Do ponto de vista político, uma das “curiosidades” da semana passada foi a dissonância entre ministros sobre a (eventual) redução da taxa de IRC. Mas já agora talvez seja útil perceber se do ponto de vista económico faz sentido, para o país, essa medida. (Para as empresas que pagam IRC naturalmente que é favorável)
O primeiro ponto é saber se, de um ponto de vista global da economia, uma redução das taxas de IRC consegue favorecer um maior crescimento económico. A este respeito, um trabalho recentemente publicado, Do corporate tax cuts boost economic economic growth?, S. Gechert e P. Heimberger, European Economic Review, Agosto 2022, faz um resumo global dos muitos trabalhos existentes (meta-análise). Como principal resultado, depois de corrigirem para efeitos de viés de publicação (é mais fácil publicar trabalhos com resultados favoráveis), têm que não é possível concluir que há uma relação sistemática entre baixar o IRC e ter maior crescimento económico. Ou seja, pode suceder, ou não. O que obriga a que seja bem explicado porque se espera que venha a ter esse efeito.
O segundo ponto é relembrar que em Portugal existem (ou existiam em 2019), 121 benefícios fiscais em sede de IRC (segundo o relatório final do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, nomeado pelo Ministério das Finanças, e liderado por Francisca Guedes de Oliveira, p. 53), pelo que a ser aprovada alguma descida do IRC deveria-se eliminar todos estes outros benefícios fiscais? (taxa de imposto mais baixo e estrutura mais simples?)
O terceiro ponto é diferente – se a intenção é promover o crescimento da economia portuguesa, através do desenvolvimento e crescimento das empresas, então talvez se deva ter um pouco mais de imaginação – e pensar que a redução de IRC deverá ser ligada, de algum modo, a aumentos da produtividade das empresas, recompensar a capacidade de melhoria. A existência de lucros de uma empresas pode dever-se a esta ser mais produtiva num mercado concorrencial, mas também pode resultar de estar em mercados protegidos e com poucas empresas concorrentes. Para o crescimento da economia portuguesa, o primeiro grupo é mais interessante, mas com redução de IRC cega pode estar a beneficiar-se sobretudo o segundo grupo. Daí que me pareça razoável ter uma discriminação da redução de IRC ligada ao crescimento da produtividade das empresas.
A discussão sobre a redução da taxa de IRC deve então ser acompanhada destes dois aspectos – redução dos outros benefícios fiscais já existentes (ou no mínimo justificar adequadamente porque não são eliminados, na dúvida retiram-se) e discriminação de acordo com a progressão da produtividade da empresa. Calculo que se levantem algumas dificuldades operacionais, mas com tanta informação que é reportada pelas empresas, não será certamente difícil cruzar as informações sobre valor acrescentado gerado pela empresa, número de trabalhadores e valor tributável em IRC. A atribuição de redução de IRC não deve ser para satisfazer os pedidos de apoio das empresas, ou acreditar por fé num efeito sobre o crescimento económico. Deve assentar numa lógica clara de qual o canal pelo qual essa redução de IRC premeia a capacidade da empresa em fazer crescer a sua produtividade. O (possível) argumento alternativo de que a redução de IRC se destina a fazer com que as empresas tenham capacidade de investimento, se levado a sério, deverá ser acompanhado pela proposta de redução de todos os outros apoios que existem ao investimento das empresas (subsídios a fundo perdido, taxas de juro bonificadas, etc.). É tempo de fazer com que os apoios públicos tenham uma relação mais direta com o contributo das empresas para melhorar a produtividade na economia portuguesa.
26 \26\+00:00 Setembro \26\+00:00 2022 às 09:13
o que para este efeito se considera aumento de produtividade?
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26 \26\+00:00 Setembro \26\+00:00 2022 às 09:43
Forma simples: valor acrescentado por trabalhador
indicador a usar para ter ou não redução de IRS: variação de valor acrescentado dividida por variação no valor médio de trabalhadores ao longo do ano
(tecnicamente, se houvesse muita informação facilmente disponível, seria ter uma medida do aumento de produtividade marginal – o quanto um trabalhador adicional produz – no domínio relevante de níveis de produção; mas o indicador acima é pelo menos mais ligado a variações de produtividade do que ter lucros, que podem ser influenciados por outras coisas, incluindo outras medidas de apoio que existam, o que potencialmente até se poderia traduzir em duplo apoio para a mesma coisa – se um investimento que seria feito de qualquer modo for financiado com dinheiros do PRR, o lucro daí resultante ao pagar menos IRC teria uma remuneração para a empresa adicional à substituição do seu investimento privado por fundos de apoio públicos)
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26 \26\+00:00 Setembro \26\+00:00 2022 às 11:45
Em suma, mais uma versão de interferência na liberdade económica e tratamento desigual das empresas como se estas existissem para ilustrar as teses de teóricos da gestão e da coisa püblica, que dizem coisas diferentes uns dos outros, mas sempre com a mesma suficiência.
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