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Voltando ao tema da habitação: casas devolutas e mercado

3 comentários

A discussão pública à volta da proposta do Governo parece ter esmorecido nos últimos dias, após o (habitual) pico de indignação, Não há verdadeiramente uma discussão técnica, necessária para que se encontre a melhor solução para o problema (e por vezes parece que com o mesmo nome se fala de problemas diferentes).

Volto por isso ao tema, para mais detalhe num ponto particular: as casas devolutas.

O ponto de partida: ter casas devolutas é ter capacidade instalada a não ser útil socialmente.

Vou definir o primeiro “problema” como sendo “Qual a melhor forma de trazer essas casas devolutas para o mercado de arrendamento de habitação?”. Ao definir o problema desta forma já estou a explicitar que o objetivo não é apenas que tenham uso social relevante, mas que esse uso seja para arrendamento (o que podemos discutir se deverá ser o objetivo a ter, ou apenas querer que passem a ter um uso socialmente mais útil). Também não estou a assumir que apenas a colocação no mercado de arrendamento das casas devolutas é suficiente (ou sequer necessário) para resolver o problema de falta de habitação a preços mais baixos do que os atualmente existentes.

O segundo passo é, obviamente, definir quantitativamente o problema: estamos a falar de quantas casas, e onde está localizadas?

Essa quantificação não é feita no documento colocado em discussão pública, nem se encontra disponível em qualquer outro local (de internet, pelo menos, e tanto quanto foi possível pesquisar). Aliás, não se conhecem quais são as habitações devolutas privadas nem o imobiliário público devoluto que pudesse ser eventualmente utilizado para uso de habitação providenciada pelo sector público.
Do Censo de 2021 sabe-se, e tem sido referido, que existiam cerca de 723 mil alojamentos familiares vagos (ver aqui), sendo que desses 348 mil estavam para arrendamento ou para venda. Ou seja, é desonesto dizer-se que há 723 mil habitações devolutas – ou é incompetência, ou é má fé. Mais, os que estão disponíveis para arrendamento ou para venda (não há separação entre os dois motivos) são, provavelmente, suficientes para satisfazer a procura existente SE estivessem nas localizações pretendidas e nas condições desejadas (incluindo de preços e/ou rendas). Para os restantes, não se faz ideia, pelas estatísticas disponíveis, se estão devolutos ou não. Se o Ministério da Habitação tem essa informação, deverá disponibilizar para a discussão pública. Se não tem, deverá ir procurar ter, pelo menos, uma estimativa, para conseguir dar o enquadramento factual correcto ao problema.

A propósito de estimativas de imóveis devolutos, em vários locais da internet é referido que a Camara Municipal de Lisboa identificou, para efeitos de aplicação de imposto agravado, 584 habitações devolutas em 2021 (ver por exemplo aqui, numa noticia de 2022, muito antes do Governo ter apresentado o pacote de medidas “Mais Habitação”). O total nacional de casas devolutas estimado de acordo com esse método é de menos de 4200 habitações, muito longe do número global que foi “atirado para o ar”. Igualmente relevante é verificar que o número de casas vagas era ainda maior em 2011, no Censo anterior, e que de 2011 para 2021 aumentou em 70 000 o número de casas vagas para arrendamento ou venda, sendo que no mesmo período de 10 anos entre os dois censos aumentou o número de alojamentos familiares de residência habitual. Não houve uma passagem de habitações de residência habitual para venda ou arrendamento.

A importância de conhecer a dimensão do imobiliário público devoluto é óbvia – Portugal tem uma componente de provisão pública de habitação muito reduzida em comparação com outros países, resultado de um século (mais de 100 anos) de negligência desse elemento – recorrendo ao estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos p. 149 “Contrary to what happens in most Western European countries, Portugal did not gain budgetary «muscle» to develop a housing promotion policy and build a significant public housing stock, capable of assisting families with greater difficulties in accessing housing. It
did not do so during the dictatorship of the Estado Novo, nor under democracy, after the April 1974 revolution. Today, this housing stock is made up of about 120 thousand dwellings, which represent only 2% of the total number of dwellings”. Aumentar a oferta pública através da mobilização do património devoluto do Estado parece ser uma forma rápida, e menos invasiva da sociedade civil, do que a proposta apresentada pelo Governo. O primeiro esforço deverá ser resolver as incapacidades do Estado.

O passo seguinte, na caracterização quantitativa da situação, é saber o porquê de uma habitação estar devoluta.
Não encontrei qualquer descrição que aproxime essa caracterização quantitativa. Assim, decidi colocar um pequeno desafio, como demonstração do que devia ter sido feito e aparentemente não foi feito (ou pelo menos disponibilizado publicamente), sobre o que possa ser a importância relativa de cada um dos motivos para se ter uma habitação devoluta.

Só percebendo que motivos são mais importantes, será possível desbloquear a passagem de casas devolutas para mercado de arrendamento, com a indicação de várias propostas de intervenção nesse sentido, que sejam colocadas como alternativa e comparadas à proposta de arrendamento coercivo proposta pelo Governo.

Assim, quem quiser ajudar nesta discussão, fica desafiado a ajudar na identificação dos principais motivos.

(aguarde que a tabela seguinte apareça, e poderá escolher várias respostas)

(podem ser adicionados motivos na caixa de comentários)

Com as respostas obtidas, será possível pensar nas propostas que para ultrapassar as barreiras que sejam mais importantes para a levar habitações devolutas ao mercado de arrendamento (assunto para o próximo post).

(Nota: esta série de posts pretende ilustrar trabalho de base que deverá ser feito e colocado disponível para se perceberem as opções políticas e as decisões tomadas)

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “Voltando ao tema da habitação: casas devolutas e mercado

  1. Caso próximo: Prédios devolutos em Lisboa pertencem a dois familiares que não se falam.
    É problema de herança, mas não jurídico como proposto na tabela

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  2. No prédio onde vivo há 2 andares vagos há mais de dois anos. Penso que não alugam pois têm de fazer obras e não o fazem. Outro andar não é alugado mas pertence a um dos filhos do senhorio e não é habitado por ele.

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  3. Pingback: Casas devolutas: uma proposta alternativa | Momentos económicos... e não só

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