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Casas devolutas: uma proposta alternativa

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No post anterior, lancei um desafio à comunidade para ajuda na identificação dos principais motivos pelos quais existem casas devolutas. Resultou desse desafio o quadro seguinte. Não se reclama representatividade nacional dos resultados, é apenas um exemplo do trabalho que o Governo deverá realizar para um conhecimento sério da realidade nacional.

A pergunta colocada foi “Caso conheça quem tenha uma habitação devoluta (ou mais do que uma), em que devoluta significa sem ocupação há mais de um ano (ou desabitada), do que sabe, quais os motivos que pensa estarem por detrás dessa situação?” sendo possível indicar mais do que um motivo.

Das respostas obtidas (80, às 13h00 de 08/03/2023), fica claro que o motivo “especulação” argumentado por vários intervenientes no debate político é super minoritário (e até o motivo de retirar habitações do mercado para fazer subir os preços não é assinalado em nenhum caso conhecido). Pode dar-se o caso de ter aqui uma amostra ultra enviesada. Mas se é essa a situação, então quem defende que a existência de casas devolutas se deve maioritariamente a motivo de especulação imobiliária deverá apresentar a base de evidência que usa, para que se possa escrutinar e compreender melhor essa posição.

Dos restantes motivos, encontra-se, em traços largos, uma arrumação em três grandes grupos:

  • opções familiares, desde memória de gerações passadas a uso de imóvel como elemento de poupança
  • falta de confiança no processo de arrendamento (nomeadamente, nas mudanças de política do Governo, dos sucessos Governos)
  • problemas jurídicos com a utilização do ativo (capacidade de usar o imóvel)

Em algumas situações, estes motivos cruzam-se, não sendo mutuamente exclusivos.

A opção por uma política de arrendamento forçado, em termos de decisão pública, não resolve os problemas subjacentes a qualquer um destes grupos de motivos e pode, em alguns casos, levar a uma violação da intimidade das opções seguidas pelas famílias (por exemplo, quando uma habitação é preservada, mas não ocupada para vivência diária, em memória de familiares falecidos).

A falta de confiança nas decisões públicas futuras só será agravada pelo arrendamento forçado. Os problemas jurídicos de heranças e partilhas não são resolvidos pelo arrendamento forçado (nestes casos, significa que a renda que seja paga pelo Estado é dividida entre os herdeiros, que sobre ela terão de pagar imposto, ou é colocada num fundo até que haja decisão legal? ou outra solução?).

Ou seja, é difícil argumentar, a meu ver, que a proposta governamental resolve as principais barreiras ao arrendamento. Algumas das ideias do programa Mais Habitação podem, ainda assim, ser usadas de outra forma, mais útil, para a construção de propostas alternativas que aumentem a disponibilidade das famílias para colocar habitações devolutas no mercado de arrendamento.

Tomando a ideia do Estado arrendar a valores de mercado para depois subarrendar de acordo com a capacidade de esforço do inquilino, a intenção desta ideia é reduzir o risco, para quem aluga, da falta de pagamento por parte do inquilino. Mas não reduz o risco de ter problemas com inquilinos que não queiram deixar a habitação (com o evidente cumprimento dos prazos legais de notificação para não renovação de contratos). Esse “seguro” de ausência de problemas poderá ser dado oferecendo ao inquilino a possibilidade de continuar, de forma automática, noutra habitação arrendada ou cedida pelo Estado, libertando de forma simples a habitação inicialmente arrendada. Não se trata aqui de facilitar despejo com avisos de curto prazo, e sim de facilitar ao dono da habitação a capacidade de a utilizar como entender sem deixar de dar solução de habitação ao inquilino. O Estado dá um “seguro de renda” ao senhorio e um “seguro de habitação” ao inquilino, em lugar de o “seguro de renda” ser também um “seguro de habitação”.

Dentro desta lógica, se um inquilino quiser mudar, também o poderá comunicar ao senhorio, com os prazos legais gerais estabelecidos, sem que o Estado fique obrigado a continuar a arrendar o imóvel (o “seguro” do Estado ´é sobe o pagamento da renda e não sobre a ocupação da habitação).

Desta forma, creio que que se desbloqueia um dos motivos para a não colocação de mais casas desocupadas no mercado de arrendamento, levando a que haja maior oferta de forma voluntária, e sem necessidade de interferir com o direito de propriedade privada. Claro que para alguns atores políticos, o objetivo até poderá ser o de interferir com a ideia de propriedade privada, e o mercado de arrendamento e as casas devolutas serem apenas um pretexto. Parece-me, contudo, que não será esse o sentimento geral da população, daí que a procura de alternativas deva ser feita.

Esta solução ajuda também a resolver o motivo de “poupança” (reserva de valor) para manter um imóvel devoluto – sendo fácil ter o imóvel disponível para venda, mais facilmente será colocado no mercado de arrendamento (para gerar algum retorno económico enquanto não é exercida a possibilidade de venda).

Para o motivo associado com heranças, uma versão alternativa ao que está no programa “Mais habitação” será oferecer a possibilidade de venda ao Estudo do imóvel, a concretizar desde que 2/3 (ou outra percentagem elevada) dos direitos de herança assim decidam. Sem obrigar à venda e sem obrigar ao arrendamento forçado, impede que uma minoria de bloqueio utilize o poder de veto para manter fora do mercado o imóvel.

Tendo como objetivo aumentar o número de habitações para arrendamento no mercado, por redução do número de casas devolutas, podemos colocar como alternativas a comparar

a) manter tudo como está

b) arrendamento forçado, com “seguro de venda” para o senhorio

c) “seguro de renda” para o senhorio e “seguro de habitação” para o inquilino, em que o primeiro tipo de seguro não dá garantia de ocupação e em que o segundo tipo de seguro não garante a mesma habitação indefinidamente.

Destas três opções, numa análise breve, a opção c) é a que, no meu entendimento, tem a possibilidade de produzir mais efeitos (acréscimo de habitações no mercado de arrendamento) com menores custos (incluindo os custos de coesão social e de confiança nas instituições públicas).

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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