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Programa “mais habitação”: o controle das rendas

As críticas mais recentes de Marcelo Rebelo de Sousa e de Anibal Cavaco Silva às novas leis e regras para o mercado da habitação voltam a reacender a discussão, praticamente no final do período de consulta pública (ainda a decorrer). A crítica mais recente de Marcelo Rebelo de Sousa foi quanto à falta de operacionalidade do “pacote mais habitação”.

Mas uma visão sobre se é exequível ou não é exequível tem de ser complementada com uma discussão sobre o conteúdo das propostas do Governo. Mesmo que fosse exequível, seriam medidas adequadas para resolver o problema em causa (isto é, resolviam? e se sim, resolviam com os menores custo sociais de o fazer?)

Sobre o “arrendamento forçado”, deixei uma análise e sugestões alternativas aqui: casas devolutas: uma proposta alternativa.

É agora tempo de olhar para outro aspecto central do grupo de medidas “mais habitação”:  a limitação do aumento das rendas. Num próximo post, abordarei as limitações introduzidas ao alojamento local.

Uma das medidas do programa “mais habitação” é a limitação do crescimento das rendas praticadas (em novos contratos ou em renovação de contratos de arrendamento), que não é nova em Portugal e que não é uma novidade no panorama internacional.

O que se conhece de estudos de análise de experiências de controlo de rendas de habitação apontam para a) efeitos positivos para os inquilinos (para os que conseguem ser inquilinos, mais exactamente); b) efeitos negativos para os inquilinos (e para os que são candidatos a inquilinos); c) efeitos negativos para os proprietários.

Os efeitos positivos para os inquilinos são os esperado: rendas mais baixas, maior estabilidade dos valores das rendas, e menor saída de moradores tradicionais em bairros suscetíveis de mudança de residentes (menor alteração nos residentes).

Os efeitos negativos para os inquilinos são sobretudo passar a ter menor oferta no mercado de habitação para arrendamento (afetando quem ande à procura de casa para alugar), até por conversão para outros usos ou venda de habitações que de outro modo estariam no mercado de arrendamento, um menor interesse dos proprietários na manutenção das habitações, uma maior discriminação contra inquilinos de menor rendimento e/ou emprego visto como mais instável (assume maior importância relativa o receber renda com segurança e a expectativa de menores problemas com o inquilino, na escolha feita pelo proprietário de a quem alugar) e a procura, por parte dos proprietários, de “soluções” de arrendamento complementar, que acabam por iludir este controle (por exemplo, nas casas arrendadas com mobília e equipamento doméstico, haver um contrato de arrendamento separado, sendo que não forma de fixar a renda na mobília e no equipamento doméstico).

Num argumento económico com 75 anos, inicialmente enunciado por M Friedman e G Stigler, em 1946, o controle de rendas leva a que não haja a melhor utilização das casas. A melhor utilização das casas é que cada habitação seja usada por quem mais valoriza as suas características: exposição solar para quem tiver possibilidade de teletrabalho versus proximidade de transportes públicos para quem só tiver possibilidade de trabalho presencial, por exemplo; proximidade de comércio local versus maior sossego; famílias pequenas (por os filhos terem saído de casa) em habitações grandes versus famílias grandes (casais jovens com filhos) em habitações pequenos, etc. Os preços das rendas são também uma forma de dar informação para estas decisões – rendas subirão mais se todos quiserem ir para o mesmo sítio, fazendo com quem valorize menos essas características do local mais procurado alugue noutra área. A limitação do aumento das rendas trata todas as pessoas de forma igual, com o custo de eliminar possibilidades de melhor utilização (do ponto de vista da sociedade) das casas. Também pode levar a menor mobilidade laboral de quem tiver uma habitação com rendas de crescimento limitado. Estes efeitos podem, ou não, ser pequenos. Como não são medidos, não se faz ideia da sua magnitude. O serem ignorados na discussão política não significa que deixem de existir esses custos.

Da evidência internacional disponível (referências no final do texto), é possível retirar algumas regularidades. A maioria dos controles de rendas consiste em limitar os aumentos de rendas, normalmente associados com restrições aos despejos (Diamond, 2019). Os estudos realizados em outros países indicam que os controles de rendas ajudam os inquilinos no curto prazo, sendo que no longo prazo reduzem a capacidade de conseguir arrendar a rendas mais baixas, estimulam a venda das habitações e geram externalidades negativas, associadas com imóveis que não recebem a manutenção adequada). Também se encontram documentados os efeitos de os proprietários investirem menos em manutenção porque não conseguem recuperar o investimento através das rendas recebidas (Sims, 2007, Moon e Stotsky, 1993), de zonas com rendas controladas se tornarem menos atrativas (Autor, Palmer e Pathak, 2014), de procura de soluções que evitem o controle das rendas (Diamond, McQuade e Qian, 2018). Está igualmente documentado que as respostas dos proprietários passaram por reclamarem para uso próprio as propriedades, realizando remodelações e obras para venda, normalmente a grupos de mais rendimento do que era o grupo dos arrendatários. Estas vendas reduzem a oferta no mercado de arrendamento. 

Na Alemanha (Breidenback et al, 2021), o sistema de controle de rendas introduzido em 2015 não teve efeitos permanentes nos preços (rendas) mas reduziu a qualidade da oferta. Os agregados familiares que mais beneficiaram do controle de rendas foram os de rendimento mais elevado (o que levanta a questão, sabemos em Portugal quais são as rendas que estão a aumentar mais rapidamente e que população afetam mais, de modo a saber quem beneficiará mais da limitação das rendas). Houve sucesso em conter o aumento das rendas, mas é sobretudo no primeiro ano de aplicação, e o benefício ficou concentrado nos grupos de elevado rendimento. Por outro lado, a qualidade do parque habitacional passou a ser menor na sequência deste programa de controle de rendas.

Assim, ao fixar o crescimento das rendas, o Governo poderá estar a favorecer quem consegue, ou já tem, casa arrendada e dificultar o acesso por parte de quem vier a procurar casa para arrendar no futuro.

Mesmo quem tem já casa arrendada poderá vir a assistir a uma degradação da qualidade (por falta de manutenção), dado que os proprietários poderão ajustar o seu investimento de manutenção à renda esperada (o passado português, com a deterioração das casas de renda baixa fixa, é ilustrativo deste efeito, que não sendo visível no espaço de um mês ou dois, ou mesmo de um ano ou dois, se irá acumular ao longo dos anos).

Ao aplicar um limite nacional, a medida implica que locais que se venham a desenvolver a partir de rendas baixas não terão habitações suficientes – o “sinal” para construir mais onde possa ser mais necessário (para entrada no mercado de arrendamento) deixa de estar presente. Favorece-se o mercado de compra de habitação própria, onde a capacidade do sistema bancário em indiretamente beneficiar das medidas estará presente. 

Aparentemente, se é que foi pensado de todo, a expectativa do Governo está em que a eventual saída de casas do mercado de arrendamento decorrente da limitação do aumento das rendas seja compensado pela entrada de novas habitações para arrendar vindas do programa de “arrendamento forçado” e do “empurrar” habitações para fora do mercado de alojamento local.

Se for essa a expectativa, significa que se espera resolver o problema de uns criando dificuldades a outros grupos da sociedade (o que não será, parece-me, favorecedor de sentimentos de solidariedade e união entre a população, será sempre mais interessante que haja soluções em que todos se sintam melhor, com decisões tomadas em liberdade sobre o que fazer).

Se o objetivo da limitação do crescimento do valor das rendas é favorecer inquilinos atuais, é provável que a medida atinja esse objetivo. Se o objetivo é estabilizar o mercado de arrendamento e levar a um maior equilíbrio entre oferta e procura, é improvável que tal seja conseguido, dado que acentuará a falta de habitações para arrendar.

Há, ainda, uma margem de ajustamento na informalidade do arrendamento sem contrato, que passará a ser mais favorecida pelos proprietários e em que a limitação legal do valor da renda não terá qualquer papel. A existir um crescimento do mercado informal de arrendamento, por redução do mercado formal, será de esperar que afete desproporcionadamente os grupos da população que tenham maior dificuldade em ser inquilinos no mercado formal.

Sendo que o problema deverá ser resolvido pelo lado da oferta (para que haja habitação para todos), para se ter uma solução duradoura, esta medida de limitação do crescimento do valor das rendas não ajuda a ir nessa direção.

Querendo dar alguma estabilidade, mas não imobilismo, ao mercado em termos das rendas praticadas, seria mais razoável, a meu ver, uma medida que limitasse o crescimento das rendas de uma forma diferente – evitando crescimento muito elevado e deixando que o crescimento de ano para ano fosse gerido de forma livre entre inquilinos e proprietários. Por exemplo, estabelecer que num prazo de 3 anos, o crescimento acumulado não pode exceder 15% acima da atualização decida à inflação e/ou à melhoria substancial das condições da habitação (no formato que é usado na proposta do Governo para estes efeitos). O valor de 15% é arbitrário, e deverá ser devidamente estudado.

Adicionalmente, uma forma indireta de exercer pressão para que as rendas praticadas não subam (ou subam muito menos) é dar informação geral ao mercado de arrendamento. Através dos contratos registados oficialmente junto da Autoridade Tributária é, ou deveria ser, trivial que por freguesia, a Autoridade Tributária possa informar mensalmente, através da sua página de internet, qual a percentagem de habitações arrendadas em cada intervalo de renda possível (ou a renda média por cada decil da distribuição das rendas em cada freguesia, ou a renda limite de cada decil; o essencial é haver informação que vá além da renda média e dê conhecimento sobre a própria distribuição de rendas, com a informação organizada por dimensão, tipologia, da habitação).

Esta informação permite a quem procura casa ter uma visão sobre o que pode esperar com uma procura mais ou menos intensa. E pode ajudar na negociação da renda com o proprietário.

Para os proprietários, obriga-os a pensar em maior detalhe no custo de ter uma renda maior (demorar mais a encontrar um inquilino). A informação dos registos públicos seria, deste modo, colocada ao serviço da população, que seria capaz de facilmente perceber quando, num local e para uma determinada tipologia de habitação, está a ser pedida uma renda fora do leque razoável de valores.

E é mais interessante colocar o Estado ao serviço das decisões dos cidadãos do que colocar os cidadãos ao serviço de quem exerce o poder coercivo que o Estado possui.

Referências (lista não exaustiva):

Autor, D., Palmer, C.J., & Pathak, P.A. (2014). Housing Market Spillovers: Evidence from the End of Rent Control in Cambridge, Massachusetts. Journal of Political Economy, 122, 661-717.

Breidenback, P. L. Eilers e J.., 2022, Temporal dynamics of rent regulations: the case of German rent control, Regional Science and Urban Economics, 92: 103737

Coulson, N.E., Le, T., & Shen, L. (2020). Tenant Rights, Eviction, and Rent Affordability. Urban Economics & Regional Studies eJournal.

Diamond, Rebecca, Tim McQuade, and Franklin Qian. 2019. “The Effects of Rent Control Expansion on Tenants, Landlords, and Inequality: Evidence from San Francisco.” American Economic Review, 109 (9): 3365-94.

Gardner, M. (2022). The Effect of Rent Control Status on Eviction Filing Rates: Causal Evidence From San Francisco. Housing Policy Debate.

Glaeser, Edward, L., and Erzo F. P. Luttmer. 2003. “The Misallocation of Housing Under Rent Control.” American Economic Review, 93 (4): 1027-1046.

Gyourko, J and Peter Linneman, 1990, “Rent controls and rental housing quality: A note on the effects of New York City’s old controls,” Journal of Urban Economics, 27 (3): 398-409,

Kettunen, H. e H. Rucinavaara, 2020, Rent regulation in the 21st century Europe: comparative perspectives, Housing Studies, 36(9): 1446 – 1468

Lyons, Seán & Ahrens,Achim, 2020. “Urban rents and commuting times in Ireland,” Papers RB202018, Economic and Social Research Institute (ESRI).

Mense, A., Michelsen, C., & Kholodilin, K.A. (2019). Rent Control, Market Segmentation, and Misallocation: Causal Evidence from a Large-Scale Policy Intervention. IO: Empirical Studies of Firms & Markets eJournal.

Mendes, L. (2022). The Dysfunctional Rental Market in Portugal: A Policy Review. Land.

Monràs, J., & García-Montalvo, J. (2022). The effect of second generation rent controls: New evidence from Catalonia.

Moon, C. e J. Stotsky, 1993, “The effect of rent control on housing quality change: a longitudinal analysis”, Journal of Political Economy, 101(6): 1114-1148. 

Oust, A. (2018). The removal of rent control impact on search and mismatching costs : Evidence from Oslo.

Sagner, P., & Voigtländer, M. (2022). Supply side effects of the Berlin rent freeze. International Journal of Housing Policy.

Sims, D.P. (2007). Out of control: What can we learn from the end of Massachusetts rent control? Journal of Urban Economics, 61, 129-151.

Slater, T. (2021). From displacements to rent control and housing justice. Urban Geography, 42, 701 – 712.

Zapatka, K., & de Castro Galvao, J. (2022). Affordable Regulation: New York City Rent Stabilization as Housing Affordability Policy. City & Community, 22, 48 – 73.


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Casas devolutas: uma proposta alternativa

No post anterior, lancei um desafio à comunidade para ajuda na identificação dos principais motivos pelos quais existem casas devolutas. Resultou desse desafio o quadro seguinte. Não se reclama representatividade nacional dos resultados, é apenas um exemplo do trabalho que o Governo deverá realizar para um conhecimento sério da realidade nacional.

A pergunta colocada foi “Caso conheça quem tenha uma habitação devoluta (ou mais do que uma), em que devoluta significa sem ocupação há mais de um ano (ou desabitada), do que sabe, quais os motivos que pensa estarem por detrás dessa situação?” sendo possível indicar mais do que um motivo.

Das respostas obtidas (80, às 13h00 de 08/03/2023), fica claro que o motivo “especulação” argumentado por vários intervenientes no debate político é super minoritário (e até o motivo de retirar habitações do mercado para fazer subir os preços não é assinalado em nenhum caso conhecido). Pode dar-se o caso de ter aqui uma amostra ultra enviesada. Mas se é essa a situação, então quem defende que a existência de casas devolutas se deve maioritariamente a motivo de especulação imobiliária deverá apresentar a base de evidência que usa, para que se possa escrutinar e compreender melhor essa posição.

Dos restantes motivos, encontra-se, em traços largos, uma arrumação em três grandes grupos:

  • opções familiares, desde memória de gerações passadas a uso de imóvel como elemento de poupança
  • falta de confiança no processo de arrendamento (nomeadamente, nas mudanças de política do Governo, dos sucessos Governos)
  • problemas jurídicos com a utilização do ativo (capacidade de usar o imóvel)

Em algumas situações, estes motivos cruzam-se, não sendo mutuamente exclusivos.

A opção por uma política de arrendamento forçado, em termos de decisão pública, não resolve os problemas subjacentes a qualquer um destes grupos de motivos e pode, em alguns casos, levar a uma violação da intimidade das opções seguidas pelas famílias (por exemplo, quando uma habitação é preservada, mas não ocupada para vivência diária, em memória de familiares falecidos).

A falta de confiança nas decisões públicas futuras só será agravada pelo arrendamento forçado. Os problemas jurídicos de heranças e partilhas não são resolvidos pelo arrendamento forçado (nestes casos, significa que a renda que seja paga pelo Estado é dividida entre os herdeiros, que sobre ela terão de pagar imposto, ou é colocada num fundo até que haja decisão legal? ou outra solução?).

Ou seja, é difícil argumentar, a meu ver, que a proposta governamental resolve as principais barreiras ao arrendamento. Algumas das ideias do programa Mais Habitação podem, ainda assim, ser usadas de outra forma, mais útil, para a construção de propostas alternativas que aumentem a disponibilidade das famílias para colocar habitações devolutas no mercado de arrendamento.

Tomando a ideia do Estado arrendar a valores de mercado para depois subarrendar de acordo com a capacidade de esforço do inquilino, a intenção desta ideia é reduzir o risco, para quem aluga, da falta de pagamento por parte do inquilino. Mas não reduz o risco de ter problemas com inquilinos que não queiram deixar a habitação (com o evidente cumprimento dos prazos legais de notificação para não renovação de contratos). Esse “seguro” de ausência de problemas poderá ser dado oferecendo ao inquilino a possibilidade de continuar, de forma automática, noutra habitação arrendada ou cedida pelo Estado, libertando de forma simples a habitação inicialmente arrendada. Não se trata aqui de facilitar despejo com avisos de curto prazo, e sim de facilitar ao dono da habitação a capacidade de a utilizar como entender sem deixar de dar solução de habitação ao inquilino. O Estado dá um “seguro de renda” ao senhorio e um “seguro de habitação” ao inquilino, em lugar de o “seguro de renda” ser também um “seguro de habitação”.

Dentro desta lógica, se um inquilino quiser mudar, também o poderá comunicar ao senhorio, com os prazos legais gerais estabelecidos, sem que o Estado fique obrigado a continuar a arrendar o imóvel (o “seguro” do Estado ´é sobe o pagamento da renda e não sobre a ocupação da habitação).

Desta forma, creio que que se desbloqueia um dos motivos para a não colocação de mais casas desocupadas no mercado de arrendamento, levando a que haja maior oferta de forma voluntária, e sem necessidade de interferir com o direito de propriedade privada. Claro que para alguns atores políticos, o objetivo até poderá ser o de interferir com a ideia de propriedade privada, e o mercado de arrendamento e as casas devolutas serem apenas um pretexto. Parece-me, contudo, que não será esse o sentimento geral da população, daí que a procura de alternativas deva ser feita.

Esta solução ajuda também a resolver o motivo de “poupança” (reserva de valor) para manter um imóvel devoluto – sendo fácil ter o imóvel disponível para venda, mais facilmente será colocado no mercado de arrendamento (para gerar algum retorno económico enquanto não é exercida a possibilidade de venda).

Para o motivo associado com heranças, uma versão alternativa ao que está no programa “Mais habitação” será oferecer a possibilidade de venda ao Estudo do imóvel, a concretizar desde que 2/3 (ou outra percentagem elevada) dos direitos de herança assim decidam. Sem obrigar à venda e sem obrigar ao arrendamento forçado, impede que uma minoria de bloqueio utilize o poder de veto para manter fora do mercado o imóvel.

Tendo como objetivo aumentar o número de habitações para arrendamento no mercado, por redução do número de casas devolutas, podemos colocar como alternativas a comparar

a) manter tudo como está

b) arrendamento forçado, com “seguro de venda” para o senhorio

c) “seguro de renda” para o senhorio e “seguro de habitação” para o inquilino, em que o primeiro tipo de seguro não dá garantia de ocupação e em que o segundo tipo de seguro não garante a mesma habitação indefinidamente.

Destas três opções, numa análise breve, a opção c) é a que, no meu entendimento, tem a possibilidade de produzir mais efeitos (acréscimo de habitações no mercado de arrendamento) com menores custos (incluindo os custos de coesão social e de confiança nas instituições públicas).


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Voltando ao tema da habitação: casas devolutas e mercado

A discussão pública à volta da proposta do Governo parece ter esmorecido nos últimos dias, após o (habitual) pico de indignação, Não há verdadeiramente uma discussão técnica, necessária para que se encontre a melhor solução para o problema (e por vezes parece que com o mesmo nome se fala de problemas diferentes).

Volto por isso ao tema, para mais detalhe num ponto particular: as casas devolutas.

O ponto de partida: ter casas devolutas é ter capacidade instalada a não ser útil socialmente.

Vou definir o primeiro “problema” como sendo “Qual a melhor forma de trazer essas casas devolutas para o mercado de arrendamento de habitação?”. Ao definir o problema desta forma já estou a explicitar que o objetivo não é apenas que tenham uso social relevante, mas que esse uso seja para arrendamento (o que podemos discutir se deverá ser o objetivo a ter, ou apenas querer que passem a ter um uso socialmente mais útil). Também não estou a assumir que apenas a colocação no mercado de arrendamento das casas devolutas é suficiente (ou sequer necessário) para resolver o problema de falta de habitação a preços mais baixos do que os atualmente existentes.

O segundo passo é, obviamente, definir quantitativamente o problema: estamos a falar de quantas casas, e onde está localizadas?

Essa quantificação não é feita no documento colocado em discussão pública, nem se encontra disponível em qualquer outro local (de internet, pelo menos, e tanto quanto foi possível pesquisar). Aliás, não se conhecem quais são as habitações devolutas privadas nem o imobiliário público devoluto que pudesse ser eventualmente utilizado para uso de habitação providenciada pelo sector público.
Do Censo de 2021 sabe-se, e tem sido referido, que existiam cerca de 723 mil alojamentos familiares vagos (ver aqui), sendo que desses 348 mil estavam para arrendamento ou para venda. Ou seja, é desonesto dizer-se que há 723 mil habitações devolutas – ou é incompetência, ou é má fé. Mais, os que estão disponíveis para arrendamento ou para venda (não há separação entre os dois motivos) são, provavelmente, suficientes para satisfazer a procura existente SE estivessem nas localizações pretendidas e nas condições desejadas (incluindo de preços e/ou rendas). Para os restantes, não se faz ideia, pelas estatísticas disponíveis, se estão devolutos ou não. Se o Ministério da Habitação tem essa informação, deverá disponibilizar para a discussão pública. Se não tem, deverá ir procurar ter, pelo menos, uma estimativa, para conseguir dar o enquadramento factual correcto ao problema.

A propósito de estimativas de imóveis devolutos, em vários locais da internet é referido que a Camara Municipal de Lisboa identificou, para efeitos de aplicação de imposto agravado, 584 habitações devolutas em 2021 (ver por exemplo aqui, numa noticia de 2022, muito antes do Governo ter apresentado o pacote de medidas “Mais Habitação”). O total nacional de casas devolutas estimado de acordo com esse método é de menos de 4200 habitações, muito longe do número global que foi “atirado para o ar”. Igualmente relevante é verificar que o número de casas vagas era ainda maior em 2011, no Censo anterior, e que de 2011 para 2021 aumentou em 70 000 o número de casas vagas para arrendamento ou venda, sendo que no mesmo período de 10 anos entre os dois censos aumentou o número de alojamentos familiares de residência habitual. Não houve uma passagem de habitações de residência habitual para venda ou arrendamento.

A importância de conhecer a dimensão do imobiliário público devoluto é óbvia – Portugal tem uma componente de provisão pública de habitação muito reduzida em comparação com outros países, resultado de um século (mais de 100 anos) de negligência desse elemento – recorrendo ao estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos p. 149 “Contrary to what happens in most Western European countries, Portugal did not gain budgetary «muscle» to develop a housing promotion policy and build a significant public housing stock, capable of assisting families with greater difficulties in accessing housing. It
did not do so during the dictatorship of the Estado Novo, nor under democracy, after the April 1974 revolution. Today, this housing stock is made up of about 120 thousand dwellings, which represent only 2% of the total number of dwellings”. Aumentar a oferta pública através da mobilização do património devoluto do Estado parece ser uma forma rápida, e menos invasiva da sociedade civil, do que a proposta apresentada pelo Governo. O primeiro esforço deverá ser resolver as incapacidades do Estado.

O passo seguinte, na caracterização quantitativa da situação, é saber o porquê de uma habitação estar devoluta.
Não encontrei qualquer descrição que aproxime essa caracterização quantitativa. Assim, decidi colocar um pequeno desafio, como demonstração do que devia ter sido feito e aparentemente não foi feito (ou pelo menos disponibilizado publicamente), sobre o que possa ser a importância relativa de cada um dos motivos para se ter uma habitação devoluta.

Só percebendo que motivos são mais importantes, será possível desbloquear a passagem de casas devolutas para mercado de arrendamento, com a indicação de várias propostas de intervenção nesse sentido, que sejam colocadas como alternativa e comparadas à proposta de arrendamento coercivo proposta pelo Governo.

Assim, quem quiser ajudar nesta discussão, fica desafiado a ajudar na identificação dos principais motivos.

(aguarde que a tabela seguinte apareça, e poderá escolher várias respostas)

(podem ser adicionados motivos na caixa de comentários)

Com as respostas obtidas, será possível pensar nas propostas que para ultrapassar as barreiras que sejam mais importantes para a levar habitações devolutas ao mercado de arrendamento (assunto para o próximo post).

(Nota: esta série de posts pretende ilustrar trabalho de base que deverá ser feito e colocado disponível para se perceberem as opções políticas e as decisões tomadas)