para a opção não são mutuamente exclusivas). Corresponde a uma resposta em 2013 (que representa 5304 pessoas) e duas respostas em 2015 (representa 12 353 pessoas). Estamos assim a falar de números muito pequenos, mesmo atendendo a que o número de pessoas que disse não ter recorrido ao sistema de saúde passou de 74 pessoas em 2013  para 94 pessoas em 2015 (num total de 1254 inquiridos em 2013 e 1260 em 2015).

Screen Shot 2015-10-11 at 16.27.43

Screen Shot 2015-10-11 at 16.27.49

Informação técnica:

Abordagem metodológica – Inquérito de 2013:  Universo: constituído pelos indivíduos com 15 e mais anos de idade, residentes em Portugal Continental. Amostra: constituída por 1.254 entrevistas. Selecção de lares e indivíduos: os inquiridos foram seleccionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as seguintes variáveis: Região (7 grupos),Habitat (5 grupos), Género (2 grupos), Idade (6 grupos), Instrução (2 grupos) aplicada aos homens e Ocupação (2 grupos) aplicada às mulheres.  A partir de uma matriz inicial de Região vs Habitat, foram seleccionados aleatoriamente um número significativo de pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas, através da aplicação das quotas acima referidas. Em cada localidade, embora não existindo a aplicação do método de random route, existiram instruções que obrigaram o entrevistador a distribuir as entrevistas por toda a localidade. Recolha da Informação: A informação foi recolhida através de entrevista directa e pessoal na residência dos inquiridos, em total privacidade. Os trabalhos de campo decorreram entre os dias 12 e 23 de Abril de 2013 e foram realizados por 61 entrevistadores, recrutados e treinados pela GfK, que receberam uma formação adequada às especificidades deste estudo. A recolha incidiu nos fins-de-semana, entre as 10h e as 22h, e nos dias úteis, entre as 17h e as 22h. Foi realizado um controlo de qualidade.

Abordagem metodológica – Inquérito de 2015: Universo: constituído pelos indivíduos com 15 e mais anos de idade, residentes em Portugal Continental. Amostra: constituída por 1.260 entrevistas.  Selecção de lares e indivíduos: os inquiridos foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as seguintes variáveis: Região (7 grupos),Habitat (5 grupos), Género (2 grupos), Idade (6 grupos), Instrução (2 grupos) aplicada aos homens e Ocupação (2 grupos) aplicada às mulheres. A partir de uma matriz inicial de Região vs Habitat, foram seleccionados aleatoriamente um número significativo de pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas, através da aplicação das quotas acima referidas. Em cada localidade, embora não existindo a aplicação do método de random route, existiram instruções que obrigaram o entrevistador a distribuir as entrevistas por toda a localidade. Recolha da Informação: A informação foi recolhida através de entrevista directa e pessoal na residência dos inquiridos, em total privacidade. Os trabalhos de campo decorreram entre os dias 12 e 23 de Junho de 2015 e foram realizados por 57 entrevistadores, recrutados e treinados pela GfK, que receberam uma formação adequada às especificidades deste estudo. A recolha incidiu nos fins-de-semana, entre as 10h e as 22h, e nos dias úteis, entre as 17h e as 22h. Foi realizado um controlo de qualidade.